sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

 Vamos falar do romance Helena, de Machado de Assis.





Publicado em 1876, o romance Helena foi escrito pelo maior ficcionista da literatura brasileira, Machado de Assis (1839-1908) e pertence à primeira fase da carreira do autor, considerada romântica.

Dividido em 28 capítulos, o romance urbano, que faz duras críticas à sociedade do século XIX, foi originalmente publicado em formato de folhetim, no jornal O Globo, entre agosto e novembro de 1876.



CAPÍTULO I

O conselheiro Vale morreu às 7 horas da noite de 25 de abril de 1859. Morreu de apoplexia fulminante, pouco depois de cochilar a sesta, — segundo costumava dizer, — e quando se preparava a ir jogar a usual partida de voltarete em casa de um desembargador, seu amigo. O Dr. Camargo, chamado à pressa, nem chegou a tempo de empregar os recursos da ciência; o Padre Melchior não pôde dar-lhe as consolações da religião: a morte fora instantânea.


O conselheiro Vale, deixa um filho, Dr. Estácio e uma irmã de 50 anos, Ursula, solteira na casa de Andaraí. 



O Conselheiro ocupava elevado lugar na sociedade e vinha de uma família tradicional. Seu velório reuniu um público composto das mais diversas classes sociais, foram cerca de duzentas pessoas acenar um último adeus ao falecido.

Dr.Camargo, médico e amigo de longa data, encontrou um testamento e abriu na manhã seguinte ao falecimento, na companhia dos outros dois testamenteiros, Estácio e padre Melchior.

Foi o médico o primeiro a ler o testamento e a constatar: "Sabem o que estará aqui dentro? Talvez uma lacuna ou um grande excesso". Sem saber o que dizer à família do falecido, o amigo reflete sobre o assunto e no dia seguinte promete retornar com mais conclusões. Provocar o suspense foi a maneira encontrada pelo médico de preparar os espíritos para a notícia inesperada.

No dia seguinte, Dr.Camargo retorna, abre o testamento com toda a formalidade legal exigida, e comunica que o documento continha uma peça inesperada: a menina Helena.

Para a surpresa de todos, o Conselheiro Vale reconhecia no testamento a existência de uma filha natural, chamada Helena, de dezessete anos, que havia tido com D. Ângela da Soledade.

A jovem estaria em um internato em Botafogo e, segundo as instruções do morto, deveria ir viver com a família sendo legítima herdeira da sua fortuna, assim como o filho Estácio. O Conselheiro ainda pedia que a menina fosse tratada com desvelo e carinho, como se de seu matrimônio fosse.

Estácio e Úrsula jamais haviam ouvido falar em Helena. A primeira reação de Úrsula foi rejeitar completamente a sobrinha, aceitando apenas entregar-lhe parte da herança, mas jamais recebendo-a em casa. A tia, mesmo antes de conhecer a jovem, já a considerava uma intrusa, uma menina qualquer que não deveria ter direito ao amor dos parentes.

Estácio, por sua vez, aceitou de pronto a decisão do pai ("Receberei essa irmã, como se fora criada comigo. Minha mãe faria com certeza a mesma coisa"). A falecida mãe do jovem era conhecida por sua generosidade e capacidade de perdão, de modo que o filho teria herdado características semelhantes as da genitora.


CAPÍTULO II

 

No dia seguinte, foi aberto o testamento com todas as formalidades legais. O conselheiro nomeava testamenteiros Estácio, o Dr. Camargo e o Padre Melchior. As disposições gerais nada tinham que fosse notável: eram legados pios ou beneficentes, lembranças a amigos, dotes a afilhados, missas por sua alma e pela de seus parentes. Uma disposição havia, porém, verdadeiramente importante. O conselheiro declarava reconhecer uma filha natural, de nome Helena, havida com D. Ângela da Soledade. Esta menina estava sendo educada em um colégio de Botafogo. Era declarada herdeira da parte que lhe tocasse de seus bens, e devia ir viver com a família, a quem o conselheiro instantemente pedia que a tratasse com desvelo e carinho, como se de seu matrimônio fosse.


Helena era descrita fisicamente como uma moça delgada, magra e elegante, apesar de possuir atitudes modestas. As feições da moça são altamente idealizadas pelo narrador.


CAPÍTULO III

Era uma moça de dezesseis a dezessete anos, delgada sem magreza, estatura um pouco acima de mediana, talhe elegante e atitudes modestas. A face, de um moreno-pêssego, tinha a mesma imperceptível penugem da fruta de que tirava a cor; naquela ocasião tingiam-na uns longes cor-de-rosa, a princípio mais rubros, natural efeito do abalo. As linhas puras e severas do rosto parecia que as traçara a arte religiosa. Se os cabelos, castanhos como os olhos, em vez de dispostos em duas grossas tranças lhe caíssem espalhadamente sobre os ombros, e se os próprios olhos alçassem as pupilas ao céu, disséreis um daqueles anjos adolescentes que traziam a Israel as mensagens do Senhor. Não exigiria a arte maior correção e harmonia de feições, e a sociedade bem podia contentar-se com a polidez de maneiras e a gravidade do aspecto. Uma só coisa pareceu menos aprazível ao irmão: eram os olhos, ou antes o olhar, cuja expressão de curiosidade sonsa e suspeitosa reserva foi o único senão que lhe achou, e não era pequeno.




Apesar da resistência inicial da tia, Helena é acolhida pela casa e pela família. Por fim, quando Úrsula adoece, finalmente cede a gentileza e a disponibilidade da recém sobrinha e a passa a amparar, como era o desejo do inicial exposto pelo irmão, o Conselheiro.



CAPÍTULO IV

Em meio a esse turbilhão de acontecimentos, Estácio noiva com Eugênia, a filha do Dr. Camargo, unindo, desse modo, as duas famílias dos grandes amigos. No entanto, a verdade é que o rapaz passa cada vez mais tempo com a irmã, Helena, e se desencanta com a respectiva prometida, que não apresenta os mesmos atributos físicos e psicológicos da parente recém descoberta.


Helena tinha os predicados próprios a captar a confiança e a afeição da família. Era dócil, afável, inteligente. Não eram estes, contudo, nem ainda a beleza, os seus dotes por excelência eficazes. O que a tornava superior e lhe dava probabilidade de triunfo, era a arte de acomodar-se às circunstâncias do momento e a toda a casta de espíritos, arte preciosa, que faz hábeis os homens e estimáveis as mulheres. Helena praticava de livros ou de alfinetes, de bailes ou de arranjos de casa, com igual interesse e gosto, frívola com os frívolos, grave com os que o eram, atenciosa e ouvida, sem entono nem vulgaridade. Havia nela a jovialidade da menina e a compostura da mulher feita, um acordo de virtudes domésticas e maneiras elegantes. Além das qualidades naturais, possuía Helena algumas prendas de sociedade, que a tornavam aceita a todos, e mudaram em parte o teor da vida da família. Não falo da magnífica voz de contralto, nem da correção com que sabia usar dela, porque ainda então, estando fresca a memória do conselheiro, não tivera ocasião de fazer-se ouvir. Era pianista distinta, sabia desenho, falava correntemente a língua francesa, um pouco a inglesa e a italiana. Entendia de costura e bordados e toda a sorte de trabalhos feminis. Conversava com graça e lia admiravelmente. Mediante os seus recursos, e muita paciência, arte e resignação, — não humilde, mas digna, — conseguia polir os ásperos, atrair os indiferentes e domar os hostis. Pouco havia ganho no espírito de D. Úrsula; mas a repulsa desta já não era tão viva como nos primeiros dias.




Estácio começa a criar sentimentos por Helena. A angústia cresce porque o afeto parece ir além de uma simples admiração proporcionada pela amizade e o jovem teme se apaixonar pela própria irmã. O autor, deste modo, encena um amor socialmente proibido.



É o padre Melquior quem desvenda o amor "incestuoso, embora inconsciente" que Estácio nutre pela meia-irmã, apelando para que Estácio renuncie à sua paixão criminosa e siga uma vida normal.

No mesmo instante em que a trama do amor proibido é desenrolada, surge uma complicação adicional. Descobre-se que Helena guardava um segredo o tempo todo, à primeira vista inofensivo; a moça tinha por hábito acordar cedo e fazer visitas a uma casa pobre, próxima à chácara do Conselheiro Vale, voltando antes de que seus parentes despertassem. Estácio é o primeiro a se preocupar com tais visitas, em grande medida por ciúmes, pondo-se a investigá-las junto a seus conhecidos.

Ao fim, descobre-se que Helena visitava um homem, seu verdadeiro pai biológico (Salvador). No final do livro, Salvador conta como o Conselheiro Vale lhe roubara a esposa, a mãe de Helena, e optara por criar a criança como se fosse sua filha. Helena tinha consciência da história a todo momento, mas não contara a Estácio e Dona Úrsula a pedido de seus dois pais.

Depois que a família descobre que Helena na verdade não foi filha natural do Conselheiro, em tese Estácio e Helena estariam livres para se entregarem ao seu amor, não mais incestuoso. Mas existem dois obstáculos: o primeiro, como lembra o padre, é o escândalo que representaria o rompimento dos compromissos já assumidos por ambos (com, respectivamente, Eugênia e Mendonça). "Sepultemos quanto se passou no mais profundo silêncio, e a situação de ontem será a mesma de amanhã."

O segundo é a crise de consciência de Helena por haver tido que viver inautenticamente (mais um tema romântico), mantido a mentira que o pai e o Conselheiro Vale perpetuaram visando seu próprio bem. Ela também revela ter amado Estácio o tempo todo e haver intencionado unir-se com Mendonça por força da renúncia.


Como um homem de bons valores, Estácio resolve obedecer ao testamento do pai, mesmo sabendo que Helena não era sua filha biológica.



No entanto, o final não promete ser feliz para o jovem casal. Helena adoece subitamente e morre, deixando Estácio desesperado.

O romance se encerra com um final tráfico, exibindo o lamento desesperado do rapaz.


CAPÍTULO XXVIII

Durante sete dias o estado de Helena apresentou alternativas que lançavam na alma dos seus a confiança e a desesperação. Algumas horas houve de delírio, durante o qual dois nomes volviam frequentemente aos lábios da enferma, — o de Estácio e o do pai. Nas horas da razão, falava pouco, não proferia nenhum nome, salvo o de Melchior que ela queria ver junto de si. O capelão obedecia docilmente. Ao pé dela, via-a com pena, mas sem desesperação; primeiramente, porque ele aceitava sem murmúrio os decretos da vontade divina; depois, porque não sabia ao certo se, em tal situação, era a vida melhor do que a morte. Em todo caso, consolava-a. No quarto dia chegou a família de Camargo, e, sabendo da doença de Helena, apressou-se a ir a Andaraí. Ao ver Eugênia, a moça sorriu tristemente, lampejo de inveja que para logo se apagou e morreu no coração. Estácio mal ousava entrar na alcova da doente e não podia viver fora dela. Sua aflição era patente. Ele prometia a si mesmo todos os sacrifícios em troca da vida de Helena, espreitava uma esperança no rosto do médico, e interrogava o coração da tia e do padre.


...

Sozinho com Estácio, o capelão contemplou-o longo tempo; depois, alçou os olhos ao retrato do conselheiro, sorriu melancolicamente, voltou -se para o moço, ergueu-o e abraçou com ternura. — Ânimo, meu filho! disse ele. — Perdi tudo, padre-mestre! gemeu Estácio. Ao mesmo tempo, na casa do Rio Comprido, a noiva de Estácio, consternada com a morte de Helena, e aturdida com a lúgubre cerimônia, recolhia-se tristemente ao quarto de dormir, e recebia à porta o terceiro beijo do pai.


Mais um romance de costumes do mestre Machado de Assis; na sua fase de romances urbanos com críticas à sociedade da época, conservadora, hipócrita, religiosa e reacionária.

Um final moralista e triste, onde a felicidade cobra seu preço. A obra foi publicada em folhetim no jornal " O Globo", na época de propriedade de Quintino Bocaiúva,  no final do século XIX.


Advertência do autor

Assinada por M. de A. , a advertência do autor inaugura a, na altura, nova edição de Helena. No breve texto, composto por apenas dois parágrafos, Machado esclarece as alterações realizadas de uma edição para a outra.

Vale sublinhar que o autor não faz nenhuma alteração em termos de conteúdo, apesar de sublinhar que o livro foi composto em um passado longínquo, tornando-se ele, autor, um compositor de outro tipo de obra. É bonito que o público leitor possa assistir o reconhecimento do criador acerca dessa transformação do seu trabalho.

Trata-se de um ato generoso de Machado ter optado por não alterar a história, tendo reconhecido que "cada obra pertence ao seu tempo" e que a escrita jovial presente em Helena deveria ser conservada tal como havia sido concebida na altura.


"Esta nova edição de Helena sai com várias emendas de linguagem e outras, que não alteram a feição do livro. Ele é o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me fez depois, correspondendo assim ao capítulo da história do meu espírito, naquele ano de 1876.

Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferentes páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. É claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo."



O romance foi adaptado para televisão em forma de telenovela três vezes:

A primeira, em 1952, foi exibida pela TV Paulista. Novela de Manuel Carlos, que talvez daí tenha tomado gosto por personagens femininas com o nome de Helena. Com Jane Batista e Paulo Goulart.


Jane Batista e Paulo Goulart




A versão de 1975 exibida pela Rede Globo foi protagonizada pela atriz Lúcia Alves, com Osmar Prado como Estácio.


Osmar Prado e Lúcia Alves


A novela de 1987 exibida pela Rede Manchete teve direção de Denise Saraceni e Luiz Fernando Carvalho e, no papel-título, a atriz Luciana Braga.

Thales Pan Chacon e Luciana Braga





Fontes:
wikipedia.org
culturagenial.com
educacao.globo.com
google.com
dominiopublico.gov.br
illel.ufu.br


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