quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 Amar, verbo intransitivo de Mário de Andrade.


O livro foi publicado em 1927. 


Como diz a própria definição de verbo intransitivo, não precisa de complemento. Pode-se amar alguém sem ser correspondido, ou ao menos ser notado pela pessoa amada.

   
Capítulo I

— E, senhor... sua esposa? está avisada? — Não! A senhorita compreende... ela é mãe. Esta nossa educação brasileira... Além do mais com três meninas em casa!... — Peço-lhe que avise sua esposa, senhor. Não posso compreender tantos mistérios. Se é para bem do rapaz. — Mas senhorita... — Desculpe insistir. É preciso avisá-la. Não me agradaria ser tomada por aventureira, sou séria. E tenho 35 anos, senhor. Certamente não irei se sua esposa não souber o que vou fazer lá. Tenho a profissão que uma fraquezame permitiu exercer, nada mais nada menos. É uma profissão. Falava com a voz mais natural desse mundo, mesmo com certo orgulho que Sousa Costa percebeu sem compreender. Olhou pra ela admirado e, jurando não falar nada à mulher, prometeu.


Logo no início do romance o autor já nos coloca em contato com quem estamos lidando; uma família conservadora, hipócrita e dissimulada da sociedade paulistana.


Em Amar, verbo intransitivo conhecemos uma família conservadora e religiosa paulista cujo pai resolve contratar uma profissional para introduzir o filho na arte do amor.

Disfarçada de professora de alemão, Fräulen, uma mulher de 35 anos, tem a missão de seduzir Carlos, o filho mais velho. Os dois desenvolvem uma relação de confiança e intimidade e, aos poucos, de fato, o amor começa a nascer por parte do menino. A paixão de Carlos, no entanto, mal sabe ele, é impossível.





A temática foi repetida na minissérie "Um só coração" exibida pela rede Globo em 2004, em comemoração aos 450 anos da cidade de São Paulo. Na série, escrita por Maria Adelaide do Amaral e Alcides Nogueira, onde Maria Fernanda Cândido (Ana Schimidt) foi contratada pelo coronel Totonho (Tarcísio Meira) para seduzir seu filho Bernardo (Daniel de Oliveira).

No romance o patriarca da família tradicional paulistana Souza Costa contrata uma mulher, Elza, chamada de Fräulein (senhorita, moça,  em alemão) como governanta e com um trabalho especial de seduzir o filho mais velho da família, Carlos, para  que o mesmo não procure outras mulheres na rua.



Elza é, portanto, contratada como governanta da casa e, além do seu trabalho "especial", ela também realiza as atividades normais de uma governanta.


A Fräulein, como é tratada pela família, dá aulas de alemão e de música para todas as crianças. Ela se envolve totalmente na rotina da casa, enquanto aos poucos vai seduzindo Carlos. Enquanto isso, as relações familiares vão sendo descortinadas e apresentadas de forma bem banal.


Mário de Andrade


A relação de Carlos com Fräulein vai se tornando mais intensa até que a Dona Laura, a mãe da família, percebe algo a mais no relacionamento dos dois.

Souza Costa não havia dito para a esposa qual era o real objetivo da vinda da alemã para a casa. A descoberta disso leva a um conflito entre Fräulein, Souza Costa e Dona Laura. Num primeiro momento, Fräulein decide deixar a casa, mas, após uma rápida conversa com Souza Costa, decide ficar.


A sedução de Carlos

Fräulein, agora com o consentimento de toda a família, volta a se insinuar para Carlos. Após algumas investidas, Carlos é que começa a avançar para Fräulein. Ela sugere uma teoria sobre o amor para ensinar Carlos sobre os relacionamentos. Por meio dos seus métodos, começa a cumprir a missão de iniciar Carlos sexualmente.

O relacionamento dos dois é intenso, e isso faz parte dos planos de ensino de Fräulein.

Fräulein não é bonita, não. Porém traços muito regulares, coloridos de cor real. E agora que se veste, a gente pode olhar com mais franqueza isso que fica de fora e ao mundo pertence, agrada, não, não agrada? Não se pinta, quase nem usa pó-de-arroz. A pele estica, discretamente polida com os arrancos da carne sã. O embate é cruento. Resiste a pele, o sangue se alastra pelo interior e Fräulein toda se roseia agradavelmente. 



A lição final é um rompimento abrupto entre os dois.

Souza Costa finge pegar os dois em flagrante e "expulsa" Fräulein da casa. Carlos passa um tempo em sofrimento após a separação, porém, a superação do primeiro amor o transforma em um homem.


Sousa Costa repuxava os bigodes, bolas! Porém lhe doía a dor do filho. Dona Laura descia os últimos degraus. Um dos chinelos de Carlos estava ali. Era preciso partir. — Adeus, Carlos. Seja... muito feliz, ouviu? adeus... Beijou-o na testa. Na testa, tal-e-qual fazem as mães. O beijo foi comprido por 108 www.livroclip.com.br demais. Se desvencilhava. Dona Laura ajudou. — Filhinho... não faça assim!... Os braços dele foram ficando vazios. Os braços dele ficaram compridos no ar. Ficaram compridíssimos. Foram descendo cansadíssimos. Teve uma vaga lembrança de que nem a beijara. Não, só um verbo naturalista: não aproveitara. E agora nunca mais. Porta que fecha. Sonolência. Não chorava. Foi andando. Parou calçando o chinelo. Subia os degraus. Fräulein sacudida pelos soluços nervosos entrou no automóvel. Partiam mesmo. 


A obra foi levada para o cinema em 1975,com o nome de Lição de Amor -  direção de Eduardo Escorel com Lilian Lemmertz (Fraulein) e Marcos Taquechel (Carlos).

No teatro ganhou uma adaptação teatral com dramaturgia de Luciana Carnieli e direção de Dagoberto Feliz.




Apesar de se passar nos anos de 1920, o romance espelha muito a nossa sociedade atual, na qual a mulher é subordinada ao homem o tempo todo. Por mais que Fräulein tenha sua dignidade e seja intelectualmente e culturalmente superior àquela família, é tratada como um ser inferior – não só pelo fato de ela ser prostituta, mas por ser mulher.

Exausta, meia triste ela olhava sem reparar a carreira das campinas. Estação de São Bernardo? Pensava. Quase sofria. Carlos. Era muito sincero, corajoso. Ora! E a raiva contra todos os homens quase que fez ela se rir, prevendo o desastre. Afastou com energia o ódio inútil. Se protegeu contra a imaginação, pensando no dinheiro. Assegurou-se de que a maleta estava ali, estava. Oito contos. Mais dois ou três serviços e descansava. Apesar de tudo, Carlos... que alma bonita, um homem. Tomou-a novo relaxamento de vontades. Doía. Talvez o amasse? Fräulein murmurou severamente o “não”, quase que os outros escutaram. Sorriu. Uma ternurinha só. Muito natural: era um bom menino, e não pensemos mais nisso. Estava muito calma. E o idílio de Fräulein realmente acaba aqui. O idílio dos dois. O livro está acabado.

 

FIM


A História se passa no seio de uma família tradicional paulista do bairro de Higienópolis. Relata como pensam e se portam essas pessoas que se acham acima das outras e podem comprar tudo, até o amor. Esse foi o primeiro livro de Mário de Andrade e já traz nuances do Modernismo, abrangendo temas que eram considerados tabus na conservadora sociedade paulistana da década de 20.


Quando do aparecimento do livro, Manuel Bandeira justificou o aspecto mais chocante para a época: “A linguagem do romance está toda errada. Errada no sentido portuga da gramática que aprendemos em meninos. Do ponto de vista brasileiro, porém, ela é que está certa, a de todos os outros livros é que está errada.


Amar, verbo intransitivo foi e continua a sendo atual e mesmo revolucionário. Classificado pelo autor como “idílio”, é, de fato, um romance experimental, modernista e moderno, cinematográfico. Mário de Andrade que, desde Paulicéia desvairada vem se inclinando para os deserdados da sorte, com a empatia de um verdadeiro expressionista, consegue captar a alma da mulher. Expressa-se magistralmente no feminino quando cria Fräulein, a governanta alemã, professora de amor. 



Fontes:

wikipedia.org
google.com
educacao.globo.com
livroclip.com.br
culturagenial.com
empoderadxs.com.br
youtube.com

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