Conheci a beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,
Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr-do-sol e sobre o mar discorre.
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Recebi o batismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.
Esse soneto é de Antero de Quintal, poeta português Antero de Quintal.
Antero de Quental nasceu nos Açores, em 1842, e suicidou-se em 1891, no lugar de nascimento.
Teve vida complicada por causa de seus conflitos íntimos que o levavam a se isolar às vezes, em outras vezes, a conviver em reuniões literárias ou partidárias, a filosofar materialisticamente em certos períodos, em outros, a debater-se na dúvida religiosa.
Foi protagonista da Questão Coimbrã em defesa das ideias realistas dos jovens, culminando com o artigo “Bom-senso e Bom-gosto”.
De um lado, estava Antônio Feliciano de Castilho, escritor romântico português. De outro, o grupo de estudantes da Universidade de Coimbra: Antero de Quental, Teófilo Braga e Vieira de Castro.
A Questão Coimbrã foi o marco inicial do movimento realista em Portugal. Ela representou uma nova forma de fazer literatura, trazendo à tona aspectos de renovação literária aliado as ideias que surgiram na época em torno de questões científicas.
Por isso, ela se afasta dos moldes ultrapassados dos ultrarromânticos, atacando assim, as posturas de atraso cultural da sociedade portuguesa da época.
Só males são reais, só dor existe:
Prazeres só os gera a fantasia;
Em nada [um] imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.
Se buscamos o que é, o que devia
Por natureza ser não nos assiste;
Se fiamos num bem, que a mente cria,
Que outro remédio há [aí] senão ser triste?
Oh! Quem tanto pudera que passasse
A vida em sonhos só. E nada vira…
Mas, no que se não vê, labor perdido!
Quem fora tão ditoso que olvidasse…
Mas nem seu mal com ele então dormira,
Que sempre o mal pior é ter nascido!
Seu suicídio parece ter sido consequência de uma doença física e uma mental: impôs-se questionamentos filosóficos e religiosos para os quais não obteve respostas.
Delineiam-se, em Antero de Quental, três fases distintas. Na primeira delas, nota-se o predomínio de uma atitude romântica em temática religiosa. É uma poesia de entusiasmo adolescente, herança da educação paterna. Esse conteúdo é identificado em quase todos os poemas dos livros Raios de extinta luz e Primaveras românticas.
A segunda fase concentra-se em Odes modernas, poemas que evidenciam a fase realista do autor e sua adesão às ideias de justiça social, igualdade e dignidade humana. Para ele, então, o ato de escrever é um ato revolucionário, revelando a nítida influência das ideias de Proudhon. (Jean-Baptiste Proudhon, um dos fundadores do anarquismo).
Antero de Quental insistia que a sua obra tinha de ser revolucionária para corresponder ao seu tempo social, por isso os poemas dessa fase refletem o drama social da segunda metade do século XIX. A terceira fase, mais nítida no livro Sonetos, revela o poeta atormentado por questões humanas, filosóficas e metafísicas, resultando uma poesia dilemática, angustiada e pessimista, envolvida com ideias de morte e tentativas de explicar e entender Deus.
É na terceira fase (Sonetos) que o poeta atinge o ponto alto da sua técnica linguística e versificatória, a ponto de os críticos ficarem em dúvida se admiram mais o seu pensamento ou a sua forma. Conhecedor dos segredos da língua e da técnica, ele compôs versos esculturais pela solenidade do pensamento, pela majestade da frase e pela harmonia e beleza da musicalidade e ritmo. É considerado um dos grandes sonetistas europeus.
A sensualidade está ausente de sua poética por ter tido, como assuntos prediletos, a tristeza universal e a tragédia humana. Foi o maior poeta-filósofo em Língua Portuguesa e um dos maiores da Europa.
Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. -
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
Fontes:
coladaweb.com
todamateria.com.br
wikipedia.org
escritas.org.pt
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