quinta-feira, 4 de março de 2021

 A queda de um anjo de Camilo Castelo Branco.


Camilo Castelo Branco



O personagem Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda era um típico fidalgo português de boa família. Casou-se por interesse com D. Teodora Barbuda de Figueiroa, também de boa família, e com ela vivia em Caçarelhos. Era tradicionalista e estava sempre defasado da realidade, tinha o hábito de ler, mas apenas autores clássicos. Quando ocupou a presidência da Câmara, mesmo que por apenas um dia, chegou a pensar em ressuscitar a legislação antiga para governar.




Calisto foi eleito deputado e partiu para Lisboa. Na capital, chega a procurar lugares antigos, que já não existiam por conta de um terremoto¹, mas que havia visto nos livros antigos que lia. No parlamento, planejava lutar pela redução dos impostos, pelo combate ao luxo e estava sempre em defesa da moral e dos bons costumes. Tornou-se conhecido pela linguagem antiga e difícil. Estava sempre preocupado em fazer discursos pomposos.
                                                            (¹ terremoto de Lisboa - 1755)


Certo dia, ao conhecer uma mulher chamada Adelaide, Calisto descobriu que nunca havia amado de verdade. Mas Adelaide não quis se relacionar com um homem casado. Logo depois, ele conhece a jovem viúva do general Ponce de Leão. A moça, uma brasileira, era loira, tinha cerca de trinta anos e foi atrás de Calisto para conseguir uma pensão. Acabou se apaixonado por ela e lhe montou uma casa.




A partir deste momento, deu-se uma total transformação na vida do personagem. Calisto passa a adquirir os costumes modernos que antes condenava. Antes era muito preso ao passado e as tradições, mas ao final deixa crescer o bigode e o cavanhaque, veste roupas mais modernas, esquece a esposa Teodora, passa a gastar muito dinheiro, muda para a oposição e separa-se definitivamente da mulher, que acaba se casando com um primo.

A Queda D´um Anjo traça alegoricamente o percurso da contaminação do Portugal antigo por modas políticas, sociais, religiosas e culturais a partir do percurso de uma personagem.

O seu conhecimento dos clássicos, aos quais dedicou toda a vida, enche-o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz ser eleito deputado pelo círculo de Miranda. A sua presença em Lisboa e os seus discursos no Parlamento fazem sensação. A moral dos costumes antigos, que defende em detrimento do luxo e dos teatros, a vernaculidade autêntica e concisa do seu discurso, o seu senso comum, tem um impacto cômico em Lisboa, o que é tanto mais irônico quanto fazem sentido. 




Deste modo, retratando o Parlamento como palco fechado e circular das disputas pessoais que os próprios discursos políticos geram, o narrador troça daqueles que, em vez de tentarem conhecer e resolver os verdadeiros problemas nacionais, troçam da sua personagem. Neste sentido, é exemplar o idioleto florido do deputado Libório Meireles, cujas tendências plagiarias Calisto não tarda a denunciar.

O seu estatuto incorrupto e contudo anacrônico é simbolizado pelo traje: "calças rematando em polainas de madrepérola" cujo feitio copiara daquelas do seu casamento, molde imutável de todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da sociedade lisboeta, cheia de mulheres que leem Balzac e lhe dão a conhecer um romance de Camilo, cujos galicismos condena veementemente, não deixa o herói imune.


A contaminação da personagem e os indícios da queda expressam-se exteriormente através da primeira visita a um alfaiate lisboeta, impulsionada pela intenção de impressionar uma jovem menina casadoira cuja irmã ele mesmo acabara de resgatar de uma ligação adúltera.


Esse é o primeiro passo de um percurso que culminará na transfiguração de anjo em "esbelta figura de homem", "subordinado ao alvitre do alfaiate", cheio de "meneios, posturas e jeitos" a quem "o descostume da leitura restituíra o aprumo da espinha dorsal". A sua própria mulher não o reconhecerá. Esta transfiguração exterior traduz a sua metamorfose moral, consumada na defesa de princípios liberais em discursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação adúltera que mantém com uma viúva brasileira, D. Ifigénia Ponce de Leão, de quem terá dois filhos.



Por sua vez, D. Teodora, último reduto aparente do Portugal antigo, deliciosamente expresso nas suas cartas ao marido, acaba por relacionar-se maritalmente com seu primo, adotando também ela as novas modas com que contatara numa viagem iniciativa a Lisboa,  última tentativa falhada de reaver o marido.

Camilo mistura a sátira com a tragédia da inutilidade dos ideais e do absurdo e incoerência de todas as coisas, configurando uma paródia sorridente mas também desesperada dos seus próprios dramas, que costumavam assentar na noção de uma existência resgatável pelo sacrifício. Aqui estamos perante o percurso inverso e a surpreendente ausência de punição.


Lisboa


A obra mostra a hipocrisia da sociedade lisboeta e trata de um conservador,  sempre fora de seu tempo, e lutando pela família e pela tradições, que devido a uma paixão desesperadora e irremediável se vê uma figura despojada e com atitudes modernas e progressistas.




Fontes:
educacao.globo.com
infopedia.pt
google.com
guiadoestudo.com.br


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