Hoje vamos falar de Cartas de Inglaterra, do escritor português Eça de Queiroz.
Cartas de Inglaterra é uma compilação de textos do escritor português Eça de Queiroz enquanto este se encontrava a viver e a trabalhar em Inglaterra, no serviço consular, em Newcastle upon Tune e Bristol, entre 1874 e Abril de 1879 e até 1888, respectivamente.
Eça critica os acontecimentos contemporâneos, sejam eles os referentes a Portugal mas também os estrangeiros, revelando o seu lado de analista político e de ensaísta.
Estranha gente, para quem é fora de dúvida que ninguém pode ser moral sem ler a Bíblia, ser forte sem jogar o críquete e ser gentleman sem ser inglês! E é isto que os torna detestados. Nunca se fundem, nunca se desinglesam. Há raças fluidas, como a francesa, a alemã, que, sem perderem os seus caracteres intrínsecos, tomam ao menos exteriormente a forma da civilização que momentaneamente as contém. O francês no interior da África adora sem repugnância o manipanso, e na China usa rabicho. O inglês cai sobre as ideias e as maneiras dos outros como uma massa de granito na água: e ali fica pesando, com a sua Bíblia, os seus clubes, os seus sports, os seus prejuízos, a sua etiqueta, o seu egoísmo – fazendo na circulação da vida alheia um incomodativo tropeço. É por isso que nos países onde vive há séculos é ele ainda o estrangeiro. E isto torna-os fatais como domadores – porque todo o seu esforço consiste em reduzir as civilizações estranhas ao tipo da sua civilização anglo-saxônica. O mal não é grande quando eles operam sobre a Zululândia e sobre a Cafraria, nessas vastidões da Terra Negra, onde o selvagem e a sua cubata mal se distinguem das ervas e das rochas, e são meros acessórios da paisagem: ai encontram apenas uma matéria bruta, onde nenhuma anterior forma de beleza original se estraga quando eles a refundem para fazer à sua imagem. Vestir o desventurado rei negro Cetevaio como eles agora fizeram de coronel de infantaria; obrigar os chefes dos Basutos a saber de cor os nomes da família real inglesa, são talvez atos de feroz despotismo, mas não deterioram nenhuma primitiva originalidade de linha ou de ideia. Para Cetevaio, que andava nu, uma fardeta, mesmo de infantaria, não faz senão vesti-lo; e é indiferente que dentro do crânio dos Basutos haja só fórmulas de invocação ao manipanso, ou também nomes de príncipes da Casa de Hanôver. Mas quando eles trabalham sobre antigas civilizações como a da Índia, onde existem artes, costumes, literaturas, instituições, em que uma grande raça pôs toda a originalidade do seu gênio – então a política anglo-saxônica repete pouco mais ou menos o atentado sacrílego de quem desmantelasse um templo búdico belo como um sonho de Buda, para lhe dar na sua reconstrução as linhas hediondas do Stock Exchange de Londres; ou ainda de quem se fosse ao mármore divino da Vênus de Milo e tentasse, à força bruta de martelo e cinzel, dar-lhe o feitio, as suíças e a sobrecasaca de Lord Palmerston!
Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra.
Logo no primeiro capítulo Eça já nos diz que : "A História é uma velhota que se repete sem cessar."(p.5)
Afeganistão e Irlanda:
Trata da invasão da Inglaterra ao Afeganistão, e a derrubada de um "velho emir apavorado", colocando em seu lugar um outro mais submisso.
O episódio os remete às invasões da União Soviética (1979) e americana ao Afeganistão (2001).
Estas crónicas, publicadas no Diário de Notícias, no jornal portuense "A Actualidade" e, mais tarde, no brasileiro "Gazeta de Notícias", resultam em parte das viagens que realizou, em particular no Médio Oriente, num périplo de seis semanas pela Palestina, Síria e Egito, onde assistiu à inauguração do Canal de Suez.
Mas encontramos também crônicas sobre o Afeganistão, onde a análise da intervenção inglesa em 1847 poderia ter sido copiada para registar a invasão norte-americana do país, em 2001; e sobre a Irlanda e o seu sistema semifeudal de propriedade, que serviu de explicação para muitos dos seus males até à independência.
Eça de Queiroz nos dá uma visão, por sua ótica presente, de ter acompanhado os fatos durante sua estada no então maior império existente na face da Terra, onde o Sol nunca se punha.
Fala do tempo, das estações do ano, de livros:
Acerca de livros.
"Estamos, com effeito, em plena Book-Seasons, a estação dos livros.Estes dous mezes, setembro e outubro ( e elles merecem-n'0, porque como côr, luz, repouso, sãoos mais sympathícos do anno)
O inverno de Londres:
"Como sabem, Londres só é habitado desde o começo de maio até os primeiros dias quentes de agosto. O resto do anno, Londres é a cahida Palmyra¹ ou a tenebrosa planicie do deserto da Petrêa.²" (p.37)
¹ - Palmyra cidade no deserto da Síria, conquistada por Aureliano de Roma.
²- Cidade na Síria anexada pelo imperador romano Trajano.
O Natal:
"Tudo isso é encantador. Mas tire-se-lhe a neve, e fica estragado. O Natal com uma lua cor de manteiga a bater n´uma terra tepida de primavera, torna-se apenas uma data no calendario." (p.50)
Literatura de Natal:
"Em Inglaterra existe uma verdadeira litteratura para crianças, que tem os seus classicos e innovadores, um movimento e um mercado.".... "Aqui, apenas o bébê começa a soletrar, possue logos os seus livros especiais" (p.56)
Israelismo:
" E assim como hoje exigimos capellas aos Santos Padres, aos que foram os auctores divinos, os nobres creadores do catholicismo, talvez um dia, quando o socialismo fôr religião do Estado, se vejam em nichos de templos, com uma lamparina na frente, as imagens dos Santos Padres da revolução: Proudhon³ de oculos, Bakounine parecendo um urso sob as pelles russas, Karl Marx apoiado ao cajado symbolico do pastor d´almas."
³ - Pierre-Joseph Proudhon - filósofo anarquista do sec. XIX.
Embora tenha falecido antes da revolução comunista de 1917, Eça mostra a sua verve um tanto sarcástica em indicar a santidade de três revolucionários assumidamente ateus.
A Irlanda e a Liga agrária:
"É necessario fallar da Irlanda, fallar da Liga Agraria, fallar de Parnell..."( Charles Stewart Parnell, político e nacionalista irlandês) ... Ha seis mezes que este homem, esta associação, essa ilha inquieta são o cuidado supremo, a preocupação pungente da Inglaterra." (p.77)
E assim vai discorrendo suas impressões sobre a Inglaterra, seu vasto império, seus costumes e suas idiossincrasias.
No capítulo x, ele fala do Brasil e Portugal, sobre um artigo publicado no Times:
"E todavia essa admiração do Times pelo gigante é misturada a um certo patrocinio familiar,de ser superior, - que é a attitude ordinaria da Inglaterra e da imprensa ingleza para com as nações que não têm duzentos couraçados, um Shakespeare, um Bank of England, e a instiuuição do roast-beef." (p.201).
Eça critica os acontecimentos contemporâneos, sejam eles os referentes a Portugal, mas também os estrangeiros, revelando o seu lado de analista político e de ensaísta. "Crônicas de Londres" é uma obra publicada após a morte do autor, em 1944, e que nos trazem de maneira impressionante a essência do Século XIX sob o prisma de um português sediado na Inglaterra, com narrativas espirituosas e ainda muito atuais.
Fontes:
www.fafich.ufmg.br/luarnaut/
wikipedia.org
google.com
jornaleconomico.sapo.pt
lillocat.univ-lille.fr/discovery/ulldisplay
aabbportoalegre.com.br/
Cartas de Inglaterra - Queiroz, Eça - Livraria Lello-1912 - Portugal
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