sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Dando prosseguimento nas postagens dos Clássicos hoje vamos falar de Dom Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes, considerado por alguns críticos como o maior romance de todos os tempos.


Capa da primeira edição


Já no prólogo da obra Miguel de Cervantes nos dá um caminho do que está por vir:

   Prólogo

"Desocupado Leitor: Não preciso de prestar aqui um juramento para que creias que com toda a minha vontade quisera que este livro, como filho do entendimento, fosse o mais formoso, o mais galhardo, e discreto que se pudesse imaginar: porém não esteve na minha mão contravir à ordem da natureza, na qual cada coisa gera outra que lhe seja semelhante; que podia portanto o meu engenho, estéril e mal cultivado, produzir neste mundo, senão a história de um filho magro, seco e enrugado, caprichoso e cheio de pensamentos vários, e nunca imaginados de outra alguma pessoa?  Bem como quem foi gerado em um cárcere onde toda a incomodidade tem seu assento, e onde todo o triste ruído faz a sua habitação! O descanso, o lugar aprazível, a amenidade dos campos, a serenidade dos céus, o murmurar das fontes, e a tranquilidade do espírito entram sempre em grande parte, quando as musas estéreis se mostram fecundas, e oferecem ao mundo partos, que o enchem de admiração e de contentamento. "


Cervantes estava preso quando escreveu o romance. Anteriormente ele tinha fugido da Espanha para Itália depois de um duelo. Lá participa da Batalha de Lepanto, onde é ferido na mão perdendo os movimentos da mão esquerda. Na volta para casa é capturado por corsários que o levam para Argel na Argélia e exigem um grande resgate achando que ele era um homem de posses.

É libertado após 5 anos de cativeiro. Em 1585 publica Galatéa, seu primeiro romance. Na época trabalha como coletor de impostos, sendo arruinado após o fechamento do banco onde tinha suas economias. Foi preso e na cadeia escreveu sua maior obra, Dom Quixote de La Mancha.

O livro possui duas partes; a primeira publicada em 1605 e a segunda 1615.

Na época florescia a era do Trovadorismo, com suas cantigas de Amor, de Amigo e de Maldizer. Era época das Novelas de Cavalaria que relatavam as grandes aventuras e amores dos cavaleiros medievais, história sobre heroísmo do Rei Artur a os cavaleiros da távola redonda, Amadis de Gaula, Palmerin de Olivva, Palmerin de Inglaterra, Demanda do Santo Graal.





Nesse contexto Cervantes escolhe para cavaleiro uma "triste figura" de um homem já velho para àquela época. Dom Quixote tinha 50 anos. Vivia em sua casa com uma ama de 40 anos e uma sobrinha de 20.

Seu tempo era consumido pela leitura de livros de cavalaria, das grandes novelas de cavaleiros, suas aventuras e suas amadas, com gosto especial pelos livros de Feliciano de Silva, como Amadis de Grécia; Don Florisel de Niquea.

De tanto ler compulsivamente e se absorver nessas histórias ele enlouqueceu.

"La razón de la sinrazón quea mi razón se hace de tal manera mi razón enflaquece, que con  razón  me quejo de la vostra formosura"


Com essas razões perdia, o pobre cavaleiro, todo o seu juízo. Assim despojado de todo bom senso resolveu fazer de si mesmo um cavaleiro andante.

A primeira coisa que fez foi limpar umas armas que tinham sido de seus bisavós. Como já podemos imaginar era armas e armaduras muito antigas e desgastadas pelo tempo de modo que Dom Quixote passou a repará-las como pôde.

Com pedaços de papelões e pedaços de ferro remediou suas armas, que dada a seu estado de loucura, estavam perfeitas.

Procurou uma montaria no seu rocin "que tantum pellis et ossa fuit" (era só pele e osso). Passou quatro dias a matutar no nome que daria ao cavalo, uma vez que a montaria de um famoso cavaleiro tinha de ter um nome de pompa. Por fim batizou-o de Rocinante.




Após isso passou mais oito dias para escolher um devido nome para sua importante figura. Por fim escolheu Dom Quixote, e como ainda o achasse não muito garboso acrescentou o nome de sua cidade La Mancha, aos modos de Amadis de Gaula. Assim ficou chamado de Dom Quixote de La Mancha.


É interessante notarmos que Cervantes foi anedótico e satírico ao criar Dom Quixote. Um homem sem posses, velho, com armamentos velhos e quebrados e um pangaré com montaria era o oposto dos nobres cavaleiros das novelas da época.

Faltava agora uma musa, pra que pudesse dedicar suas vitórias e seus feitos heroicos.

Foi o caso, conforme se crê, que, num lugar perto do seu, havia certa moça lavradora de muito bom parecer, de quem ele em tempos andara enamorado, ainda que (segundo se entende) ela nunca o soube, nem de tal desconfiou. Chamava-se Aldonça Lourenço; a esta é que a ele pareceu bem dar o título de senhora dos seus pensamentos; e buscando-lhe nome que não desdissesse muito do que ela tinha, e ao mesmo tempo desse seus ares de princesa e grã-senhora, veio a chamá-la Dulcinéia del Toboso, por ser Toboso a aldeia da sua naturalidade; nome este (em seu entender) músico, peregrino, e significativo, como todos os mais que a si e às suas coisas já havia posto (Capítulo I).


Na visão alucinada de Dom Quixote, Dulcineia, era linda e formosa, no entanto ela era feia, desarrumada e por lidar com porcos, até fedia.

No dia seguinte montado em Rocinante saiu o garboso cavaleiro em buscas de aventuras. Lembrou-se porém que ainda não tinha sido feito cavaleiro.

Depois de cavalgar sob sol forte o dia inteiro entrou numa estalagem com viajantes e duas mulheres de aparência vulgar. No seu delírio achou ser ali um castelo e foi pedir ao estalajadeiro, que para ele era um rei que o tornasse cavaleiro

O estalajadeiro vendo tratar-se de um homem sem o juízo perfeito tentou aproveitar-se dele pedindo dinheiro, ao que Dom Quixote argumentou que um cavaleiro não fazia uso de coisa tão reles.

Para livrar-se logo dele, resolveu atender ao seu pedido e com as duas mulheres de testemunha e batendo a espada em seus ombros, além de proferir algumas palavras inteligíveis o fez cavaleiro aconselhando-o que para ser um cavaleiro de verdade deveria ter um escudeiro e algum dinheiro.



Ao voltar para casa começaram as aventuras do cavaleiro andante. Logo ouviu um gritos no bosque e viu um homem amarrado sendo chicoteado por outro mais forte. Logo D. Quixote intercedeu em favor do homem amarrado, que descobriu depois ser empregado do outro que lhe aplicava o castigo. Mais a frente encontrou mercadores que não prestaram homenagens à Dulcinéia como exigido por D.Quixote. O cavaleiro atacou os mercadores que em maior numero deram-lhe uma surra.



Já em casa a sobrinha e a ama que estavam preocupadas com o sumiço dele sem noticias resolveram dar fim a sua biblioteca, alegando vir de lá a sua loucura. 

Depois de alguns dias em casa ele saiu novamente em busca de um escudeiro encontrando-o em um vizinho simples e sem leitura do lugarejo chamado de Sancho Pança.

Sancho mesmo percebendo a loucura no senhor resolveu segui-lo uma vez que o mesmo prometeu-lhes vantagens e até ser governador de uma ilha.






Partem então, em buscas de aventuras, caçando o feiticeiro Frestão, na sua imaginação responsável pela queima de seus livros.






Luta contra moinhos de vento pensando que são gigantes e quando é empurrado por eles, declara que estavam encantados por Frestão. Passando por dois sacerdotes que carregavam a estátua de uma santa, pensa que está perante dois feiticeiros sequestrando uma princesa e resolve atacá-los. É durante esse episódio que Sancho o batiza de “Cavaleiro da Fraca Figura”.




Em seguida, tenta enfrentar vinte homens que aparecem para roubá-los e ambos acabam sendo espancados. Quando recuperam, encontram dois rebanhos que caminham em direções contrárias e estão prestes a se cruzar. Quixote imagina que são dois exércitos adversários e decide se juntar ao lado mais fraco. Sancho tenta chamar o amo à razão mas ele se recusa a escutar e acaba lutando com os pastores e perdendo até os dentes.

Depois se depara com um grupo de prisioneiros escoltados por guardas, que estavam sendo levados para campos de trabalho forçado. Vendo que estão acorrentados, questiona os homens acerca de seus crimes e todos parecem inofensivos (amor, música e feitiçaria, por exemplo). Decide que é preciso salvá-los e ataca os guardas, livrando os homens de suas correntes. Eles, no entanto, o agridem e assaltam.

Triste, Quixote escreve uma carta de amor para Dulcineia e manda Sancho entregar. No caminho, o escudeiro se depara com o Padre e o Barbeiro que o forçam a revelar o paradeiro do seu amo. O "Cavaleiro da Fraca Figura" é levado para casa mas persiste nas suas fantasias de cavalaria.


Segunda parte


 A segunda parte do romance é publicada em 1615, e aconteceu porque Cervantes se deu conta de uma outra versão com o nome de D.Quixote parte dois tinha sido lançada sem o seu conhecimento ou consentimento.

Na parte dois de seu livro ele critica esse fato para um viajante que disse ter lido esse livro, dizendo que o livro não tinha valor e deveria ser queimado.


Logo regressa à estrada e, ao ver um grupo de atores ambulantes, pensar estar perante demônios e monstros, atacando-os. A cena é interrompida pela chegada de outro homem, o Cavaleiro dos Espelhos, que afirma que a sua amada é a mais bela e que está a disposto a duelar quem disser o contrário.

Para defender a honra de Dulcineia, enfrenta o adversário e vence o combate. Descobre que o Cavaleiro dos Espelhos era, na verdade, Sansão Carrasco, um amigo que estava tentando dissuadi-lo da vida de cavalaria.


Dulcineia Del Toboso


Mais adiante, Quixote e Sancho conhecem um casal misterioso, o Duque e a Duquesa. Eles revelam que conhecem seus feitos através de um livro que circulava na região. Resolvem recebê-lo com todas as honras dignas de um cavaleiro, rindo das suas ilusões. Pregam também uma peça a Sancho Pança, nomeando o escudeiro para o cargo de governador de um povoado.

Depois de muitas andanças, expedientes de alguns amigos tornaram possível entregar ao escudeiro o governo da ilha Barataria (Bras-ilha, para os íntimos). O grande governante não se fez de rogado, assumiu e logo designou como governanta ajudanta a Sra. Sancha Pança. Os baratarianos se divertiam com aquela cara, aquele palavrório, aquela pança, tudo realçado pelo sorriso de marketing televisivo da outra cara, cirurgicamente adaptada. A excepcional administração arrancava constantes elogios do noticiário encomendado e bem remunerado.


Exausto por tentar cumprir todas as obrigações do cargo, Sancho não consegue descansar nem desfrutar a vida, chegando a passar fome por temer o envenenamento. Depois de uma semana, resolve desistir do poder e voltar a ser escudeiro.

Mesmo sendo governador por troça dos habitantes locais Sancho Pança faz mais pela região que as autoridades eleitas. Com poucas letras Sancho usavam ditados populares para governar:

A lei não ajuda aos que dormem / Os ausentes estão sempre errados. Com pouca cabeça se governa o mundo. A necessidade faz o sapo pular / A vida é dura pra quem é mole / Deus ajuda a quem cedo madruga.




Novamente reunidos, abandonam o castelo dos duques e partem a caminho de Barcelona. É aí que surge o Cavaleiro da Lua Branca afirmando a beleza e superioridade da sua amada.

Por amor a Dulcineia, o protagonista duela com o Cavaleiro da Lua, concordando em deixar a cavalaria e voltar para casa se perder. Quixote é vencido diante de uma multidão. O adversário era, mais uma vez, Sansão Carrasco, que montou um plano para salvá-lo de suas fantasias. Humilhado, regressa a casa mas acaba ficando doente e deprimido. No seu leito de morte, recupera a consciência e pede perdão à sobrinha e a Sancho Pança, que continua do seu lado até ao suspiro final.

A História de Dom Quixote de La Mancha é uma história de superação e de persistência. Ele persegue seu sonho de galantaria e de defensor dos mais fracos e oprimidos. Luta contra moinhos de ventos, contra rebanhos de carneiro, contra sombras que surgem nas suas alucinações, tudo em nome de um amor e de conseguir as glórias que estariam à altura desse Amor idealizado.

Sancho Pança , por sua vez é a voz da razão, em princípio tentando fazer o seu senhor tomar consciência de sua loucura. Com o tempo o grau de amizade e de compaixão o faz anuir com as desvarios  de seu mestre.

Em certa medida todos aspiramos à grandes conquistas, sempre nos achamos, pelo menos por alguns momentos, capazes de grandes feitos como um Quixote qualquer. Todos em alguma hora de nossas vidas lutamos contra moinhos de vento.

Abaixo o link da entrevista da Professora Maria Augusta da Costa Vieira da FFLCH da USP, uma especialista na obra de Cervantes: https://www.youtube.com/watch?v=fBBr257F_6o




Fontes:

suapesquisa.com
wikipedia.org
google.com
dominiopublico.gov.
paulus.com.br
culturagenial.com
abim.info.br
youtube.com

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