Hoje vamos falar da História da prostituição em São Paulo.
O sacerdote Manoel da Nóbrega ainda não tinha chegado ao Planalto Paulista quando, em 1549, escreveu uma carta ao rei de Portugal. Pedia que o reino enviasse para o Brasil órfãs, ou mesmo mulheres “que fossem erradas”. Pois “todas achariam maridos, por ser a terra larga e grossa”.
Mas essas mulheres ditas “erradas”, no bom português da época, impregnado de machismo, se tornariam – ao menos parte delas – as primeiras prostitutas desta "terra em se plantando tudo dá". Pelo menos é o que acreditam historiadores. E, assim, aquela que é conhecida como a mais antiga profissão do mundo também pode ser a mais antiga profissão de São Paulo.
“Nóbrega entendia que havia aqui ‘um grande pecado’: os homens brancos tomando as índias por esposas, indistintamente, quantas quisessem”, comenta Rezzutti. “Ao pedido de Nóbrega, então superior dos jesuítas, foram enviadas para o Brasil as ‘erradas’. E as ‘erradíssimas’.”
Os incômodos e primeiros conflitos entre os cidadãos ditos “de bem” e a prostituição já aparecem em atas da Câmara de São Paulo a partir de 1570. Esses documentos apontam que os pontos das “rameiras” da então pequena vila eram nas proximidades das fontes de água. “Mulheres ‘direitas’ não deviam se aproximar desses lugares. Apenas escravos e pessoas que estivessem dispostas a alguma aventura de cunho sexual iam até os chafarizes”, afirma Rezzutti.
Rua das casinhas no século XIX atual Rua Manoel da Nóbrega
No século seguinte, São Paulo seguiria cheia de gente disposta a trabalhar na prostituição. A Câmara, então, passou a punir prostitutas com a expulsão da vila. Um documento de 1641 diz que duas “mulheres prejudicadas” foram mandadas embora de São Paulo. “No relato, a informação é que ‘Mariana Lopes e Joelma Pereira, apesar de casadas, recebiam homens em suas casas sem a presença dos respectivos maridos’”, afirma o historiador. Sim, eufemismos de toda a sorte para descrever o comércio sexual.
“Em São Paulo a prostituição como profissão aparece nas Listas Nominativas, uma espécie de recenseamento do século 18, ordenado pelo Marquês de Pombal. Na época, a denominação ‘casinha’ para designar um local onde se bebia, jogava, divertia e tinha contato com mulheres era comum”, comenta a historiadora.
Relatos de viajantes que vinham da Europa para São Paulo descrevem uma prostituição mais romântica, quase naïf. Isto deixava os forasteiros impressionados. Ao contrário das europeias, as meretrizes paulistanas ficavam com um pé atrás, hesitando abordar seus clientes. Elas aguardavam ser cortejadas. Eram recatadas.
De acordo com descrições do botânico e viajante francês Augustin de Saint-Hilaire, a quantidade delas, entretanto, saltava aos olhos. O francês escreveu que as vias públicas paulistanas “ficavam cobertas por rameiras”, que eram “de todas as cores”. Saint-Hilaire chegou a dizer que – por causa da prostituição – São Paulo era uma rara cidade com mais agitação noturna do que diurna.
Nesta época, começo do século 19, o principal endereço para a prática do meretrício na cidade era a Rua das Casinhas, um ponto hoje chamado de Praça Manoel da Nóbrega – coincidência das coincidências, uma homenagem ao padre que solicitava mulheres ao Reino de Portugal –, entre a Rua 15 de Novembro e o Pátio do Colégio. O que se chamava de casinhas eram seis cômodos colados lado a lado. Durante o dia, funcionavam ali vendas de secos e molhados. À noite, o comércio era outro – com mulheres ditas “avulsas” espalhadas à espera de fregueses. “Os animais de carga e os compradores cedem lugar a verdadeiras nuvens de prostitutas de baixa classe, atraídas pelos camaradas e pelos roceiros, que elas tentam pescar em suas redes”, escreveu Saint-Hilaire.
À esquerda da igreja do Pátio do Colégio, bem no local onde hoje está o prédio da Secretaria da Justiça, ficava o Teatro de Ópera. Como boa parte das atrizes eram meretrizes, a clientela se dividia entre os que preferiam o espetáculo no abrir das cortinas – e os que ansiavam pela festa depois de elas se fecharem.
A inauguração da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1827, trouxe novos ingredientes à picante cena noturna paulistana. O centro passou a ser frequentado por jovens, filhos de endinheirados de todo o país – e morando sem os pais. A mais famosa prostituta a servir os estudantes da São Francisco foi Rita Maria Clementina de Oliveira, conhecida simplesmente como Ritinha Sorocabana. Ela foi amante do estudante Luiz Barbosa da Silva, mais tarde presidente da Província do Rio Grande do Norte, e do poeta Fagundes Varela. Mais velha, acabaria dona de um bordel de luxo na Rua Boa Vista.
Uma das histórias mais curiosas dessa prostituição das antigas não ocorreu no centro da cidade – e está contada no livro Quadro Histórico da Província de São Paulo, publicado em 1864 por J. J. Machado d’Oliveira. De acordo com a obra, o capitão-general de São Paulo Martim Lopes Lobo de Saldanha – governador da capitania entre 1775 e 1782 – saciava seus prazeres mundanos em uma fazenda pertencente a monges beneditinos em São Bernardo do Campo. “Ele tinha um álibi: alegava que ia ao local para supervisionar obras na estrada velha de Santos”, conta Rezzutti. “Mas o que levava o governador até lá eram os bacanais, cheios de meretrizes, promovidos pelos monges.”
Só com o advento do café a prostituição paulistana começou a ganhar o requinte que já era visto na Europa. Afinal, o boom financeiro trazido pela cafeicultura a partir do fim do século 19 iria ajudar no desenvolvimento de todos os setores de São Paulo. “E, para o bem ou para o mal, esse desenvolvimento também influenciou o meretrício”, conta Rezzutti. “O enriquecimento da elite paulistana começou a atrair para a cidade cortesãs e diversas cafetinas. Isso impactou até mesmo no uso de alguns cafés famosos de São Paulo, que recebiam famílias durante o dia mas, a partir do entardecer, se tornavam redutos de prostitutas e seus ávidos clientes.”
O bairro do Bom Retiro em São Paulo foi uma das regiões conhecidas no início do século XX.
Na virada para o século 20, o chamado tráfico de escravas brancas virou debate mundial. O declínio ocorreu nos anos 1940. Judeus haviam sido exterminados pelo nazismo no Leste Europeu e os que sobreviveram eram imigrantes com outro perfil, o de refugiados.
Eram como sempre muito discriminadas a ponto de não poderem frequentar sinagogas e serem enterradas em cemitérios israelitas. Foi então que as prostitutas compraram seu próprio cemitério.
"Tradicionalmente, prostitutas e suicidas são enterrados junto a um dos muros nos cemitérios judaicos, para reforçar o estigma de exclusão. É também fugindo disso que as polacas criam seu próprio cemitério", conta a historiadora Beatriz Kushnir.As polacas de São Paulo criaram sua sociedade de ajuda mútua e compraram seu próprio cemitério, mas agora seus corpos estão enterrados sob lápides que nem sequer trazem seus nomes.
Expressões usadas pelas polacas judias deram origem a palavras hoje muito populares no Brasil. Quando suspeitavam que um cliente tinha doença venérea, diziam ein krenke (doença, em iídiche, espécie de dialeto falado pelos judeus), que acabou se transformando em encrenca. E, quando a polícia dava incertas nos bordéis, elas gritavam sacana (polícia) – que virou sacanagem.
Hoje os pontos de prostituição de São Paulo são nas ruas centro velho, na Praça da Luz, baixo Rua Augusta, em boates, clínicas e casas de luxo nos jardins. Apesar dessas casas estarem espalhadas por toda grande São Paulo.
Fontes:
vice.om/pt
aventurasdahistoria.uol.com.br
saopauloinfodo.com.br
folha.uol.com.br
google.com
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