segunda-feira, 19 de abril de 2021


 




"Perguntou-me um amigo se eu acreditava em milagre. Pelo jeito, ele não acreditava. Respondi-lhe que sim, que em mim mesmo, em muitos aspectos, via um exemplo de milagre."

Nasceu, Manuel Carneiro de Souza Bandeira, filho do Recife, no dia 19 de abril de 1866, na Rua da União, 263 - onde em visita ao Recife não pude deixar de visitar. Hoje é um museu em homenagem ao poeta.



Casa do Bandeira - Rua da União




No poema "Evocação ao Recife", na Rua da União, onde o poeta brincava de chicote queimado e partia as vidraças da casa de Dona Aninha Viegas.

Do livro Libertinagem "Evocação ao Recife"



Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.



A Veneza Brasileira



Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.



Escreveu inúmeros livros e centenas de poemas, como Nas cinzas das horas, citado nessa bela  canção da Adriana Calcanhoto "Vambora"


Adriana Calcanhoto - Vambora



Aos dez anos de idade mudou-se para o Rio de Janeiro onde estudou no Colégio Pedro II entre os anos de 1897 a 1902. Mais tarde, formou-se em Letras.


Em 1903, começa a estudar Arquitetura na Faculdade Politécnica em São Paulo. No entanto, abandona o curso pois sua saúde fica frágil.

Diante disso, procura curar-se da tuberculose em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Suíça, onde permanece durante um ano.

De volta ao Brasil, em 1914, dedica-se a sua verdadeira paixão: a literatura. Durante anos de trabalhos publicados em periódicos, publica seu primeiro livro de poesias intitulado “A Cinza das Horas” (1917).

Nessa obra, merece destaque a poesia “Desencanto” escrita na região serrana do Rio de Janeiro, Teresópolis, em 1912, durante a recuperação de sua saúde:



Desencanto (Cinza das Horas)

Eu faço versos como quem chora
de desalento...de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu versos é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa...remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem chora.

Teresópolis - 1912






Junto ao movimento literário do modernismo, que ele nunca aderiu de todo,  colaborou com publicações em algumas revistas como a klaxon e a Antropofagia.

No segundo dia da Semana de Arte Moderna, seu poema Os Sapos foi lido por Ronald Carvalho.



Os sapos (trecho do poema)

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.




No meu curso de Letras de Literatura Brasileira, Portuguesa e Orientais na USP na década de 70, fiz um curso com o professor Davi Arrigucci Jr. crítico literário sobre a obra de Manuel Bandeira. Já conhecia a obra do poeta antes, mas o curso de um semestre me abriu caminhos para ler a obra do grande poeta, especialmente o livro "Ritmo dissoluto"

A tua boca ingênua e triste
E voluptuosa, que eu saberia fazer
Sorrir em meio dos pesares e chorar em meio das alegrias, 
A tua boca ingênua e triste
É dele quando ele bem quer.

Os teus seios miraculosos, 
Que amamentaram sem perder
O precário frescor da pubescência,
Teus seios, que são como seios intactos das virgens,
São dele quando ele bem quer.

O teu claro ventre,
Onde como no ventre da terra ouço bater
O mistério de novas vidas e dos novos pensamentos, 
Teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha do mar e 
céu ao por do sol

É dele quando ele bem quer.

Só não é dele a tua tristeza
tristeza dos que perderam o gosto de viver.
Dos que a vida traiu impiedosamente.
Tristeza de criança que se deve afagar e acalentar.
(A minha tristeza também!...)
Só não é dele a tua tristeza, ó  minha triste amiga!
Porque ele não quer.

(Estrela da Vida Inteira - pag. 79)



Carlos Drummond de Andrade; Vinícius de Moraes; Manuel Bandeira; Mário Quintana e Paulo Mendes Campos




Faleceu no Rio de Janeiro, aos 82 anos, em 13 de outubro de 1968, vítima de hemorragia gástrica.



Fontes:
todamateria,com.br
ipatrimonio.org./recife
br.pinterest.com
youtube.com
Estrela da Vida Inteira - Bandeira, Manuel - Introdução Gilda e Antônio Candido - 6ª edição - 1976
Poesia completa e prosa - Bandeira, Manuel - Ed. Nova Aguillar- 1977
Manuel Bandeira de corpo inteiro ´Editora José Olympio- Stefan Baciu - 1966
Agradecimento ao amigo João Pires Barbosa, dileto amigo e incentivador das artes.

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