quarta-feira, 6 de maio de 2020




"É ele, finalmente, este para quem apenas olham José de Arimateia e Maria Madalena, este que faz chorar o sol e a lua, este que ainda agora louvou o Bom Ladrão e desprezou o Mau, por não compreender que não há nenhuma diferença entre um e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro."


"Deus, que está em toda a parte, estava ali, mas, sendo aquilo que é, um puro espírito, não podia ver como a pele de um tocava a pele do outro, como a carne dele penetrou a carne dela, criadas uma e outra para isso mesmo, e, provavelmente, já nem lá se encontraria quando a semente sagrada de José se derramou no sagrado interior de Maria, sagrados ambos por serem a fonte e a taça da vida, em verdade há coisas que o próprio Deus não entende, embora as tivesse criado."


"Nessa noite, na intimidade da tenda em que dormia com Maria de Magdala, Jesus disse, Eu sou o pastor que, com o mesmo cajado, leva ao sacrifício os inocentes e os culpados, os salvos e os perdidos, os nascidos e os por nascer, quem me libertará deste remorso, a mim que me vejo, hoje, como meu pai naquele tempo, mas ele é por vinte vidas que responde, e eu por vinte milhões. Maria de Magdala chorou com Jesus e disse-lhe, Tu não o quiseste, Pior é isso, respondeu ele, e ela, como se desde o princípio conhecesse, por inteiro, o que, aos poucos, temos vindo nós a ver e a ouvir, Deus é quem traça os caminhos e manda os que por eles hão-de seguir, a ti escolheu-te para que abrisses, em seu
serviço, uma estrada entre as estradas, mas tu por ela não andarás, e não construirás um templo, outros o construirão sobre o teu sangue e as tuas entranhas, portanto melhor seria que aceitasses com resignação o destino que Deus já ordenou e escreveu para ti, pois todos os teus gestos estão previstos, as palavras que hás-de dizer esperam-te nos sítios aonde terás de ir, aí estarão os coxos a quem darás pernas, os cegos a quem darás vista, os surdos a quem darás ouvidos, os mudos a quem darás voz, os mortos a quem poderias dar vida, Não tenho poder contra a morte, Nunca o experimentaste, Já, sim, mas a figueira não ressuscitou, O tempo, agora, é outro, tu estás obrigado a querer o que Deus quer, mas Deus não pode negar-te o que tu queiras, Que me liberte desta carga, não quero mais, Queres o impossível, meu Jesus, a única coisa que Deus
verdadeiramente não pode, é não querer-se a si mesmo, Como o sabes tu, As mulheres têm uns outros modos de pensar, talvez seja por o nosso corpo ser diferente, deve ser isso, sim, deve ser isso."





Acima temos  trechos do livro do escritor português Jose Saramago. Em 1998, Saramago ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Sua obra mais polêmica é O evangelho segundo Jesus Cristo (1991), que gerou muitas críticas ao autor na época de sua publicação. Mas a obra mais conhecida é Ensaio sobre a cegueira (1995), devido à sua bem-sucedida adaptação para o cinema.


José Saramago - Portal da Literatura



As obras literárias de José Saramago são realistas, apresentam temática social, crítica política e religiosa, elementos do realismo fantástico e a defesa do protagonismo humano como solução para os problemas sociais. A principal característica do escritor é a intertextualidade, principalmente em relação a autores portugueses clássicos, como Camões. O autor, que morreu em 8 de junho de 2010, sabia da importância de sua obra, pois, como disse em uma entrevista: “Utilizo o romance como veículo para a reflexão”.



José Saramago | Frases inspiracionais, Citações aleatórias e Citações

Saramago era ateu, então era de se esperar que ele criticaria as ideias da igreja. Durante todo o texto, você percebe que ele estudou as escrituras a fundo e resolveu criar uma nova versão, que em vários momentos para mim fez muito mais sentido.

O autor vai questionar a todo momento a ideia do Deus castigador, que está sempre observando, esperando um deslize para punir o pecador, um Deus que tem sede de controle e de poder, o que me fez gostar bastante da história, uma vez que eu mesma já questionei o fato de muitas religiões pregarem um Deus carrasco.

Além de questionar a imagem de Deus, Saramago cria um novo Jesus Cristo, um homem de carne e osso, que diferentemente do descrito na Bíblia, falha, tem medo, se entrega aos prazeres da carne e é muito mais a imagem e semelhança de um homem. E acho que essa humanização não o desacredita, mas o mostra muito mais forte e real.

Um dos pontos em que o filho de Deus é mostrado como um homem é quando ele se encontra com Maria Magdala, que pra mim é uma das personagens mais encantadoras de toda a história. O amor e a devoção que ela entrega a ele é admirável, em momento nenhum a relação carnal deles atrapalha na missão que ele tem que cumprir, pelo contrário, Magdala está sempre ao lado dele, apoiando e acreditando, ela é uma das seguidoras mais fiéis do Messias.

Dois tabus abordados são a virgindade mariana e, especialmente, a relação de Jesus com Maria de Magdala (ou Madalena). Algum tempo depois de abandonar a casa da família, ainda adolescente, é com a prostituta que ele passa a morar. E a conviver em todos os sentidos.


José Saramago na sua casa em Lanzarote, Canárias, Espanha.
Casa em Lanzarotti - Ilhas Canárias - Espanha


Saramago foi perseguido e obrigado a mudar de Lisboa Portugal para Lanzaroti na Espanha.


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Por fim, a crítica final fica por conta da comparação entre Deus e o Diabo, que em vários aspectos são muito semelhantes. Saramago coloca o dedo na ferida e diz que os dois têm muito em comum. Então o autor fecha o livro mostrando que as duas forças caminham lado a lado.



Fontes:
portugues.com.br
literalmenteuai.com.br
farofilosofida.com
lelvrosloe/book
google.com
retienciajornalistica.com
dn.pt/1864

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