domingo, 19 de abril de 2020

Hoje comemora-se o nascimento de um dos maiores poetas brasileiros, Manuel Bandeira.


Cinco poemas de Manuel Bandeira - Português




Manuel Bandeira (Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho), professor, poeta, cronista, crítico e historiador literário, nasceu no Recife, PE, em 19 de abril de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de outubro de 1968.


Nascimento de Manuel Bandeira


Filho do engenheiro civil Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de Francelina Ribeiro de Sousa Bandeira. Transferiu-se aos dez anos para o Rio de Janeiro, onde cursou o secundário no Externato do Ginásio Nacional, hoje Colégio Pedro II, de 1897 a 1902, bacharelando-se em letras. Em 1903 matriculou-se na Escola Politécnica de São Paulo para fazer o curso de engenheiro-arquiteto. No ano seguinte abandonou os estudos por motivo de doença e fez estações de cura em Campanha, MG, Teresópolis e Petrópolis, RJ, e por fim Clavadel, Suíça, onde se demorou de junho de 1913 a outubro de 1914. Ali teve como companheiro de sanatório o poeta Paul Éluard. Sua vida poderia ter sido breve, face à tuberculose, mas viveu até os 82 anos, construindo uma das maiores obras poéticas da moderna literatura brasileira.

De volta ao Brasil, Manuel Bandeira iniciou a sua produção literária em periódicos. Em 1917, publicou A cinza das horas, onde reuniu poemas compostos durante a doença.

Livro: CINZA DAS HORAS, A | Livraria Cultura - Livraria Cultura


Primeiro livro de Manuel Bandeira, A Cinza das Horas, é marcado pelo tom fúnebre, e traz poemas parnasiano-simbolistas. São poesias compostas durante o período de sua doença. Do ano em que o poeta adoece até 1917, quando publica A Cinza das Horas, é que se daria a etapa decisiva e a inusitada gestação de um dos maiores escritores da língua portuguesa.





EPÍGRAFE

Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugia e como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só! - meu coração ardeu:

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Teresópolis, 1912.




Livro Cinza das Horas








Em 1919 publicou o segundo livro de poemas, Carnaval. Enquanto o anterior evidenciava as raízes tradicionais de sua cultura e, formalmente, sugeria uma busca da simplicidade, esse segundo livro caracterizava-se por uma deliberada liberdade de composição rítmica. Ao lado de “sonetos que não passam de pastiches parnasianos”, segundo o próprio Bandeira, nele figura o famoso poema “Os sapos”, sátira ao Parnasianismo, que veio a ser declamado, três anos depois, durante a Semana de Arte Moderna, por Ronald de Carvalho. Antecipador de um novo espírito na poesia brasileira, Bandeira foi cognominado, por Mário de Andrade, de “São João Batista do Modernismo”.



O poema Os sapos é um clássico do escritor brasileiro Manuel Bandeira criado em 1918 e publicado em 1919 no livro Carnaval.




Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

Por intermédio do amigo Ribeiro Couto, Manuel Bandeira conheceu os escritores paulistas que, em 1922, lançaram o movimento modernista. Não participou diretamente da Semana, mas colaborou na revista Klaxon e também na Revista de Antropofagia, Lanterna Verde, Terra Roxa e A Revista.

De Vinícius de Moraes a Manuel Bandeira - GGN
Manuel Bandeira, Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius

Poemas da primeira geração modernista - Brasil Escola
Bandeira, Mário e Oswald de Andrade


Como crítico de arte, Manuel Bandeira revelou particular afeição pelas velhas igrejas coloniais da Bahia e de Minas Gerais, pela arte arquitetônica dos conventos e dos velhos casarões portugueses da Bahia e do Rio de Janeiro, e pelas formas singelas das mais humildes igrejas do interior.

Escreveu, Guia de Ouro Preto, uma abordagem em forma de guia de Vila Rica (Ouro Preto), com uma descrição minuciosa da localidade. 

Guia de Ouro Preto - Manuel Bandeira - Traça Livraria e Sebo

Como crítico de literatura e historiador literário, revelou-se sempre um humanista. Consagrou-se pelo estudo sobre as Cartas chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, pelo esboço biográfico Gonçalves Dias, além de ter organizado várias antologias de poetas brasileiros e publicado o estudo Apresentação da poesia brasileira (1946).

Itinerário De Pasárgada - Manuel Bandeira - Traça Livraria e Sebo
Tenho essa edição de Itinerário de Pasárgada


Em 1954, publicou o livro de memórias Itinerário de Pasárgada, onde, além de suas memórias, expõe todo o seu conhecimento sobre formas e técnicas de poesia, o processo da sua aprendizagem literária e as sutilezas da criação poética. Sua obra foi reunida nos dois volumes Poesia e prosa, José Aguilar, em 1958, contendo numerosos estudos críticos e biográficos.


Vou me embora pra Pasárgada



Terceiro ocupante da cadeira 24, foi eleito em 29 de agosto de 1940, na sucessão de Luís Guimarães, e recebido pelo acadêmico Ribeiro Couto em 30 de novembro de 1940. Recebeu os acadêmicos Peregrino Júnior e Afonso Arinos de Melo Franco.

Tive contato mais estreito com a obra de Manuel Bandeira no ano de 1977, no curso ministrado pelo Professor Doutor Davi Arrigucci Jr, que durante um semestre nos apresentou a obra do grande poeta.



“Boi morto” abre Opus 10, o penúltimo livro de poesias de Manuel Bandeira, publicado em 1952. O título do livro, aliás, evidencia o que Antonio Cândido e Gilda de Melo e Souza , que fizeram a introdução do livro "Estrela da vida inteira" chamaram de certa “mania musical” que percorre a produção de Bandeira (vários de seus poemas remetem diretamente, no título, a formas musicais: acalanto, canção, balada, cantiga, madrigal, rondó, noturno etc.2 ) e que é bastante recorrente nos textos reunidos no livro (aos quais, em carta a João Cabral, Bandeira se refere como “uns poemas, quase todos de circunstância, escritos depois da última edição das Completas” 3 ), especialmente em “Boi morto”.

José Lins do Rego,  Carlos Drumond de Andrade, Cândido Portinari, José Olympio e Manuel Bandeira

Boi morto

 Como em turvas águas de enchente, 

 Me sinto a meio submergido 

 Entre destroços do presente

 Dividido, subdividido,

 Onde rola, enorme, o boi morto,  

Boi morto, boi morto, boi morto. 

 Árvores da paisagem calma,

 Convosco – altas tão marginais! 

 Fica a alma, a atônita alma, 

 Atônita para jamais. 

 Que o corpo, esse vai com o boi morto, 

 Boi morto, boi morto, boi morto. 

 Boi morto, boi descomedido, 

Boi espantosamente, boi 

 Morto, sem forma ou sentido 

 Ou significado. O que foi 

 Ninguém sabe. Agora é boi morto, 

 Boi morto, boi morto, boi morto.

Realmente a sonoridade do poema é muito nítida, e nos faz pensar que tenha só  faltado a melodia.

Em livro "Ritmo dissoluto de 1924 , onde se destaca uma das poesias mais bonitas de Manuel Bandeira, na minha opinião, Carinho Triste.
O poeta comenta o poema "Carinho triste": -- "O poema é de 1912 e a forma me foi sugerida por uns poemas de Guy Charles Cros, que li no Mercure de France, e outros do poeta inglês Mac Fiona Leod. Não o incluí na "Cinza das Horas" por... discrição". 
    
Carinho triste


A tua boca ingênua e triste
E voluptuosa, que eu saberia fazer
Sorrir em meio dos pesares e chorar em meio das alegria,
É dele quando ele bem quer.

Os teus seios miraculosos,
Que amamentaram ser perder
O precário frescor da pubescência,
Teus seios, que são como os seios intactos das virgens,
São deles quando ele bem quer.

O teu claro ventre,
Onde como no ventre da terra ouço bater
O mistério de novas vidas e novos pensamentos,
Teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha do mar e céu
ao por do sol

É dele quando ele bem quer

Só não é dele a tua tristeza
Tristeza dos que perderam o gosto de viver
Dos que a vida traiu impiedosamente
Tristeza da criança que se deve afagar e acalentar
(A minha tristeza também!...)
Só não é dele a tua tristeza, ó minha grande amiga
Porque ele não quer.

Bandeira também era afeito a incluir advérbios como "profundamente, impiedosamente..." dando um sentido de importância e cadência ao verso quando os  pronunciamos .

Profundamente

Manuel Bandeira


Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.


O poema, incluso  no livro "Estrela da vida inteira" mostra através de um simples vocabulário,  temas tão profundos, de forma criativa, simples (utiliza-se de fatos do cotidiano das pessoas daquela época na noite de São João) e saudosista; típicas características desse autor pernambucano que não só marcou a literatura local, como a do Brasil como um todo.

Assim, de repente posso confessar certo fraco pôr "Profundamente", "Noite Morta", "Evocação do Recife", "Poema tirado de uma noticia de jornal", "Poema de finados", "O último poema", "Cantiga", "Momento num café", "Maçã", "Canção da Parada do Lucas", "Canção do vento e da minha vida", "Canção de muitas Marias", "última canção do beco", "Piscina", "Eu vi uma rosa", "Brisa", "Temas e Voltas", o segundo "Belo Belo", disse o poeta.


O último poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.




Fontes:
passeiweb.com
academia.org.br
google.com
recantodasletras.com.br
abralic.org.br
Estrela da vida inteira - José Olympio - 1976 (Gilda e Antonio Cândido.
poesiaretratodaalma.blogspot.com
culturagenial.com
youtube.com
elfikurten.com.br


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