Vamos falar da obra de Italo Svevo, pseudônimo de Aron Hector Schimitz, nascido em Trieste Itália em 19 de dezembro de 1861. Morreu em 13 de setembro de 1918 em Motta de Livenza - Itália.
Já no prefácio do livro, escrito pelo psicanalista de Zeno, nos mostra a personalidade titubeante do personagem, que tem dificuldades em terminar as coisas que começa e em tomar decisões importantes.
Prefácio"Sou o médico de quem às vezes se fala neste romance com palavras pouco lisonjeiras. Quem entende de psicanálise sabe como interpretar a antipatia que o paciente me dedica. Não me ocuparei de psicanálise porque já se fala dela o suficiente neste livro. Devo escusar-me por haver induzido meu paciente a escrever sua autobiografia; os estudiosos de psicanálise torcerão o nariz a tamanha novidade. Mas ele era velho, e eu supunha que com tal evocação o seu passado reflorisse e que a autobiografia se mostrasse um bom prelúdio ao tratamento. Até hoje a ideia me parece boa, pois forneceu-me resultados inesperados, os quais teriam sido ainda melhores se o paciente, no momento crítico, não se tivesse subtraído à cura, furtando-me assim os frutos da longa e paciente análise destas memórias. Publico-as por vingança e espero que o autor se aborreça. Seja dito, porém, que estou pronto a dividir com ele os direitos autorais desta publicação, desde que ele reinicie o tratamento. Parecia tão curioso de si mesmo! Se soubesse quantas surpresas poderiam resultar do comentário de todas as verdades e mentiras que ele aqui acumulou!... "DOUTOR S
O título já indica o tratamento irônico da narrativa confessional de Zeno Cosini, levada a termo por sugestão do analista, o doutor S. Ao assinar o prefácio, este se considera coautor do livro, por ter encaminhado os originais para publicação, sem o conhecimento do autor e como vingança pela interrupção da terapia do analisando. A consciência refere-se à determinação da personagem em se apresentar como curado diante do doutor S., por estar gozando de uma "saúde sólida, perfeita", e não mais se comportar como doente imaginário.
A natureza da doença de que sofre Cosini é da ordem do imaginário, constituindo-se seja pelo vício do fumo, seja por inquietações próprias a todo ser humano: o medo de envelhecer e de morrer, o tédio de viver e o adultério, como entrega às pulsões e relações perigosas. Segundo Cosini, o comércio foi a causa de sua cura. Entregar-se ao comércio -no seu sentido literal e metafórico- foi a saída para os problemas existenciais, ao se convencer de que na compra indiscriminada de qualquer mercadoria reside o sistema de trocas e de substituições dos valores. Alcança-se a saúde e o lucro nas transações comerciais- graças ao mecanismo de sublimação efetuado no interior das relações humanas: o que se perde é logo superado por outro objeto de desejo. Convencida de ter criado durante a vida um pacto comercial com os outros, de ter vivido o desejo alheio, a personagem aceita ainda fazer e entregar o diário ao doutor S., o que confirma a promoção do desejo do analista.
O livro foi escrito após a Primeira Guerra Mundial, início do século XX. Italo Svevo nasceu no final do século XIX, e as ideias de Sigmund Freud sobre a psicanalise inovavam na Europa como uma nova abordagem do ser humano.
Esta obra considerada como uma das precursoras do romance moderno e também “o primeiro romance psicanalítico”, pois faz uma aproximação entre aspectos da literatura a partir do século XX e transfere a atenção da análise psicológica da tradição realista às lições de Freud. A História de Zeno Cosini não é o resultado final de acontecimentos exteriores, mas a análise que o personagem faz de si mesmo embora as incursões sempre deem margem à ironia, uma vez que a obra é uma grande crítica à psicanálise e suas pretensões.
Zeno acaba por se desentender com seu psicanalista, que publica como vingança! – numa atitude antiética e antiprofissional, sua autobiografia. As situações mostram a total falta de controle do personagem, não sobre um mundo com o qual se desentende, mas sobre o rumo de sua própria vida.
O FUMO
"O médico com quem falei a esse respeito disse-me que iniciasse meu trabalho com uma análise histórica da minha propensão ao fumo. — Escreva! Escreva! O que acontecerá, então, é que você vai se ver por inteiro. Acredito, inclusive, que a respeito do fumo posso escrever aqui mesmo, à minha mesa, sem necessidade de ir sonhar ali naquela poltrona. Não sei como começar e invoco a assistência de todos os cigarros, todos iguais àquele que tenho na mão."
Outro personagem curioso é Guido Speier, um violinista ridículo, seu concunhado, sócio e rival, tendo desposando Ada, mulher que ele almejava se casar e igualmente inepto para a vida, caindo em falência e morrendo após fingir seu próprio suicídio. Na conclusão do romance, parece que apenas a ruína trazida pela I Guerra Mundial apraz Zeno e lhe traz sinais de redenção. Vemos Zeno, nas últimas páginas do livro, como um pai feliz e extremamente viciado em cigarros.
No final, o leitor poderá observar que o narrador responde ao enigma da vida dizendo que o Freudismo é tão inútil para responder ao enigma da vida quanto qualquer outra filosofia ou guia. Zeno perdoa seu psicanalista dizendo:
“A vida assemelha-se um pouco à enfermidade, à medida que procede por crises e deslizes e tem seus altos e baixos cotidianos. À diferença das outras moléstias, a vida é sempre mortal. Não admite tratamento. Seria como querer tapar os orifícios que temos no corpo, imaginando que sejam feridas. No fim da cura estaremos sufocados”.
A morte do pai
Não poderíamos dizer que a relação entre Zeno e o pai fosse afetuosa. O pai simplesmente não via nele habilidade alguma, tanto que nomeou um tutor para cuidar da herança da família.
"— Estou morrendo!E ergueu-se da cama. Por minha vez, surpreendido com o grito, relaxei a pressão dos dedos, o que lhe permitiu sentar-se à beira da cama, bem à minha frente. Creio que então sua ira aumentou ao ver-se — ainda que apenas por um instante — constrangido em seus movimentos; decerto pareceu-lhe que eu não só lhe tolhia o ar de que tanto precisava como também lhe roubava a luz, interpondo-me entre ele e a janela. Com um esforço supremo conseguiu ficar de pé, ergueu a mão o mais alto que pôde, como se soubesse que não conseguiria comunicar-lhe outra força senão a de seu próprio peso, e deixou-a cair contra a minha face. Depois tombou sobre o leito e dele para o chão. Estava morto! "
Para Zeno o último ato de seu pai para com ele foi um tapa na cara.
A narrativa autobiográfica desconstrói o limite rígido entre ciência e ficção, ao apontar a potencialidade enganosa e fugidia do ato de linguagem, praticada tanto pela literatura quanto pela psicanálise. Joyce encarnaria, no texto de Manonni, o alerta para a presença da alteridade como constituinte do sujeito-autor, assim como o teor plagiário da escrita que se impõe como escrita do outro. A autenticidade autoral do livro de Svevo já é desmitificada no prefácio de doutor S., que se coloca como responsável pela edição do romance.
Para finalizar, qualifico “A Consciência de Zeno” como uma obra prima atemporal que se recusa a aceitar os clichês, as abstrações, as explicações pseudocientíficas sobre o significado da vida ou a instrução de especialistas sobre como vivê-la. Italo Svevo, longe de ficar triste ou mal-humorado sobre a situação, ri da nossa desesperança e nós rimos com ele.
Fontes:
wikipedia.org
google.com
bonslivrosparaler.com.br
folha.uol.com.br
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