quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Hoje vamos falar de um dos períodos mais negros da História da Humanidade, caracterizado na Idade Média como o da caça às bruxas, e sobre o manual criado por dois padres dominicanos Heinrich Kraemer (também conhecido por Heinrich Institoris) e James Sprenger, na Alemanha, em cumprimento à bula papal Summis Desiderantiws Affectibus de Inocêncio VIII - sobre um manual de combate aos praticantes de heresias - e que tornou-se o guia dos inquisidores pelo restante do século XV e seguintes; embora no período existam outros manuais, este é dos mais "cruéis", ensinando sobre o ódio, tortura e, morte, seu nome : Malleus Maleficarum, o Martelo das Bruxas, publicado em 1486 ou 1487.





Para compreendermos a importância do Malleus é preciso termos uma visão ao menos mínima da história da mulher no interior da história humana em geral. Segundo a maioria dos antropólogos, o ser humano habita este planeta há mais de dois milhões de anos. Mais de três quartos deste tempo a nossa espécie passou nas culturas de coleta e caça aos pequenos animais. Nessas sociedades não havia necessidade de força fisica para a sobrevivência, e nelas as mulheres possuíam um lugar central. Em nosso tempo ainda existem remanescentes dessas culturas, tais como os grupos mahoris (Indonésia), pigmeus e bosquímanos (África Central). Estes são os grupos mais primitivos que existem e ainda sobrevivem da coleta dos frutos da terra e da pequena caça ou pesca. Nesses grupos, a mulher ainda é considerada um ser sagrado, porque pode dar a vida e, portanto, ajudar a fertilidade da terra e dos animais. Nesses grupos, o principio masculino e o feminino governam o mundo juntos. Havia divisão de trabalho entre os sexos, mas não havia desigualdade. A vida corria mansa e paradisíaca. Nas sociedades de caça aos grandes animais, que sucedem a essas mais primitivas, em que a força física é essencial, é que se inicia a supremacia masculina. Mas nem nas sociedades de coleta nem nas de caça se conhecia função masculina na procriação. Também nas sociedades desde caça a mulher era considerada um ser sagrado, que possuía o privilégio dado pelos deuses de reproduzir a espécie. Os homens se sentiam marginalizados nesse processo e invejavam as mulheres. Essa primitiva "invejado útero" dos homens é a antepassada da moderna "invejado pênis" que sentem as mulheres nas culturas patriarcais mais recentes. 




Os homens iam caçar para trazerem o sustento, enquanto as mulheres se ocupavam das tarefas da casa e cuidar das crianças. Além disso as mulheres adquiriram o poder de conhecer as ervas e seus efeitos terapêuticos. Suas misturas e seus remédios curavam, o que para Igreja era um grande sortilégio, pois o ensinamento era que só Deus tinha o poder da cura, portanto achavam que o poder das mulheres era algo bizarro e vinha do Demônio.




Assim essas pobres infelizes eram condenadas às torturas para que confessassem seus crimes e depois à fogueira.


"Porquanto Nos, como é Nosso dever, Nos sentimos profundamente desejosos de eliminar todos os impedimentos e obstáculos que puderem retardar e dificultar a boa obra dos Inquisidores, assim como de aplicar potentes remédios para impedir que a doença da heresia e outras poções infames e venenosas levem a destruição de muitas almas inocentes. E como Nosso apego pela Fé nos incita a isso em especial, e para que estas províncias, municípios, dioceses, distritos e da Alemanha, que já especificamos, não se vejam privados dos benefícios do Santo Oficio a eles atribuídos, pelo temor destes presentes, e em virtude de Nossa autoridade Apostólica, decretamos e mandamos que os mencionados Inquisidores tenham poder para proceder à correção, encarceramento e castigo justos de qualquer pessoa, sem impedimento nem obstáculos algum, de todas as maneiras, como se as províncias, municípios, dioceses, distritos, territórios, e inclusive as pessoas e seus delitos, tivessem sido especificamente nomeados e particularmente designados em Nossas cartas."

A bula papal era bastante clara nos poderes que conferia aos dois padres dominicanos, Heinrich Kraemer e James Sprenger . Eles tinham toda a autoridade de investigar, invadir casas, torturar e usar de quaisquer artifícios para realizar a sua missão de caçar bruxas.

O livro era escrito na forma de perguntas e respostas, feitas pelos mesmos personagens que tentava dar um caráter verdadeiro a todas perturbações e sandices  nele contido.


"E da maldade das mulheres fala-se em Eclesiastes XXV: “Não há cabeça superior à de uma serpente, e não há ira superior à de uma mulher. Prefiro viver com um leão e um dragão, que com uma mulher malévola”. E entre muitas outras coisas que nesse ponto precedem e seguem ao tema da mulher maligna, concluímos: Todas as malignidades são pouca coisa em comparação com a de uma mulher. Pelo qual São João Crisóstomo diz em texto: “Não convém se casar”. São Mateus, XIX: Que outra coisa é uma mulher, senão um inimigo da amizade, um castigo inevitável, um mal necessário, uma tentação natural, uma calamidade desejável, um perigo doméstico, um deleitável detrimento, um mal da natureza pintado com alegres cores! Portanto, se é um pecado divorciar-se dela quando deveria mantê-la, é na verdade uma tortura necessária. Pois ou bem cometemos adultério ao nos divorciar, ou devemos suportar uma luta quotidiana. "

É um livro onde a misoginia impera, e vai de encontro de como a condição feminina sempre foi tratada pelas religiões. monoteístas, tendo a mulher como inferior, capaz de cometer traições, enganar com seus encantos e sua luxúria. Assim aconteceu com Eva em enganar Adão, Dalila com Sansão, Betsabá e Urias.


O sexismo pode ter sido o ímpeto que alimentou os julgamentos das bruxas entre os séculos XV e XVIII. No início da Europa moderna e nas colônias europeias da América do Norte, foram feitas afirmações que bruxas eram uma ameaça ao Cristianismo. A misoginia daquele período desempenhou um papel na perseguição dessas mulheres.



A criação da prensa por Gutemberg é comumente vista como um instrumento de elucidação das massas. Uma visão idílica. Veja o caso do clérigo católico Heinrich Kramer. Em 1487, ele lançaria Malleus Maleficarum. Um livro que deveu seu sucesso ao revolucionário método de reproduzir e, por dois séculos, foi o segundo mais vendido da Europa após a própria Bíblia.



O Malleus, diz Diarmaid MacCulloch no livro Reformation: Europe’s House Divided, foi escrito como uma forma de vingança e auto justificação por Kramer ter sido impedido de levar adiante um dos primeiros processos contra bruxas na região do Tirol. Kramer foi expulso da cidade de Innsbruck e, após apelar ao papa Inocêncio VIII, este lhe atendeu com uma bula em 1484, a Summis Desiderantes Affectibus, que lhe garantia jurisdição para atuar na Alemanha.

Que tipo de mulher é supersticiosa e bruxa mais que qualquer outra?


"E quanto a nossa segunda investigação, quais classes de mulheres são mais supersticiosas que outras e estão infectadas pela bruxaria, deve se dizer, como se mostrou no estudo precedente, que três vícios gerais parecem ter um especial domínio sobre as mulheres más, a saber: a infidelidade, a ambição e a luxuria. Portanto, inclina-se mais que outras à bruxaria, aquelas que mais se entregam a estes vícios. Além do que, dos três vícios, o último é o predominante, sendo as mulheres insaciáveis, etc. Daí que entre as mulheres ambiciosas, resultam mais profundamente infectadas aquelas com temperamento ardoroso para satisfazer seus repugnantes apetites; e essas são as adúlteras, as fornicadoras e as concubinas do Grande. Agora bem, como se diz na Bula papal, existem sete métodos por meio dos quais infectam de bruxaria o ato venéreo e a concepção do útero: Primeiro, levando a mente dos homens a uma paixão desenfreada. Segundo, obstruindo sua força de gestação. Terceiro, eliminando os membros destinados a esse ato."



 

As confissões eram feitas invariavelmente sob torturas, mediantes acusações de terceiros que podiam acusar simplesmente por ter alguma desavença com o acusado, ou almejar seus bens, seus pertences.


"E notar que, se confessar sobre tortura, deverá ser então levada para outro local e interrogada novamente, para que não confesse tão somente sob pressão da tortura. Se após a devida sessão de tortura a acusada se recusar a confessar a verdade, caberá ao Juiz colocar diante dela outros aparelhos de tortura e dizer-lhe que terá de suporta-los se não confessar. Se então não for induzida pelo terror a confessor, a tortura deverá prosseguir no segundo ou no terceiro dia, mas não naquele mesmo momento, salvo boas indicações de seu provável êxito (KRAMER; SPRENGER, 1993, p. 433)."





Caso se confirmasse a suspeita, que a essa altura já era certeza, procedia-se aos castigos, que assumiam as mais variadas formas penais, a prisão temporária ou perpétua, trabalhos forçados nas galeras e a excomunhão. Em todos os casos a flagelação e o confisco dos bens (se houvesse) acompanhavam o condenado. Em último caso, quando não havia mais formas de reconciliação o condenado era entregue às autoridades seculares para que fosse queimado. Em Portugal, o Regimento de 1640 estabelecia dois meios de tortura: o potro e a polé, na Espanha tinha-se a garucha e as galés. As repetições de tortura eram consideradas consequências da primeira. A pena de morte era aplicada aos réus que não confessavam a culpa, os que fugiam eram queimados em “efígie”, substituídos por bonecos de pano, tendo os bens confiscados e seus descendentes considerados infames. O próximo passo eram as execuções que ocorriam quase que ininterruptamente. Aconteciam geralmente em dias de festa precedida, pelos autos-de-fé, se celebrava uma missa e se fazia a leitura da sentença. Os autos-de-fé ocorriam várias vezes por ano executando dezenas de condenados de uma só vez. As execuções deveriam ser feitas em público, pois ao mesmo tempo eram um prestar de contas por parte da Igreja e um alerta para as outras pessoas não se envolvessem mesmos crimes. A importante inovação no Malleus Maleficarum, produto da elaboração de uma elite religiosa, foi associar o traço popular e sua cultura à prática da heresia. Ao localizar como elementos definidores da prática de heresia na vida cotidiana da comunidade e seus valores, dentro da vivência dos costumes considerados rudes da plebe, marcados pela permanência de tradições pagãs, objetivava-se reformar e adequar, forçosamente, o povo e seus costumes a adesão de um projeto de uma unidade social coesa, cultural e religiosamente. Convencidos de que a sociedade cristã é alvo de uma ofensiva sem precedentes lançadas por Satã, os poderes eclesiásticos e estatais desencadeiam, a partir do século XV, uma vasta perseguição, em escala inédita, contra os que consideram seus inimigos mortais. Satã aparece como Adversário contra o qual se funda o poder das instituições, antes de todas o da Igreja, principalmente na luta contra as heresias, e também o dos Estados, engajados na caça às feiticeiras (BASCHET, 2002, p. 329). Malefícios, encantamentos, feitiços, e ofensas constituíam-se numa gama de ameaças concretas que inquietavam a sociedade, e que, mais do que isto, davam coesão e sentido aos valores de sua época. Era necessário proteger o grupo, achar os culpados para aqueles acontecimentos e que tramavam contra a coletividade, segundo os ensinamentos da Igreja, o demônio e seus agentes (bruxos, bruxas e hereges). Era uma utopia que a Cristandade construía para superar suas deficiências, mas era também uma utopia que contribuía para a construção da Cristandade à medida que sonhar em grupo ajuda a estabelecer a identidade coletiva desse grupo. A realidade criava a utopia. A utopia recriava a realidade (FRANCO JUNIOR, 2010, p. 102). Ao refletirem sobre questões de ordem religiosa, social, moral, e até mesmo científicas, os teólogos reuniram todo o arcabouço teórico e empírico de que dispunham para explicar a realidade em transformação do qual eram testemunhas. Construíram um discurso bem argumentado, às vezes contraditório, mas que sem dúvida apresentavam formulações que nos permitem entender, por um lado, como funcionou o pensamento religioso católico naquele momento específico, e por outro, apreender um contexto em que as tensões e as 218 O Malleus Maleficarum e o pensamento inquisitorial: O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição e suas conexões com o cotidiano e cultura de uma época (século XV) Mosaico – Volume 7 – Número 11 – 2016 diferenças entre grupos e pessoas numa sociedade plural são projetadas para o nível simbólico, e adquiriram status de explicação da realidade. Sua riqueza de detalhes ultrapassa a consideração de um simples “elo de uma cadeia infernal” (DELUMEAU, 1989, p. 354) ou a materialização da neurose de uma instituição obcecada pelo demônio. Retrata de uma só vez a concepção, detalhada no Malleus Maleficarum, de que as mudanças, as desgraças (pestes, fome), e até mesmo as guerras eram causadas por algum “agente” ativo e interessado, e necessário era então tanto punir os cristãos e da mesma forma reconduzi-los ao caminho escolhido por Deus para o homem. 



Fontes:
academia.edu
aventurasnahistoria.uol.com.br
wikipedia.org
google.com
unifap.br
Dialnet-OMalleusMaleficarumEOPensamentoInquisitorial

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vamos falar hoje de objeto direto e objeto indireto. O objeto direto e o indireto são termos integrantes da oração que completam o se...