Guerra do Contestado
A Guerra
do Contestado foi um conflito
armado entre a população cabocla e os representantes do poder estadual
e federal brasileiro travado entre outubro de 1912 a agosto de 1916, numa região rica em erva-mate e madeira, disputada pelos estados brasileiros do Paraná e de Santa Catarina.[1]
Originada nos
problemas sociais, decorrentes principalmente da falta de regularização da
posse de terras e da insatisfação da população hipossuficiente, numa região em
que a presença do poder público era pífia, o embate foi agravado ainda pelo
fanatismo religioso, expresso pelo messianismo e pela crença, por parte dos caboclos
revoltados, de que se tratava de uma guerra santa.
A região fronteiriça entre os estados do Paraná e Santa Catarina recebeu o nome de Contestado devido ao
fato de que os agricultores contestaram a doação que o governo brasileiro fez aos madeireiros e à Southern Brazil
Lumber & Colonization Company. Como foi uma região de muitos
conflitos, ficou conhecida como Contestado, por ser uma
região de disputas de limites entre os dois estados brasileiros.
Para entender-se bem a guerra sertaneja , é
preciso voltar um pouco no tempo e resgatar o valor da figura de três monges da região. O primeiro monge que galgou
fama foi oMonge João Maria de Agostini, um rezador leigo
de origem italiana,
que peregrinou pregando e atendendo doentes de 1844 a 1870 por um amplo
território que ia de Sorocaba,
em São Paulo, até Rio Pardo e Santa Maria, no Rio Grande do
Sul[2].
Fazia questão de viver uma vida extremamente humilde, e sua ética e forma de
viver arrebanhou milhares de crentes, reforçando o messianismo coletivo.
Sublinhe-se, porém, que não exerceu influência direta nos acontecimentos da
Guerra do Contestado que ocorreria posteriormente. João Maria morreu em 1870,
em Sorocaba, estado de São Paulo.
O segundo monge adotou
o codinome (alcunha) de João Maria,[3] mas seu verdadeiro nome era Atanás Marcaf,
provavelmente de origem síria.
Aparece publicamente com aRevolução Federalista de 1893, mostrando uma postura firme e
uma posição messiânica. Sobre sua situação política, dizia ele "estou do
lado dos que sofrem"[1].
Chegou, inclusive, a fazer previsões sobre os fatos políticos da sua época.
Atuava na região entre os rios Iguaçu e Uruguai.
É de destacar a sua influência inquestionável sobre os crentes, a ponto de
estes esperarem a sua volta através da ressurreição,
após seu desaparecimento em 1908.
As entrelinhas do que
estava por vir estavam se amarrando entre si. A espera dos fiéis acabou em
1912, quando apareceu publicamente a figura do terceiro monge. Este era
conhecido inicialmente como um curandeiro de ervas, tendo se apresentado com o
nome de José Maria de Santo Agostinho, ainda que,
de acordo com um laudo da polícia da Vila de Palmas, Estado do Paraná, ele
fosse, na verdade, um soldado desertor condenado por estupro, de nome Miguel
Lucena de Boaventura.
José Maria pregava uma
vida de respeito ao próximo, aos animais e à natureza, assinalava a existência
de fontes de água (que logo a população passou a chamar de "águas
santas" ou "águas do monge") e recomendava a edificação de
cruzeiros[2].
Como ninguém conhecia
ao certo a sua origem, como aparentava uma vida reta e honesta, não lhe foi
difícil granjear em pouco tempo a admiração e a confiança do povo[4].
Um dos fatos que lhe granjearam fama foi a presunção de ter ressuscitado uma
jovem (provavelmente apenas vítima de catalepsia patológica). Supostamente também
recobrou a saúde da esposa do coronel Francisco de Almeida, acometida de uma
doença incurável. Com este episódio, o monge ganha ainda mais fama e
credibilidade ao rejeitar terras e uma grande quantidade de ouro que o coronel,
agradecido, lhe queria oferecer.
A partir daí, José
Maria passa a ser considerado santo: um homem que veio à terra apenas para
curar e tratar os doentes e necessitados. Metódico e organizado, estava muito
longe do perfil dos curandeiros vulgares. Sabia ler e escrever e anotava em
seus cadernos as propriedades medicinais das plantas encontradas na região. Com
o consentimento do coronel Almeida, montou no rancho de um dos capatazes o que
chamou de farmácia do povo,
onde fazia o depósito de ervas medicinais que utilizava no atendimento diário,
até horas tardias da noite, a quem quer que o visitasse.
Após a conclusão das obras do trecho
catarinense da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande,
a companhia Brazil Railway Company, que recebeu do governo
15 km de cada lado da ferrovia,[5] iniciou a desapropriação de
6.696 km² de terras (equivalentes a 276.694 alqueires)[5] ocupadas já há muito tempo por
posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina. O governo
brasileiro, ao firmar o contrato com a Brazil Railway Company, declarou a área como
devoluta, ou seja, como se ninguém ocupasse aquelas terras.[6]"A
área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta
sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze
para cada lado"..[7] Isso, e até mesmo a própria outorga da
concessão feita à Brazil Railway Company, contrariava a chamada Lei de Terras de
1850.[7] Não obstante, o governo do Paraná reconheceu
os direitos da ferrovia; atuou na questão, como advogado da Brazil Railway, Affonso Camargo,
então vice-presidente do estado.[8]
O governo brasileiro, então comandado pelo
marechal Hermes da
Fonseca, responsável pela Política das Salvações, caracterizada por
intervenções político-militares que em diversos Estados do país pretendiam
eliminar seus adversários políticos, sentiu indícios de insurreição neste
movimento e decidiu reprimi-lo, enviando tropas para "acalmar" os ânimos.
Antevendo o que estava por vir, José Maria
parte imediatamente para a localidade de Irani com todo o seu carente séquito. A
localidade nesta época pertencia a Palmas, cidade que estava na jurisdição do Paraná,
e que tinha com Santa Catarina questões jurídicas não resolvidas por
conta de divisas territoriais, e acabou vendo nessa grande movimentação uma estratégia de ocupação daquelas terras.
A guerra do Contestado inicia-se neste
ponto: em defesa de suas terras, várias tropas do Regimento de Segurança do
Paraná são enviadas para o local, a fim de obrigar os invasores a
voltar para
Santa Catarina. [4]
Em 22 de outubro de 1912, a polícia do
Paraná deu início a um ataque que resultou na batalha do Irani, em um lugar
chamado "Banhado Grande", na qual morreram 11 sertanejos, entre eles
o monge José Maria, e 10 soldados, inclusive o coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho[2].
Um ano após o primeiro combate, uma menina
de 11 anos, chamada Teodora, passou a relatar que tinha sonhos com José Maria e
que este ordenava a todos os seus seguidores a dirigirem-se para Taquaruçu.
Depois formam-se outras "cidades santas" ou redutos dos sertanejos,
como Caraguatá, Santo Antônio, Caçador Grande, Bom Sossego, Santa Maria (a
maior cidade, com mais de 20 mil habitantes), Pedra Branca, São Miguel e São
Pedro[2].
Em 8 de fevereiro de 1914, numa ação
conjunta de Santa Catarina, Paraná e governo federal, foi enviado a
Taquaruçu um efetivo de 700 soldados, apoiados por peças deartilharia e metralhadoras.
Estes logram êxito na empreitada, incendeiam completamente o acampamento dos jagunços,
mas sem muitas perdas humanas, já que os caboclos e fiéis da causa do Contestado se
refugiaram em Caraguatá,
local de difícil acesso e onde já viviam cerca de 20.000 pessoas.
Os fiéis que mudaram para Caraguatá,
interior do atual município de Lebon Régis,
eram chefiadas por Maria Rosa, uma jovem com quinze anos de
idade, considerada pelos historiadores como uma Joana D'Arc do sertão, já que "combatia
montada em um cavalo branco com arreios forrados de veludo, vestida de branco,
com flores nos cabelos e no fuzil". Após a morte de José Maria, Maria Rosa
afirmava receber, espiritualmente, ordens do mesmo, o que a fez assumir a
liderança espiritual e militar de todos os revoltosos, então cerca de 6.000
homens.
Com o passar do tempo, general Fernando Setembrino de Carvalho adotou uma nova postura de guerra,
evitando o combate direto, que era o que os revoltosos esperavam e para o que
estavam se preparando, optando por cercar o reduto dos fanáticos com tropas por
todos os lados, evitando que entrassem ou saíssem da região onde estavam. Para
isto, o general dividiu seu efetivo em quatro alas com nomes dos quatro pontos
cardeais e, gradativamente, foi avançando e destruindo qualquer resistência que
encontrasse pelo caminho.
Com esta nova estratégia, rapidamente
começou a faltar comida nos acampamentos dos revoltosos. Isto teve como
consequência imediata a rendição de dezenas de caboclos. Contudo, a maioria dos
que se entregavam eram velhos, mulheres e crianças - talvez uma contra-estratégia
dos fiéis para que sobrasse mais comida aos combatentes que ficaram para trás e
que ainda defenderiam a causa.
Neste ponto da guerra do Contestado, começa
a se destacar a figura de Deodato Manuel Ramos, vulgo "Adeodato",
considerado pelos historiadores como o último líder dos contestadores. Adeodato
transferiu o núcleo dos revoltosos para o vale de Santa Maria, que contava
ainda com cerca de 50.000 homens. Só que aí, à medida que ia faltando o
alimento, Adeodato passou a revelar-se cada vez mais autoritário, não aceitando
a rendição. Aos que se entregavam, aplicava sem dó a pena de morte.
Cerco
fechado, sem pressa e deixando os revoltosos nervosos lutarem contra si mesmos,
em 8 de fevereiro de 1915 a ala Sul, comandada pelo tenente-coronel Estillac,
chegou a Santa Maria. De um lado as forças do governo, bem armadas, bem
alimentadas, de outro, rebeldes também armados, mas famintos e sem ânimo para
resistir muito tempo. A luta inicial foi intensa e, à noite, o tenente-coronel
ordenou a retirada, afinal, já contabilizara só no seu lado 30 mortos e 40
feridos.
Em dezembro de 1915, o último dos redutos
dos revoltosos foi devastado pelas tropas de Setembrino. Adeodato fugiu,
vagando com tropas no seu encalço. Conseguiu, no entanto, escapar de seus
perseguidores e, como foragido, ficou ainda 8 meses escondendo-se pelas matas
da região. Mas a fome e o cansaço, além de uma perseguição sem trégua, fizeram
com que Adeodato se rendesse. Encerrava-se então, em agosto de 1916, com a
prisão de Adeodato, a Guerra do Contestado.
Adeodato foi capturado e condenado a 30
anos de prisão. Entretanto, em 1923, 7 anos após ter sido preso, Adeodato foi
morto pelo próprio diretor da cadeia numa tentativa de fuga.
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