Vamos falar hoje da obra do escritor português Almeida Garret, "Viagens na minha terra".
A obra foi publicada originalmente em folhetins na Revista Universal Lisbonense entre 1845 e 1846, sendo editada em livro apenas em 1846. Tida como obra única no Romantismo português por sua estrutura e linguagem inovadoras, Viagens na minha terra é um marco para a moderna prosa portuguesa e um importante documento de referência para entender a decadência do império português.
CAPÍTULO UM
"De como o autor deste erudito livro se resolveu a viajar na sua terra, depois de ter viajado no seu quarto; e como resolveu imortalizar-se escrevendo estas suas viagens. Parte para Santarém. Chega ao terreiro do Paço, embarca no vapor de Vila Nova; e o que aí lhe sucede. A Dedução Cronológica e a Baixa de Lisboa. Lorde Byron e um bom charuto. Travam-se de razões os ilhavos e os Bordas-d’Água: os da calça larga levam a melhor. Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, (1) de inverno, em Turim, que é quase tão frio como S. Petersburgo — entende-se. Mas com este clima, com esse ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal. Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de estio, viajo até a minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei de darlho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há de fazer crônica."
Almeida Garret
Almeida Garrett (1799-1854) foi um poeta, prosador e dramaturgo português, teve um importante papel como o iniciador do movimento romântico em Portugal com a publicação do poema “Camões”.
João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasceu na cidade do Porto, Portugal, no dia 04 de fevereiro de 1799. Acompanhou a família na mudança para os Açores, durante a invasão napoleônica.
Garrett passou a infância e a adolescência na ilha Terceira, onde fez seus primeiros estudos.
O livro começa com a narrativa do personagem que decide viajar de Lisboa até Santarém, junto a um comboio, para conhecer melhor as paisagens do país. Nesta primeira parte do livro, o narrador descreve as paisagens e suas impressões, ao mesmo tempo em que faz citações filosóficas, literárias e históricas, é possível perceber referências como Willian Shakespeare, Luis de Camões, Miguel de Cervantes, Johann Goethe e Homero. Esta parte contem um pouco de autobiografia do autor, uma vez que Almeida Garret fez a mesma viagem.
Na segunda parte do livro, descrita como novelista, o narrador chega a Santarém e conta a história dos outros personagens. Joaninha é uma moça bonita e inocente que mora com sua avó D. Francisca. Ambas recebem semanalmente a visita de Frei Dinis que traz noticias de Carlos, primo de Joaninha. Carlos está lutando na Guerra Civil na tropa de Dom Pedro. Frei Dinis é um homem nobre e com posses que um dia resolveu abandonar tudo e ficar dois anos fora da cidade, retornando depois como Frei.
D. Francisca e Frei Dinis possuem algum segredo sobre Carlos. Certo dia a Guerra Civil chega a Santarém, e junto com ela vem Carlos. Joaninha reencontra seu primo e ambos são arrebatador por uma forte paixão, tanto que assim que ela o encontra eles trocam um beijo apaixonado. Carlos omite de sua prima que possui uma noiva na Inglaterra de nome Georgina, e o fato de estar com Joaninha o deixa confuso.
Carlos fica ferido e a prima cuida dele até que este se cure. Antes de ir embora da cidade ele pede a avó que conte o segredo que ela e Frei Dinis possuem. A avó acaba contando que Frei Dinis é seu verdadeiro pai, e que sua mãe havia falecido. Carlos fica atordoado com a notícia e volta para casa de Georgina. Esta já está sabendo de seu caso com a prima Joaninha, Frei Dinis foi quem lhe contou. Ela não o perdoa e o abandona. No fim, Carlos entra para carreira política onde obtém sucesso, Joaninha depois de ser abandonada pelo primo enlouquece e morre. Frei Dinis cuida de Dona Francisca que ficou cega até a sua morte. Cada personagem pode representar um pouco de Portugal.
Uma reflexão muito importante de Almeida Garret no livro, onde o autor questiona o início da industrialização desenfreada e a ânsia pelo lucro deixado de lado o ser humano, a exploração da mão de obra gerando uma grande desigualdade social.
"Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? — Que lho
digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis".
Fontes:
guiadoestudante.abril.com.br
lisboasecreta.co
dominiopublico.gov.br
coladaweb.com
google.com
ebiografia.com
interesses-sutis.blogspot.com
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