Vamos falar hoje da importante obra do escritor Gilberto Freire "Casa Grande e Senzala" publicado em 1933.
Nesse livro, traduzido em vários idiomas pelo mundo afora, Freyre chama a atenção para a miscigenação racial no Brasil, e antes de considerar um malefício exalta esse fator como herança cultural na formação da população brasileira.
Freyre fazia afirmações duras a respeito da prostituição e da depravação dos colonizadores com as escravas, utilizando este recurso literário.lançando mão do "numerismo" já esboçado em obras como a do escritor americano Walt Whitman (1819-1892), onde o autor vai repetindo insistentemente a mesma palavra para construir seu raciocínio. Um exemplo disso temos no trecho onde ele explica a função da rede na Casa-Grande:
"Rede parada, com o senhor descansando, dormindo, cochilando, Rede andando, com o senhor em viagem ou a passeio debaixo de tapetes ou cortinas. Rede rangendo, com o senhor copulando dentro dela. Da rede não precisava afastar-se o escravocrata para dar suas ordens aos negros; mandar escrever suas cartas pelo caixeiro ou pelo capelão; jogar gamão com algum parente ou compadre. De rede viajavam quase todos — sem ânimo para montar a cavalo: deixando-se tirar de dentro de casa como geleia por uma colher".
Embora Gilberto Freyre tente mostrar que as diferenças entre o senhor escravocrata com suas propriedades que incluíam até seres humanos gerando miscigenações forçadas por parte dos senhores e suas mucamas, ele enaltece essa mistura da população brasileira do ponto de vista cultural, através da musicalidade, das religiões, da culinária.
Freyre, no entanto foi criticado por grande parte de intelectuais da época.
Segundo Clóvis Moura, "Gilberto Freyre caracterizou a escravidão no Brasil como composta de senhores bons e escravos submissos". O mito do bom senhor de Freyre seria uma tentativa no sentido de interpretar as contradições do escravismo como simples episódio sem importância, e que não teria o poder de desfazer a harmonia entre exploradores e explorados durante aquele período.
Relata Martiniano J. Silva que a miscigenação é um velhíssimo processo de enriquecimento racial e cultural dos povos, capaz de gerar civilizações, e que ocorre de forma livre e democrática. Afirma que historicamente a miscigenação de raças no Brasil “nunca foi tratada e nunca existiu como um processo livre, espontâneo, e, portanto, natural, de união entre dois povos.” Ao contrário, como reafirma Silva, a dignidade da mulher negra teria sido violentada, atingindo sua honra no âmbito moral e sexual, através de uniões mantidas a força, sob a égide do medo, da insegurança, onde as crianças eram concebidas legalmente sem pai, permanecendo no status de escrava, não havendo assim nenhum enriquecimento racial e cultural de civilização alguma. Conclui dizendo que é preciso que não se confunda a descaracterização de um povo pela violência sexual com a hipótese de uma democracia racial.
O próprio Freyre, na obra em apreço, corrobora essa violência, embora um tanto acanhadamente: "Nenhuma casa-grande do tempo da escravidão quis para si a glória de conservar filhos maricas ou donzelões". O folclore da nossa antiga zona de engenhos de cana e de fazendas de café, quando se refere a rapaz donzelo, é sempre em tom de debique:para levar o maricas ao ridículo. O que sempre se apreciou foi o menino que cedo estivesse metido com raparigas. Raparigueiro, como ainda hoje se diz. Femeeiro. Deflorador de mocinhas. E que não tardasse a emprenhar negras, aumentando o rebanho e o capital paterno.
Mais incisivo é Sergius Gonzaga:"Filhos, quase todos, de senhores de engenho, tinham à disposição o corpo das escravas — tidas como coisas, e assim obrigadas a aceitar o furor sexual dos grandes proprietários e seus descendentes. Algumas delas requintavam a sensualidade, buscando fugir à brutalidade do trabalho servil pelo reconhecimento de um senhor mais generoso".
"Casa-Grande & Senzala" trouxe novas abordagens para entender a formação do Brasil. Cultura, religiosidade, culinária, hábitos de higiene, sexualidade foram alguns temas destrinchados pelo estudioso pernambucano.
Uma das teses da obra é que a mestiçagem das raças criou uma sociedade original. Através do contato de negros, índio e brancos, o brasileiro seria a síntese cultural e mestiça dessas raças. O que não quer dizer que esta formação se tenha dada de maneira pacífica, pois Freyre destaca a violência da escravidão.
Ao invés de ilustrar essa tese com dados econômicos, Freyre recorre à culinária para provar o quão mestiça era a sociedade brasileira.
“Matavam-se bois, porcos, perus. Faziam-se bolos, doces e pudins de todas as qualidades. A galinha, aliás, figura em várias cerimônias religiosas e tisanas afrodisíacas dos africanos no Brasil. O açúcar - que fez acompanhar sempre do negro - adoçou tantos aspectos da vida brasileira que não se pode separar dele a civilização nacional."
É preciso lembrar que na década de 30, o nazismo estava em plena consolidação na Alemanha. Suas ideias de pureza racial conquistavam cada vez mais adeptos em todo mundo, inclusive no Brasil. A obra "Casa-Grande & Senzala" vai defender que a mestiçagem traz mais aspectos positivos que negativos para uma nação.
O Brasil atual, uma das sociedades com maior desigualdade social e econômica, é reflexo direto de sua história colonial. Os índios, as mulheres, os negros, continuam a ser tratados como inferiores, sem alcançar a plenitude de seus direitos constitucionais e civis. Pior, cada pequeno avanço dessas categorias é visto como um favor por uma elite política e econômica que não difere em nada do Brasil Colônia, descendentes da mentalidade dos senhores de engenho.
Até pouco tempo atrás empregadas domésticas não tinham o mesmo direito dos outros trabalhadores, e serviam seus patrões à moda das mucamas, com cargas horários de trabalho de até 14 horas diárias, sem nada ganhar por isso, sem registro em carteira, sem abono de férias, sem horas extras, nem outros direitos.
Fontes:
g1.globo.com
globaleditora.com.br
todamateria.com.br
wikipedia.org
google.com
canalcienciascriminais.com.br
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