quarta-feira, 2 de junho de 2021

Literaturas africanas em língua portuguesa






As literaturas africanas em língua portuguesa tiveram seu desenvolvimento a partir da segunda metade do século XIX, como não poderia deixar de ser, em se tratando de países africanos, dotados em sua maioria por culturas de tradição oral (embora não exclusivamente ). Diferentemente da produção colonial africana , as literaturas africanas adotam um ponto de vista do colonizado, “de dentro para fora”.





Em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, o escritor africano vivia, até a data da independência, no meio de duas realidades às quais não podia ficar alheio: a sociedade colonial e a sociedade africana. A escrita literária expressava a tensão existente entre esses dois mundos e revelava que o escritor, porque iria sempre utilizar uma língua europeia, era um “homem-de-dois-mundos”, e a sua escrita, de forma mais intensa ou não, registrava a tensão nascida da utilização da língua portuguesa em realidades bastante complexas. Ao produzir literatura, os escritores forçosamente transitavam pelos dois espaços, pois assumiam as heranças oriundas de movimentos e correntes literárias da Europa e das Américas e as manifestações advindas do contato com as línguas locais.






Esse embate que se realizou no campo da linguagem literária foi o impulso gerador de projetos literários característicos dos cinco países africanos que assumiram o português como língua oficial.




Marcadas pelo colonialismo português, os conflitos e relações que esta forma administrativa acarreta, foram com o passar do tempo, inspiração constante na literatura das então colônias de Portugal, atuais países de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Por ter sido, o fazer literário nestes países, muitas das vezes, formas de resistência e militância, serão exatamente estas nuances que marcam as relações colonizador x colonizado e as demais buscas de afirmação identitária que elas acarretam, brevemente abordadas neste trabalho, através de textos recolhidos dos 5 países africanos de língua portuguesa. A literatura então, passa a construir em forma de militância política, de denúncia, de busca de uma identidade, a ideologia para a independência e afirmação de identidades nestes países. Daí a sua importância.


O enfoque principal deste trabalho será para a lírica, não cabendo aqui transcrever, na íntegra, textos narrativos e nem do teatro. Porém, ao analisar a relação colonizador x colonizado e de afirmação identitária presente nos textos recolhidos, algumas referências a textos narrativos podem ocorrer ao longo do trabalho. Realizar-se-á uma apresentação geral da literatura de cada país antes da apresentação dos textos (ou trechos dos textos) recolhidos para cada um deles.


 CABO VERDE


Tal como em Angola ou Moçambique, as primeiras manifestações literárias do arquipélago remontam aos meados do século XIX. E a primeira observação que nos ocorre fazer é a de que, ao contrário do que sucede naquelas duas áreas citadas (mais em Moçambique do que em Angola) a literatura escrita em Cabo Verde é assinada, na sua maioria esmagadora, por cabo-verdianos. (...). Em Cabo Verde só com o aparecimento da revista Claridade (1936), fundada e animada pelos poetas e romancistas Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, ocorreria a viragem definitiva da literatura cabo-verdiana. Podemos na verdade dizer que a literatura cabo-verdiana se divide em dois períodos fundamentais: antes e depois da Claridade.


O poema “Itinerário de Pasárgada”, de Oswaldo Alcântara (que utilizava o pseudônimo Baltazar Lopes), ilustra, através de uma releitura de Manuel Bandeira, a íntima relação entre Cabo Verde e Brasil, que foi influenciadora desta busca pela identidade cabo-verdiana.


Saudade fina de Pasárgada...
Em Pasárgada eu saberia
onde é que Deus tinha depositado
o meu destino...

(...)

Na hora em que tudo morre,
esta saudade fina de Pasárgada
é um veneno gostoso dentro do meu coração.


 GUINÉ-BISSAU


Ao contrário de Cabo Verde, em Guiné-Bissau não há preocupação identitária com o mar, pois não se trata de uma ilha. A tradição oral em Guiné-Bissau também é diferente de Cabo Verde. A intimidade entre os dois países, porém, é muito grande, tanto que o PAIGC (partido político) lutou pela libertação dos dois países em conjunto, embora articulando formas diferentes para cada um. Além disso, a comunidade de cabo-verdianos na Guiné-Bissau é significativa, tendo sido esta ex-colônia portuguesa administrativamente vinculada a Cabo Verde até 1879.


Em Guiné-Bissau, “praticamente, até à independência nacional, não se ultrapassou a fase da literatura colonial. E esta mesma de reduzida extensão. (...) O regime colonial português pôde construir nessa antiga colônia os entraves suficientes ao desenvolvimento criativo”
.


A relação colonizado x colonizador, marcada pela tensão entre discursos e tensão entre estratégias do colonizador e resistência do colonizado, pode ser percebida nos versos de Vasco Cabral (1956), do poema Anti-delação:


A noite veio,
disfarçada em dia
e ofereceu-me a luz,
diáfana como a Aurora.
Mas eu disse que não.
(...)


Por fim veio Pilatos,
disfarçado em Cristo
e numa voz humana e doce

disse:

mas conta a tua história...>
Mas eu disse que não,
que não, não, não!
E continuei um Homem!
E eles continuaram
os abutres do medo e do silêncio.



Percebe-se também, nestes versos, uma perspectiva entre dois sujeitos (eu / eles) e humanística (marxista) – devido ao contato com a ex-URSS – que são marcos da produção literária da Guiné.



SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE


A evolução de São Tomé e Príncipe teria sido paralela, em muitos pontos à de Cabo Verde. Mas nos meados do século XIX, implantando-se o sistema de da monocultura, a burguesia negra e mestiça vai ser substituída pelos monopólios portugueses e o seu processo social alterado e travada a miscigenação étnica e cultural. Mesmo assim, em grau relativo, patentes são os efeitos do contato de culturas traduzido em vários aspectos, sobrtudo ao nível das camadas da burguesia africana. A sua poesia, de um modo geral, exprime exatamente isso: por um lado, as marcas de uma mestiçagem; por outro lado, os profundos nexos que vinculam o homem de S. Tomé ao mundo genuinamente africano.

Os versos do poema Serões de São Tomé (1916) de Costa Alegre, abordam a perspectiva da relação colonial através da metáfora da mulher branca (colonizador) como fria em contrapartida com a mulher negra (colonizado):


Minha amante é escura noite,


Que me convida a dormir,
Quando os seus lábios descerra
Vejo os astros a luzir.
A neve que cai na serra


Esfria tudo em redor;
Quem se afoita a amar as brancas,
Se da neve têm a cor?


ANGOLA


É na segunda metade do século XIX que uma atividade literária e cultural intensas para a época acontece.


E não deixa de ser curioso anotar que, já nesse período, (...), paralelamente àquilo que se vem designando por literatura colonial, encontramos obras de alguns autores que não poderão ser inscritas na genérica designação de literatura colonial: umas vezes serão portugueses profundamente radicados em África, quase todos eles jornalistas combativos e criadores literários, (...). Ou então serão mesmo autores africanos (...), a maioria militando (...) no jornalismo, em grande parte político e interveniente, não raro denunciador de prepotências e abusos da administração colonial ou de desmandos e repressões de setores políticos e econômicos. Nesse jornalismo intervêm não só brancos como negros e mestiços.


O poema “Partida para o Contrato”, de Agostinho Neto (1985, p. 11), reflete o questionamento sobre até quando as desigualdades causadas pelo sistema colonial durariam em Angola, sob uma perspectiva de chamada para a atitude:


“O rosto retrata a alma
Amarfanhada pelo sofrimento
Nesta hora de pranto
Vespertina e ensanguentada


Manuel
O seu amor
Partiu para S. Tomé
Para lá do mar
Até quando?”


MOÇAMBIQUE


As pesquisas sobre a literatura moçambicana do século XIX ainda é incipiente, em relação às pesquisas do mesmo período para a literatura angolana. No entanto, “não será arriscar demasiado dizer que a atividade cultural de Moçambique naquele período deve ter sido sobretudo orientada para o jornalismo”.  Houve, ainda , jornalistas que desempenharam um papel importante na luta contra o obscurantismo político e cultural, não obstante as dificuldades de toda a ordem que houveram de tornear para que sua intervenção se mantivesse digna e inteira.

A tradição oral, abordada pelo projeto da literatura moçambicana, pode ser observada no poema “Karingana ua karingana” de José Craveirinha. O título representa uma expressão similar ao “era uma vez” brasileiro, utilizado pela oralidade na contação de estórias, por exemplo. Já o poema “Grito Negro”, do mesmo autor, marca a opressão do negro pelo sistema colonial, principalmente através da metáfora do carvão apresentada nos seguintes versos:


Eu sou carvão!
Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão.

Sim!
Eu serei teu carvão

Patrão!






Fontes:
aguadebebercamara.blogspot.com
pucminas.br
wikipedia.org
google.com

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