terça-feira, 26 de janeiro de 2021




O complexo manicomial conhecido por Cidade dos Loucos foi fundado em 12 de outubro de 1903, em Barbacena, Minas Gerais. Antes de ser um local focado no "tratamento" psiquiátrico, o Hospital Colonial de Barbacena tratava pacientes vítimas da tuberculose, o que explica a localização afastada do hospital, em cima de uma montanha. Local perfeito também para excluir os grupos marginalizados da sociedade.






Controlar a sociedade com a finalidade de criar um meio social, onde só existem pessoas com qualidades raciais semelhantes. Esta linha de pensamento é o que conceitua o termo “eugenia”, elaborado por Francis Galton (1822-1911). O termo ganhou conotação quando a eugenia nazista veio à tona, trazendo a ideologia de pureza racial, que resultou no Holocausto, conhecido pelo extermínio de milhões de pessoas em massa, liderado por Adolf Hitler (1889-1945).

Quando esta linha de pensamento é trazida para a realidade brasileira, cumpre salientar que, na maior parte do século XX, o Brasil vivenciou um Holocausto silencioso, no hospital Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. Nesse local, pelo menos 60 mil pessoas morreram aos olhos fechados da sociedade.



Em 1903 o primeiro hospital psiquiátrico de Minas Gerais foi criado, atuava como um Sanatório para tratamento de tuberculose. Em razão da sua falência, o hospital foi desativado. Instalado então, nas dependências do antigo Sanatório de Barbacena, o hospício, segundo registros históricos, está situado nas terras da antiga Fazenda da Caveira cujo proprietário era Joaquim Silvério dos Reis, conhecido na história mineira como o delator do movimento dos Inconfidentes. Assim, entrava em funcionamento o Hospício de Barbacena, depois chamado de Hospital Colônia de Barbacena. Sua capacidade inicial era de duzentos leitos. Em seguida, o hospital passou a ser chamado de Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, uma unidade da antiga Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica, a qual passou a pertencer à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, resultado da união de três Fundações Estaduais de Assistência à Saúde, entre elas a FEAP (atendimento psiquiátrico).Logo, caracterizada sua natureza pública, uma vez que fundação vinculada à Secretaria de Estado de Saúde do Estado de Minas Gerais (SES). Assim sendo, o Estado era responsável pela manutenção e funcionamento do hospital.




A instituição era formada por diversos prédios e pavilhões, e cada um deles tinha uma especialidade. Entre eles estavam o Pavilhão Zoroastro Passos, para onde iam as mulheres indigentes, e o Antônio Carlos, a área dos homens indigentes.

Os pavilhões Afonso Pena, Milton Campos, Rodrigues Caldas e Júlio Moura recebiam todo o tipo de pessoas, sendo que 70% deles não tinha nenhum diagnóstico mental. Eram alcoólatras, homossexuais, prostitutas, viciados em drogas e mendigos. Os indesejados pela sociedade.




O fotógrafo da revista O Cruzeiro Luiz Alfredo estava prestes a registrar as imagens mais dramáticas da sua carreira, embora não soubesse disso, quando se deparou com o portão de ferro que daria acesso ao interior do Colônia, em Barbacena, naquele abril de 1961. Acompanhado do colega José Franco, ele viajou para a cidade dos loucos, depois que o chefe de redação, Eugênio Silva, descobriu que o então secretário de Saúde do governo Magalhães Pinto, Roberto Resende, estava preparando uma varredura na área da saúde, principalmente na instituição da cidade natal de José Bias Fortes, que acabara de deixar o governo mineiro. Aos vinte e oito anos, Luiz Alfredo escreveria seu nome na história. Acompanhados do secretário, ele e o repórter chegaram ao município na hora do almoço. — Mas o que será que existe aqui de tão grave? — perguntou Luiz Alfredo ao companheiro de pauta, no momento em que eram recebidos por freiras que trabalhavam no hospital. Na companhia delas, ele e José Franco foram convidados a entrar. Ouviram o barulho dos cadeados sendo abertos. Quando as correntes que guardavam a porta de acesso ao pátio foram destrancadas, os olhos acostumados a tantas tragédias não puderam acreditar na cena que se desenhava. Milhares de mulheres e homens sujos, de cabelos desgrenhados e corpos esquálidos cercaram os jornalistas. A primeira imagem que veio à cabeça de José Franco foi a do inferno de Dante. Difícil disfarçar o choque. O jornalista levou um tempo para se refazer e começar a rascunhar em seu bloco suas primeiras impressões. Já Luiz Alfredo, protegido pela sua Leica, decidiu registrar tudo que a lente da sua câmera fosse capaz de captar. Quase todas as imagens feitas naquela tarde foram registradas em preto e branco, em rolos de filme 35 mm.





A loucura que desfilava diante dos seus olhos não o impressionava, e sim as cenas de um Brasil que reproduzia, menos de duas décadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o modelo dos campos de concentração nazistas. Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspadas e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio e inundava o chão do pavilhão feminino.





Nas banheiras coletivas havia fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que carnes eram cortadas no chão. O cheiro era detestável, assim como o ambiente, pois os urubus espreitavam a todo instante. Dentro da cozinha, a ração do dia era feita em caldeirões industriais. Antes de entrar nos pavilhões, o fotógrafo avistou um cômodo fechado apenas com um pedaço de arame. Entrou com facilidade no lugar usado como necrotério. Deparou-se com três cadáveres em avançado estado de putrefação e dezenas de caixões feitos de madeira barata. Ao lado, uma carrocinha com uma cruz vermelha pintada chamou sua atenção.






Os tratamentos funcionavam à base de tortura: utilizavam cadeiras elétricas, solitárias e camisas de força. Os pacientes eram submetidos a situações precárias, como fome e sede. Em alguns casos, chegavam a beber a própria urina. Nos pátios, viviam nus e em meio a ratos e baratas, além de urinarem e defecarem no chão.



Muitas pessoas eram colocadas no Manicômio de Barbacena pela própria família. Era o caso de mulheres indesejadas pelos maridos e parentes que tinham algum tipo de deficiência, transtorno ou distúrbio, como Síndrome de Down, autismo ou dislexia. 

Mais tarde crianças também era levadas para lá com problemas psiquiátricos ou comportamentais, onde eram espancadas e recebiam tratamentos desumanos.



Os pacientes eram separados por sexo, idade e características físicas. Como o Colônia não tratava apenas pessoas da cidade, muitas vinham de fora, desembarcando de trem. Em 1933, o escritor Guimarães Rosa, que trabalhou brevemente como médico no Colônia, chamou aquilo de “trem de doido”. Anos depois, o cenário rendeu comparações inevitáveis com os campos de concentração nazistas, já que eles também eram abastecidos com trens.



Os paralelos com os campos nazistas não paravam aí. Estima-se que 70% dos internados não apresentavam registro de doença mental. Eram gays, alcoólatras, militantes políticos, mães solteiras, mendigos,  negros, pobres, índios, pessoas sem documento etc. De hospital psiquiátrico, a instituição virou depósito de gente indesejada. Uma mulher chegou a ser internada porque tinha tristeza! 




O hospital poderia receber até 200 pessoas, mas chegou a ter 5 mil. Para comportar tanta gente e abrir espaço, o Colônia trocou camas por capim. A desumanização se espalhava pelos 16 pavilhões, onde  faltavam água encanada e alimentos. Muitos internos bebiam e se banhavam no esgoto a céu aberto. Com uma sucessão de maus-tratos, frio e fome, muitos não resistiam.




Percebendo que o cemitério municipal já não comportava o número cada vez mais alto de mortos no Colônia, funcionários do hospital começaram a traficar corpos para faculdades de medicina, que os usavam  em aulas de anatomia. Se a procura era baixa, os mortos eram dissolvidos em ácido.




Os métodos de tratamento e as condições do Manicômio causaram a morte de mais de 60 mil pessoas. O período em que mais morreram pessoas nessa instituição foi por volta de 1960 a 1970, no início do Regime Militar no Brasil (1964-1985).

O psiquiatra italiano Franco Basaglia, responsável por revolucionar o sistema de saúde mental de seu país, chamou a instituição manicomial de Campo de concentração nazista, conhecida também como Holocausto Brasileiro.

Franco Basaglia



A resistência até mesmo por parte dos psiquiatras foi forte no Brasil, afinal, esse sistema de tratamento não ocorria só em Barbacena, mas era utilizado em mais de 150 locais —como o Hospital Psiquiátrico do Juqueri e a Colônia Juliano Moreira.


Nise da Silveira


A psiquiatra Nise da Silveira se destacou na luta antimanicomial brasileira. Nise foi a única aluna de uma sala cheia de homens a se formar em medicina na Faculdade da Bahia. Aluna de Carl Jung, dedicou sua vida a lutar contra o modo absurdo de "tratamento" aos pacientes psiquiátricos.



Fontes:
wikipedia.org
google.com
aventurasnahistoria.uol.com.br
baracena.mg.gov.br
felippelimasanta.jusbrasil.com.br
super.abril.com.br
app.uff.br


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