terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Olá, pessoal!


Hoje vamos falar do livro "A idade da razão" (L´age de raison).


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O livro faz parte da trilogia "Caminhos da razão", a trilogia é composta ainda pelo livro "Sursis" e "Com a morte na alma".

O romance A Idade da Razão, publicado por Jean-Paul Sartre em 1946, é uma obra de cunho filosófico-existencialista que trata da problemática da liberdade, da consciência e da moralidade na constituição do homem, através da história de Mathieu Delarue, um professor de filosofia que, por defender a ideia de uma liberdade individual irrestrita, despreza qualquer tipo de compromisso. A narrativa se passa em Paris, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, e tem como foco o relacionamento entre Mathieu e sua companheira Marcelle. Com este ensaio, faremos uma articulação entre a problemática do ser e uma análise crítica do romance, abordando conceitos da ontologia fenomenológica e da filosofia existencialista propostas por Sartre, partindo da primeira indagação contida no título desta reflexão – que é o homem?, para que, a partir de então, possamos responder a segunda – que é a moral?

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O livro apresenta aos leitores alguns dias da vida de Mathieu, no período em que o personagem recebe a notícia de que sua namorada Marcelle está grávida. Não querendo ser pai por acreditar que ser livre consiste em não se comprometer com nada, ele passa a buscar alternativas para a resolução do problema, uma vez que a paternidade implicaria em assumir a sua companheira e ter responsabilidades diante do filho. Tal concepção de liberdade exerce forte influência em sua vida cotidiana, uma vez que ele não assume sua namorada, resiste ao fato de ser pai, possui poucos amigos e não se engaja em movimentos políticos e sociais, dentre outras condutas da mesma natureza. Desse modo, a narrativa desenvolve-se de tal maneira que a sua ideia de liberdade defronta-se constantemente com o que a liberdade é na sua realidade, realidade esta que, no romance, reflete o conceito de liberdade proposto por Sartre ao longo de sua vasta obra filosófica.
Bem, a tua famosa lucidez. Tu és divertido, meu velho. Tens um medo tão grande de te iludir a ti próprio que recusarias a mais bela aventura do mundo para não te arriscares a uma mentira…”: a fala de Marcelle, que aparece em uma de suas conversas com Mathieu, ilustra a conduta cuidadosa e calculista do companheiro, que sempre busca um distanciamento daquilo que lhe é estranho em defesa da cotidianidade estabelecida. Desse modo, o personagem tem uma vida previsível, sem muitas emoções e com poucos riscos, em benefício da sua ideia de que ser livre é não se comprometer. Contudo, com o desencadear dos fatos, tal concepção por ele pensada passa a contradizer-se com aquilo que ele observa na sua vida e passa a modificar-se.
“És livre. Mas para que te serve a liberdade, senão para tomar uma posição? Levaste trinta e cinco anos na limpeza, e o resultado dela é o vácuo. És um corpo estranho, sabes?”. Na articulação de Brunet direcionada a Mathieu, seu amigo de longa data, observa-se um forte traço do existencialismo sartriano, posto que, se a existência precede a essência, é somente através da projeção da sua vontade no mundo, isto é, do seu engajamento, que o homem pode se definir como sendo algo. Se, para Mathieu, ser livre significa não se engajar, ele se encontra numa postura de má-fé, uma vez que, ao agir assim, ele já se encontra engajado num projeto: o de ser inteiramente livre. Noutras palavras, é impossível se falar em uma liberdade que não carregue o engajamento e a responsabilidade em seu âmago. “Renunciaste a tudo para ser livre. Dá mais um passo, renuncia à própria liberdade. E tudo te será devolvido.”, escreve o autor.

Diante da gravidez de Marcelle, nada de externo pode vir em auxílio a Mathieu para decidir por ele o que escolher. Sendo um sujeito que preza pelo descompromisso, logo de imediato pensa que a melhor solução é o aborto, pois assim não tem de se casar com ela e nem se responsabilizar diante do filho. Contudo, ao mesmo tempo em que valoriza o descompromisso, ele também gosta de Marcelle e não quer que ela passe a odiá-lo. O que fazer nesta situação? Teria ele de medir os valores, para que, depois de então, pudesse dar um veredito? Poderia ele perguntar-se: “o que mais prezo: minha liberdade ou Marcelle”? Mas como é possível definir tal medida? Para que possamos afirmar que um valor é maior do que este ou aquele outro, é preciso escolher. Nessa perspectiva, o homem encontra-se na sua angústia, pois, sem fundamentos prontos para a sua escolha, ele tem de fazer-se. Só depois da escolha o valor é afirmado, sendo a angústia o que é anterior a essa escolha.

O que tem, realmente, o romance para ter sacudido tanto aquele período,  mesmo que estivéssemos ainda na pré-história, quando a pílula anticoncepcional ainda não circulava livremente? O fascinante em A idade da razão é ser um romance sobre a liberdade – Sartre diz sobre o livro: “le sujet c’est la liberté” – a decisão de escolher a própria vida. O arrebatador, naquele momento, era o autor mostrar que a opção pela liberdade não depende da idade, não é impossível nem para os jovens nem para os velhos. Sartre fará dessa convicção a estrutura de seu pensamento filosófico e o fulcro de suas ações políticas.
Mathieu então vaga pela cidade de Paris em busca do dinheiro que precisa para pagar a cirurgia em um médico judeu indicado por sua colega Sarah, que é mil vezes mais seguro do que a velha açougueira que fazia abortos em um quarto sujo e sem segurança alguma.
                Ele tenta o seu irmão Jacques, um tabelião moralista e bem sucedido que ao ver Mathieu naquela situação resolve questionar todos os valores pregados por ele em sua vida de escritor. Depois, ele tenta o amigo Daniel Sereno, um ser de alma perversa que se compraz em criar profundos conflitos de consciência nos outros e que odeia se ver fechado em um olhar coisificante, que nega o dinheiro tão somente para ver Mathieu ter que sair de sua redoma de vidro de equilíbrio e se tornar uma pessoa comum.
                Além desses dois personagens, vale ressaltar a presença de Boris e Ivich, um casal de irmãos ligados fortemente a Mathieu. O primeiro é como um discípulo de Mathieu e se sente ao mesmo tempo honrado e preocupado com essa condição, pois sente medo de ser descartado. Já Ivich é a menina-problema que prende a atenção de Mathieu e que age histericamente mediante a possibilidade iminente de reprovação em um exame de química que a condenará ao castigo de morar em uma cidade do interior com seus pais.
                Boris é jovem e ligado a uma mulher mais velha, a cantora Lola, que é loucamente apaixonada por ele e tenta como que negar a sua velhice relacionando com Boris e tentando dominá-lo. Boris por sua vez encarna o sonho de juventude eterna e preocupa-se seriamente com a ruína de sua jovialidade, sempre afirmando sua força à custa de pequenos furtos que lhe dão a sensação de vigor e fugacidade.
                Após Mathieu tentar de diversas formas o empréstimo do dinheiro, Boris sugere que ele peça a Lola que o ceda o dinheiro. Mathieu não aceita isso, porém um golpe do acaso o fará ter a chance de pegar a quantia. Indo ao apartamento de Lola, na surdina, pensando que ela estivesse morta, ele tenta recuperar um maço de cartas de Boris, que ao testemunhar a amante aparentemente sem vida, pensa com medo que as cartas levariam a polícia a ele, o que lhe traria problemas relacionados ao consumo de drogas por parte de Lola, que todos acreditavam ter sido a causa de sua morte. Mathieu, porém, vai ao apartamento e com escrúpulos não pega o dinheiro.
                Depois de algum tempo, todavia, com a morte de Lola tendo se revelado um engano causado pelo medo de Boris e um profundo desmaio, Mathieu vai ao apartamento e pega o dinheiro. Nesse ínterim, Daniel mantém encontros com Marcelle e os havidos no decorrer do romance se centram na tentativa dele torná-la mais e mais apaixonada por Mathieu, ao mesmo tempo que tenta convencê-la de ter o filho, por aquilo ser uma questão moral primordial: a sua vontade, que sempre é anulada perante a de Mathieu. Em verdade, eis mais uma amostra do temperamento de Daniel e seu desejo em ver Mathieu em algum gênero de conflito.
                Ao passo que precisa lidar com a gravidez de Marcelle, Mathieu lida também com sua paixão problemática por Ivich, os questionamentos dirigidos ao seu conceito de liberdade, a necessidade de se tomar uma posição em relação aos fatos que ocorrem no mundo nos anos que antecedem à Segunda Guerra Mundial.
                Para seu desconsolo, as coisas com Marcelle não correm bem. Convencida por Daniel de que ela deveria se impor e de que Mathieu entenderia os seus motivos para ter a criança, Marcelle expõe toda a sua fúria perante Mathieu e rompe com ele sem pestanejar. Depois disso, Daniel salva Mathieu da fúria de Lola que descobre que seu dinheiro foi roubado e passa a acusar Boris do mesmo. Mathieu assume a culpa e Daniel surge bem na hora, com a exata quantia roubada, para devolvê-la a Lola.
                O diálogo final entre Daniel e Mathieu é bem interessante e mostra o intelectual da redoma de vidro chorando por se ver perdido. Não sentia mais uma imensa paixão por Marcelle, mas aquela relação tornara-se algo incrustado nele, algo importante por sua simples existência. E agora ele se sentia perdido e confuso, vítima do prazer sádico e metafísico de Daniel. No fim, só resta a ele assumir a si mesmo que se encontra na idade da razão.
                Para entender bem a literatura sartreana deve-se ter uma noção ao menos sumária dos seus conceitos mais básicos e importantes. O pilar do pensamento de Sartre é o conceito de liberdade. A sua frase mais famosa prega que todos somos condenados a ser livres, não havendo desculpas para aquilo que fazemos a não ser nosso próprio querer na forma de intencionalidade.
                Porém Sartre não prega uma liberdade irresponsável, descompromissada. Pelo contrário. Entretanto, o seu conceito de ser livre foi muito mal interpretado nos tempos em que vivia e produzia textos que exortavam o homem a ser dono de si mesmo. Graças a isso, juntos com Simone de Beauvoir, promoveu uma “vulgarização” do modo de pensar existencialista por meio da literatura.
                Nesse sentido, podemos dizer que em Idade da Razão Sartre coloca na prática, mesmo que literária, o conceito de homem em situação. O ser humano é um ser-em-situação. Não possui uma liberdade absoluta, mas uma liberdade pré-condicionada pelos objetos, pelos obstáculos e pelos recursos que tem em mãos. Desta forma, o ser humano pode não ser livre para fazer tudo o que quer, no entanto pode escolher nos contextos em que se vê inserido pelo tempo.
                Com o conceito de homem em situação vem o conceito de liberdade, pois nossos atos e escolhas recaem tanto em nós mesmos como nos outros e por se assentar em algo chamado liberdade, aquilo que escolhemos para nós adquire certo ar de verdade universal.
                Mathieu representa o intelectual burguês tradicional: culto, porém alienado. Que só no fim, pela crueldade de Daniel, percebe que agia de má-fé: a sua liberdade anulava a liberdade de Marcelle, que por sua vez anulava a voz de sua consciência para não perder o seu amor.
                No fim do romance ele chora de tristeza, pois perdeu a criatura que o amava por se ver dotado de todos os direitos de escolha de uma relação. Recaímos aí em outro conceito caro a Sartre: o conflito de consciências. Um dilema que assola praticamente todas as pessoas e que causa, em diversos momentos, a sensação de estarmos solitários eternamente nesse mundo, mesmo que nos vendo amando uma série de pessoas. Mathieu então se reconhece na idade da razão, a idade em que nossos atos começam a pesar em nossa consciência, em que somos conscientes. Mas aí entra um detalhe bem curioso.
                Em nossa sociedade, por exemplo, convencionou-se que a idade da razão ocorre aos dezoito anos. Nesse período da vida humana, um indivíduo é apto, pela Constituição, a ter pleno controle de seus atos e a assumir as consequências dele. Em praticamente todos os meios sociais do mundo ocidental, há uma idade determinada numericamente na qual o homem atinge a sua idade da razão.
Para Sartre, a Idade da Razão, chega para o personagem Mathieu, no final do livro com 35 anos.

"«Ninguém entravou a minha liberdade, foi a minha vida que a bebeu.» Fechou a janela e voltou para o quarto. O perfume de Ivich ainda flutuava ali. Respirou-o e recordou aquele dia tumultuoso. Pensou: «Muito barulho, por nada. Por nada.» Aquela vida tinha--Ihe sido dada para nada, ele não era nada e, no entanto, já não mudaria. Estava formado. Tirou os sapatos e ficou imóvel, sentado no braço da poltrona, com um sapato na mão. Sentia ainda no fundo da garganta o calor adocicado do rum. Bocejou. Tinha acabado o seu dia, tinha acabado com a sua juventude. Morais comprovadas já lhe ofereciam os seus serviços. O epicurismo desiludido, a indulgência sorridente, a resignação, a seriedade de espírito, A IDADE DA RAZÃO o estoicismo, tudo isso que permite apreciar, minuto a minuto, como bom conhecedor, uma vida falhada. Tirou o casaco, pôs-se a desfazer o nó da gravata. Repetia a bocejar: — Não há dúvida, não há dúvida, estou na idade da razão. "



Fontes:

colunastortas.com.br
rafaelkafka2011.wordpress.com
bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br

digestivocultural.com

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