Madre Maurina
Maurina Borges, a madre Maurina
Maurina Borges da Silveira nasceu em Araxá, Minas Gerais, mas mudou-se para Ribeirão Preto, onde atuou por muitos anos no orfanato Lar Santana, na Vila Tibério, zona Oeste da cidade. Em outubro de 1969, época que era diretora da instituição, a religiosa foi presa por suspeita de abrigar membros do grupo guerrilheiro Forças Armadas da Libertação Nacional (Faln).
Nascida em Perdizes, na época um distrito de Araxá em Minas Gerais, Maurina foi a oitava filha em uma numerosa família de 11 irmãos, todos criados na zona rural. Quatro desses filhos se tornaram religiosos.
Em 1942, iniciou a vida religiosa no dia 21 de janeiro de 1942 e, no dia 11 de janeiro de 1950, emitiu seus votos perpétuos junto à Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição.
Por 10 anos trabalhou no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em São Paulo, e, depois, por 10 anos no Juvenato Coração de Jesus, em Gaspar (Santa Catarina).
Madre Maurina foi a única freira presa e torturada durante o período ditatorial do Brasil. Em outubro de 1969, foi presa em frente ao orfanato para meninas do qual era diretora, o Lar Santana, em Ribeirão Preto, sob suspeita de abrigar membros do grupo guerrilheiro Forças Armadas da Libertação Nacional (Faln), que ela havia pensado que faziam parte do Movimento Estudantil Jovem (MEJ).
Passou por cinco meses de tortura, sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury, que ia de tapas a choques elétricos, e boatos de estupro e gravidez, negados pela madre, mas que até hoje são alvos de dúvida.
Foram injustiças demais. Uma das piores, na visão da madre, foi a informação (que até hoje circula) de que teria sido estuprada por um torturador e embarcado grávida para o México. "Essa foi uma das grandes mentiras ditas a meu respeito", afirma. É um desses casos em que o silêncio em torno da realidade ganha importância diante da História. Criou-se uma aura de suspense que nem o livro esclarece. Não que o estupro fosse prática abolida dos manuais da repressão.
Outras presas políticas passaram por isso. "Eram comuns os abusos sexuais", confirma a historiadora Inês Etienne Romeu, ex-dirigente da VPR, ela mesma vítima de dois estupros nos oito anos de prisão a que foi submetida. "Colocavam-me nua, de madrugada, no cimento molhado. Fui espancada várias vezes e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos, nos seios." Em 1981, Inês fez um depoimento audacioso, publicado no jornal O Pasquim, denunciando detalhes do que passou na Casa de Petrópolis, um dos centros de tortura montados pelo regime.
Em Sombras da Repressão, Maurina conta ter sido abordada por um militar loiro, alto e jovem durante sua prisão. Seu testemunho: "Ele começou a me abraçar e dizia que estava sozinho, longe de sua mulher. Eu pedia para ele se afastar, ficar longe de mim. Pegou uma arma e queria que eu a segurasse. Dizia para eu matá-lo. Queria que minhas impressões digitais ficassem na arma. Não peguei.
A imprensa publicou que eu tive um filho desse militar. Outros disseram que fiz um aborto. Li essa notícia em uma revista, no México. Isso me abalou muito, tive uma depressão. Depois aceitei". Maurina viveu 14 anos no México, cinco dos quais na zona rural, visitando doentes, trabalhando com famílias e promovendo encontros de casais. Voltou ao Brasil depois que a hipófise começou a incomodá-la. Até hoje, a congregação das franciscanas não gosta que ela fale sobre o assunto.
"Não houve estupro", garante o frade dominicano Manoel Borges da Silveira, 67 anos, irmão de Maurina. Frei Manoel credita a versão da gravidez ao fato de Maurina ser uma religiosa de vida casta e recatada. Mas não se incomodou com o fato de o livro reacender especulações a respeito. "Naquela época era proibido falar sobre tortura, e esse fantasma continuou por muito tempo. Por isso o livro é bom, para acabar com um tabu."
Carlos Fico, historiador da UFRJ, diz que era comum boatos como o estupro da irmã serem propagados pelo aparelho repressor para difamar a imagem do torturado.
No contexto geral da época, o brasilianista Kenneth Serbin, 51, vê na elite um entendimento de que a polícia poderia agir a seu modo contra opositores ao governo.
Para a jornalista Matilde Leone, que lançou um livro sobre a freira, outra dúvida é sobre o papel da igreja na proteção da religiosa.
"Ela estava com religiosos [quando foi chamada pela polícia]. Ela foi sozinha se encontrar [com o delegado], ficou desprotegida."
Embora tenha permanecido reservada até o final da vida sobre o que de fato ocorreu na prisão, sempre negando publicamente o estupro e a gravidez, há pelo menos um registro de que a freira teria confirmado parcialmente o fato: em uma conversa com a jornalista Denise Assis, autora do livro Imaculada, inspirado na história da religiosa. Em depoimento à Comissão da Verdade de São Paulo, em 2014, Assis indicou que a Igreja teria buscado minimizar os acontecimentos e silenciar a versão real, que diz ter ouvido de Maurina. Segundo ela, esta seria a real razão das constantes negativas da freira quando questionada sobre o episódio.
O romance histórico Sombras da Repressão teve sua venda suspensa por conter alguns erros de identificação, entretanto revolve um baú de lembranças delicadas. Em parte, isso se deve à própria autora. Para recontar uma história complexa e turbulenta, a jornalista criou um personagem fictício que colocou mais lenha na fogueira. É Felipe Castro, um jovem mexicano, filho adotivo, que desembarca em Ribeirão Preto à procura da mãe verdadeira. Na busca angustiada, ele conhece pessoas que passaram pela prisão e foram torturadas. No desenrolar da trama, há referências ao suposto filho de Maurina. "Considero esse livro um esboço. Felipe não existe, o que há é um manto muito denso cobrindo a história de Maurina", explica Matilde Leone. Alguns parentes da madre viram com desagrado o personagem mexicano.
Por sua tortura e prisão, os delegados Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano foram excomungados pelo frei Felício da Cunha. Depois desse episódio, Madre Maurina não foi mais torturada. Pesquisadores do período dizem que essa ação surtiu efeito, pois boa parte dos militares era católica e, por incrível que pareça, temiam tal punição. A revista Veja apontou Lamano como o 12º maior torturador da época da ditadura militar.
A freira, membro da Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição, passou pelo quartel de Ribeirão Preto, presídio em Cravinhos, Presídio Tiradentes e pela penitenciária feminina do Tremembé, onde soube de seu exílio forçado para o México, em 1970, em troca do Cônsul Japonês Nabou Okuchi, que havia sido sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Voltou ao Brasil 15 anos depois, em 1985. Sofrendo de Alzheimer, Madre Maurina morreu aos 84 anos, em 2011, em Araraquara.
Fontes:
wikipedia.org
al.sp.gov.br
revistaepoca.com.br
memorialdaresistenciaspo.gov.br
observatoriodaimorensa.com.br
google.com
gazetadopovo.com.br
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