Em tempos de influenciadores e coachs, lembrei-me desse conto de Machado de Assis do livro "Papéis Avulsos'', o segredo do bonzo, publicado originalmente no jornal "A Gazeta de Notícias" em 1882.
Machado de Assis
Este conto narrado em primeira pessoa é um relato de supostas experiências vividas por Fernão Mendes Pinto (explorador e aventureiro português do século XVI) quando esteve no reino de Bungo. No início do conto o narrador anuncia que falará sobre uma doutrina que possui diversos benefícios para a alma e por isso deve ser divulgada.
No ano de 1552, ao caminhar com seu amigo Diogo Meireles pelas ruas de Fuchéu no reino de Bungo, Fernão se depara com uma multidão perplexa reunida em torno de um homem chamado Patimau. Este homem estava defendendo que os grilos teriam surgido do ar e das folhas de coqueiro sob a luz da lua nova. Ele termina seu pensamento dizendo que somente alguém com seu estudo e conhecimento poderia realizar esse descobrimento. Em seguida, o povo ovaciona Patimau e sai carregando-o pela cidade e lhe servindo de regalias.
"Atrás deixei narrado o que se passou nesta cidade Fuchéu, capital do reino de Bungo, com o padre-mestre Francisco, e de como el-rei se houve com o Fucarandono e outros bonzos, que tiveram por acertado disputar ao padre as primazias da nossa santa religião. Agora direi de uma doutrina não menos curiosa que saudável ao espírito, e digna de ser divulgada a todas as repúblicas da cristandade. Um dia, andando a passeio com Diogo Meireles, nesta mesma cidade Fuchéu, naquele ano de 1552, sucedeu deparar-se-nos um ajuntamento de povo, à esquina de uma rua, em torno a um homem da terra, que discorria com grande abundância de gestos e vozes. O povo, segundo o esmo mais baixo, seria passante de cem pessoas, varões somente, e todos embasbacados. Diogo Meireles, que melhor conhecia a língua da terra, pois ali estivera muitos meses, quando andou com bandeira de veniaga (agora ocupava-se no exercício da medicina, que estudara convenientemente, e em que era exímio) ia-me repetindo pelo nosso idioma o que ouvia ao orador, e que, em resumo, era o seguinte: - Que ele não queria outra coisa mais do que afirmar a origem dos grilos, os quais procediam do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova; que este descobrimento, impossível a quem não fosse." (p.1)
No português coloquial a palavra bonzo significa sonso, dissimulado, já no português normativo a palavra bonzo significa monge.
No texto acima se observa uma crítica irônica à maneira como as massas são facilmente manipuladas por oradores medíocres e prepotentes em uma sociedade alienante.
Fernão Mendes e Diogo Meireles continuam caminhando e pouco depois deparam-se com outra cena muito parecida com a anterior: um outro homem defendia outra teoria absurda para uma multidão que o saudava.
Os dois resolvem continuar a caminhar até que se encontram com Titané, um amigo de Diogo. Ele os recebeu entusiasmado e explicando sobre a doutrina que estava sendo seguida por alguns homens da cidade que ouviram os ensinamentos de um certo bonzo.
Guiados por Titané, os dois foram no dia seguinte encontrar o tal bonzo, conhecido por Pomada. Ele conta aos dois que desde jovem sempre buscou ampliar seu conhecimento lendo diversos livros e desenvolvendo ideias. Porém, seu esforço nunca era reconhecido, mas o produto final sim. Se de nada valeriam os anos de esforço e estudo sem a existência de outras pessoas para o honrarem, sem uma plateia é como se os saberes não existissem. Assim, ele pensou em uma maneira de conseguir sucesso sem ter que passar por tanto trabalho, já que somente os resultados importavam.
"Desandando o caminho, vínhamos nós, Diogo Meireles e eu, falando do singular achado da origem dos grilos, quando, a pouca distância daquele alpendre, obra de seis credos, não mais, achamos outra multidão de gente, em outra esquina, escutando a outro homem. Ficamos espantados com a semelhança do caso, e Diogo Meireles, visto que também este falava apressado, repetiu-me na mesma maneira o teor da oração. E dizia este outro, com grande admiração e aplauso da gente que o cercava, que enfim descobrira o princípio da vida futura, quando a terra houvesse de ser inteiramente destruída, e era nada menos que uma certa gota de sangue de vaca; daí provinha a excelência da vaca para habitação das almas humanas, e o ardor com que esse distinto animal era procurado por muitos homens à hora de morrer; descobrimento que ele podia afirmar com fé e verdade, por ser obra de experiências repetidas e profunda cogitação, não desejando nem pedindo outro galardão mais que dar glória ao reino de Bungo e receber dele a estimação que os bons filhos merecem. O povo, que escutara esta fala com muita veneração, fez o mesmo alarido e levou o homem ao dito alpendre, com a diferença que o trepou a uma charola; ali chegando, foi regalado com obséquios iguais aos que faziam a Patimau, não havendo nenhuma distinção entre eles, nem outra competência nos banqueteadores, que não fosse a de dar graças a ambos os banqueteados." (p.2)
Todas as pseudo experiências são relatadas com um quê de humor, de sátira. Em muitos momentos, são mesmo risíveis. No entanto, talvez atrás dessa máscara agradável exista uma face menos bela. Usando a técnica de falar de casos aparentemente distantes da realidade e mesmo absurdos, Machado de Assis faz uma severa crítica à realidade da época, que pode perfeitamente ser aplicada aos tempos atuais. Primeiramente, no sentido de que o poder é resultado mais de astúcia e logro do que de virtude ou merecimento.
Fontes:
wikipedia.org
google.com
guiadoestudante.abril.com.br
amazon.com.br
Okada, Sandra Kaori - o segredo do bonzo - Assis, Machado - análise do conto
dominiopublico.gov.br
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