sábado, 11 de agosto de 2018

Olá, pessoal!


Em época de eleições parlamentares e do executivo vale lembrar o famoso "Discurso da Servidão Voluntária" do francês Etienne de La Boétie, publicado após a morte dele em 1563, então com 33 anos.


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Toda a sua obra ficou como legado ao filósofo Montaigne (1533 – 1592), seu amigo pessoal que, diante de uma primeira publicação – pirata – do Discurso em 1571, viu-se obrigado a se pronunciar a respeito da Obra, que procura minimizar em seus efeitos dando-lhe o epíteto de “obra de infância” e “mero exercício intelectual”. Montaigne, com todo o seu inegável brilho intelectual, era um Homem do Estado e disso não escapava. Entre muitos pontos importantes e relevantes do Discurso em si, ressalta-se: 

_ O poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo.
 _ A preferência pela república em detrimento da monarquia. _ As crenças religiosas são frequentemente usadas pelas monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo.
 _ Etienne de La Boétie afirma no Discurso a liberdade e igualdade de todos os homens na dimensão política. 
_ Evidencia, pela primeira vez na história, a força da opinião pública. 
_ Repele todas as formas de demagogia. 
_ Incursionando pioneiramente pelo que mais tarde ficará conhecido como psicologia de massas, informa da irracionalidade da servidão, desde o título provocativo da obra, indicada como uma espécie de vício, de doença coletiva. 


Tiranos de nós mesmos: a servidão voluntária na era da sociedade do desempenho


"Muita gente a mandar não me parece bem; Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém."

Assim proclamava publicamente Ulisses em Homero [Homero, Ilíada, cap. II] Teria toda a razão se tivesse dito apenas: Muita gente a mandar não me parece bem. Deveria, para ser mais claro, ter explicado que o domínio de muitos nunca poderia ser boa coisa pela razão de o domínio de um só que usurpe o título de soberano ser já assaz duro e pouco razoável; em vez disso, porém, acrescentou: Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém. Uma única desculpa terá Ulisses e é a necessidade que teve de recorrer a tais palavras para apaziguar as tropas amotinadas, adaptando (julgo) o discurso às circunstâncias mais do que à verdade. Vistas bem as coisas, não há infelicidade maior do que estar sujeito a um chefe; nunca se pode confiar na bondade dele e só dele depende o ser mau quando assim lhe aprouver. 


Mas o que vem a ser isto, afinal? Que nome se deve dar a esta desgraça? Que vício, que triste vício é este: um número infinito de pessoas não a obedecer, mas a servir, não governadas mas tiranizadas, sem bens, sem pais, sem vida a que possam chamar sua? Suportar a pilhagem, as luxúrias, as crueldades, não de um exército, não de uma horda de bárbaros, contra os quais dariam o sangue e a vida, mas de um só? Não de um Hércules ou de um Sansão, mas de um só indivíduo, que muitas vezes é o mais covarde e mulherengo de toda a nação, acostumado não tanto à poeira das batalhas como à areia dos torneios, menos dotado para comandar homens do que para ser escravo de mulheres? Chamaremos a isto covardia? Temos o direito de afirmar que todos os que assim servem são uns míseros covardes? 

Nessa parte Etienne questiona o que leva milhares ou milhões a servirem um punhados de pessoas, e ficar à mercê de suas decisões, que nem sempre representam a vontade dos representados.


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Etienne de La Boétie


Essa discussão, por sinal, está muito em voga nos tempos atuais, mas o que seria um país sem governantes e sem pessoas que liderassem ?

É claro que são necessários, líderes e chefes, mas na função de administradores, não de capatazes! São necessários pessoas que liderem de forma democrática, onde a opinião da maioria prevaleça sobre interesses e "vontades" de uma minoria.

"É estranho que dois, três ou quatro se deixem esmagar por um só, mas é possível; poderão dar a desculpa de lhes ter faltado o ânimo. Mas quando vemos cem ou mil submissos a um só, não podemos dizer que não querem ou que não se atrevem a desafiá-lo. Como não é covardia, poderá ser desprezo, poderá ser desdém? Quando vemos não já cem, não já mil homens, mas cem países, mil cidades e um milhão de homens submeterem-se a um só, todos eles servos e escravos, mesmo os mais favorecidos, que nome é que isto merece? Covardia? Ora todos os vícios têm naturalmente um limite além do qual não podem passar. Dois podem ter medo de um, ou até mesmo dez; mas se mil homens, se um milhão deles, se mil cidades não se defendem de um só, não pode ser por covardia. A covardia não vai tão longe, da mesma forma que a valentia também tem os seus limites: um só não escala uma fortaleza, não defronta um exército, não conquista um  reino. Que vício monstruoso então é este que sequer merece o nome vil de covardia? Que a natureza nega ter criado, a que a língua se recusa nomear? Disponham-se de um lado cinqüenta homens armados e outros tantos de outro lado; ponham-se em ordem de batalha, prontos para o combate, sendo uns livres e lutando pela liberdade, enquanto os outros tentam arrebatá-la dos primeiros: a quais deles, por conjectura, se atribui a vitória? Quais deles irão para a luta com maior entusiasmo: os que, em recompensa deste trabalho receberão o prêmio de conservar a liberdade ou os que, dos golpes que derem ou receberem, esperam tão-somente a servidão? Os primeiros têm constantemente diante dos olhos a felicidade de sua vida passada, a esperança de no porvir a poderem conservar. Preocupa-os menos o que têm de sofrer no decurso da batalha do que tudo o que vão ter de suportar eles, os filhos e toda a posteridade.

Lemos e ouvimos muitos nessa época clamaram pelo fim da democracia e a volta de regimes totalitários e autocráticos em todos mundo."

Não é por covardia que pedem isso, mas por indolência, falta de vontade de decidir e indicar alguém para fazê-lo em seu nome, ou mesmo por falta de interesse de gerir seu próprio destino, ou por ignorância, e falta de informação.

Regimes ditatoriais e todos os tempos na História se valeram de atitudes como essa, da falta ou negativa de informação, ou informações deformadas para conseguirem lograr o autoritarismo e a sujeição dos liderados.

"São, pois, os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que deixassem de servir. É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios. Se fosse difícil recuperar a liberdade perdida, eu não insistiria mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais ardor do que o retorno à sua condição natural, deixar, digamos, a condição de alimária e voltar a ser homem? Mas não é essa ousadia o que eu exijo dele; limito-me a não lhe permitir que ele prefira não sei que segurança a uma vida livre. "



É impossível ler La Boétie sem nos questionarmos sobre a nossa própria situação pós-moderna e sobre os limites de nossa liberdade. Até que ponto somos livres? É óbvio que, em nossa sociedade pretensamente democrática, não cabe continuarmos falando do tirano absolutista de La Boétie — ainda que a descrição da dinâmica das relações de favorecimento e obediência seja assustadoramente atual em nosso sistema político fortemente patrimonialista. Mas seria esta a única forma de tirania?

Byung-Chul Han, no opúsculo “Sociedade do Cansaço”, discute a ascensão de um novo paradigma social, em que a sociedade disciplinar de Foucault é substituída pela sociedade do desempenho. Esse novo modelo social é movido por um imperativo de maximizar a produção. Nós, sujeitos de desempenho, somos constante e sistematicamente pressionados a aperfeiçoar nossa performance e aumentar nossa produção.

A crença subjacente, segundo Han, é a de que nada é impossível. Nós podemos fazer tudo. Estamos constantemente pressionados por um poder-fazer ilimitado. É um excesso de positividade, que se constitui em verdadeira violência neuronal — uma violência que não parte do outro, mas que é imanente ao sistema.

E por isso produzimos. Produzimos até a exaustão. E, mesmo cansados, continuamos produzindo. Uma meta é sempre substituída por outra. A tarefa nunca acaba. É frustrante e esgotante. O resultado é uma sociedade que gera fracassados e depressivos, a quem só resta recorrer a medicamentos para continuar produzindo mais eficientemente. Eliane Brum capta muito bem esse sentido da sociedade do cansaço:


Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo.

Fontes:

culturabrasil.org/zip/boetie.pdf
justificando.cartacapital.com.br
google.com.br

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