sábado, 6 de maio de 2023

Vamos falar hoje do romance do romance do escritor cearense José de Alencar, "A Pata da Gazela."




A pata da gazela José de Alencar

 I

"Estava parada na Rua da Quitanda, próximo à da Assembleia, uma linda vitória, puxada por soberbos cavalos do Cabo. Dentro do carro havia duas moças; uma delas, alta e esbelta, tinha uma presença encantadora; a outra, de pequena estatura, muito delicada de talhe, era talvez mais linda que sua companheira. Estavam ambas elegantemente vestidas, e conversavam a respeito das compras que já tinham realizado ou das que ainda pretendiam fazer. -- Daqui aonde vamos? perguntou a mais baixa, vestida de roxo claro. -- Ao escritório de papai: talvez ele queira vir conosco. Na volta passaremos pela Rua do Ouvidor, respondeu a mais esbelta, cujo talhe era desenhado por um roupão cinzento. O vestido roxo debruçou-se de modo a olhar para fora, no sentido contrário àquele em que seguia o carro, enquanto o roupão, recostando-se nas almofadas, consultava uma carteirinha de lembranças, onde naturalmente escrevera a nota de suas encomendas.''

José de Alencar



Em “A pata de Gazela”, obra de 1870, o autor retrata a sociedade brasileira, mais precisamente a carioca, do século XIX de forma irônica. Muitos consideram este livro a Cinderela brasileira.


A história envolve quatro personagens: Horácio, Leopoldo, Amélia e Laura, onde acontece um triangulo amoroso. No livro o autor tenta mostrar o quão falido é a ideia de que o belo é quem deve ser amado. Mais uma vez José de Alencar traz um pouco de realismo a um romance.





A primeira cena do livro é determinante para o seu prosseguimento. Horácio, um jovem sedutor encontra um pé de botina delicado e pequeno caído no chão, derrubado por um lacaio que passa por ele. Horácio então decide encontrar a dona daquele pequeno sapato, imaginando que a dona possua os mais perfeitos e pequenos pés, os considerados patas de uma gazela. Apaixonando-se assim pela ideia da mulher perfeita que estivesse por trás do calçado.

Do outro lado da rua durante esta cena, se encontra Leopoldo, um jovem sem uma beleza exuberante como a de Horácio, e nada sedutor, porém de bom coração, que vê Amélia passando e se apaixona por seu sorriso. Quando ela entra na carruagem, Leopoldo vê um pé aleijado que acredita ser de Amélia. Então ele cultiva um amor por ela, sem se importar se ela possuía um pé defeituoso. A história se desenrola, e ambos passam a se apaixonar por Amélia, sem saber que no mesmo dia estava junto a prima dela, Laura.


''O mancebo viu casualmente o lacaio quando passara por ele correndo, e percebeu que um objeto caíra do embrulho. Naturalmente não se dignaria abaixar para apanhá-lo, nem mesmo deitar-lhe um olhar, se não visse aparecer ao lado da vitória o rosto de uma senhora, que o aspecto da carruagem indicava pertencer à melhor sociedade. Então apressou-se, para ter ocasião de fazer uma fineza, e pretexto de conhecer a senhora, que lhe parecera bonita. Os leões são apaixonadíssimos de tais encontros; acham-lhes um sainete que destrói a monotonia das relações habituais. Quando o moço ergueu-se com o objeto na mão, já o carro dobrava a Rua Sete de Setembro. Ficou ele um momento indeciso, olhando em torno, como se esperasse alguma informação a respeito da pessoa a quem pertencia o carro. Sem dúvida a senhora era conhecida em alguma loja de fazendas; talvez tivesse aí feito compras."  (p.3)



Horácio começa a cortejar Amélia, quem ele acredita ser a dono dos sapatos, e a pede em casamento, como uma tentativa de ver seus pés. Leopoldo fica arrasado com a notícia, porém tenta não demonstrar. Certo dia, Amélia ouve Horácio contando a Leopoldo que ela nunca havia chamado sua atenção, que apenas estava com ela por acreditar que ela era a dona do sapato.

Ela então convida Horácio para ir a sua casa, e deixa aparecer um pouco dos pés mostrando um calçado para pés defeituosos. Ele foge e passa a procurar Laura, quem acreditar ser agora a dona do sapato. É então que ele descobre a verdade, que Laura possuía pés aleijados e Amélia era realmente a dona dos calçados.

Ambas eram primas e muito amigas, e usam um vestido cobrindo os pés, uma para disfarçar os pés aleijados e a outra os pés pequenos. Horácio tenta reconquistá-la, porém ela já está com Leopoldo, com quem se casa e apenas na lua de mel mostra seus pés pequenos e sem problemas.




Ao explorar a indefinição de Amélia entre o tímido Leopoldo e o sedutor Horácio, Alencar inverte a trama do conto A Cinderela: no seu romance, é a jovem, cobiçada por seu pé formoso, quem vai escolher o mais adequado entre seus pretendentes. Ajudada pela amiga Laura, ela põe os dois à prova para identificar aquele que tem a virtude de amá-la por suas características morais, e não apenas pela beleza física.

O autor cita explicitamente uma outra referência clássica: a fábula O leão amoroso de Jean de La Fontaine. Horácio, o "leão" da Rua do Ouvidor, se vê domado pela sua paixão. "O leão deixou que lhe cerceassem as garras; foi esmagado pela pata da gazela."

Horácio, considerado um príncipe da época, vê a botina na rua e apaixona-se pela misteriosa mulher com pés tão pequeninos.


"Nesse momento, porém, dobrando a Rua da Assembleia, se aproximara um moço elegante não só no traje do melhor gosto, como na graça de sua pessoa: era sem dúvida um dos príncipes da moda, um dos leões da Rua do Ouvidor; mas desse podemos assegurar pelo seu parecer distinto que não tinha usurpado o título."(p.3)



Leopoldo, menos favorecido e em luto pela perda da irmã, apaixonara-se pelo vislumbre do sorrido de Amélia.

Os dois saíram em busca da amada e Leopoldo acabou revendo-a em um teatro, depois a viu subindo em um tilburi e vislumbrou o pé da amada, que pareciam horrorosos. Isso o abalou imediatamente, mas ele não desistiu.

Horácio também a vira no teatro e depois de ver seu rastro na areia do passeio público, teve a certeza de que Amélia era a dona dos pés pequeninos e, por isso, passou a conviver com a família dela.

Amélia conhece Leopoldo na Casa de D. Clementina, e enquanto dançam ele confessa amá-la apesar de qualquer deformidade.


"Simples no traje, e pouco favorecido a respeito de beleza; os dotes naturais que excitavam nesse moço alguma atenção eram uma vasta fronte meditativa e os grandes olhos pardos, cheios do brilho profundo e fosforescente que naquele momento derramavam pelo semblante de Amélia." (p.2)

A pata da gazela é uma obra de Alencar que demonstra como o amor deve ser guiado pela alma, como Leopoldo e não pela aparência, como Horácio.


"Se com efeito o moço era Leopoldo, tinha ele sofrido grande transformação. Em vez do rapaz descuidado no seu traje, brusco em suas maneiras, sempre de cabelos arrepiados e barba revolta, aparecia um cavalheiro de boa presença, com a sóbria elegância que tão bem assenta nos homens sisudos. Essa espécie de elegância é apenas um ligeiro perfume, e não uma incrustação como a que usam os moços à moda. Com seu fino tato e longa experiência, Horácio, reconhecendo o amigo, adivinhou o segredo daquela súbita metamorfose. Ele sabia que só há um condão capaz de produzir tais encantos: é o olhar da mulher amada e amante. Ame alguém e não saiba se é retribuído. Toda sua existência se projeta nesse impulso d'alma, que se arroja para outro ser e anseia por nele infundir-se. Vive-se fora de si mesmo, alheio a seu próprio eu; como o peregrino perdido longe da pátria, o homem exilado de sua pessoa erra no espaço, em demanda de um abrigo. Desde, porém, que o homem tem certeza de ser amado, em vez de expandir-se, recolhe-se e concentra-se para saturar-se de felicidade. Já não se alheia e esquece de si; ao contrário, sente-se elevado acima do que era; respeita em sua pessoa o homem amado."



Fontes:

coladaweb.com
dominiopublico.gov.br/a-pata-da-gazela
wikipedia.org
resumopronto.site
google.com

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