terça-feira, 16 de maio de 2023

Vamos falar de uma das obras do período sertanista de José de Alencar, o Sertanejo, publicado em 1875.





PRIMEIRA PARTE 

 I – O comboio



 "Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é o sertão de minha terra natal. Aí campeia o destemido vaqueiro cearense, que à unha de cavalo acossa o touro indômito no cerrado mais espesso, e o derriba pela cauda com admirável destreza. Aí, ao morrer do dia, reboa entre os mugidos das reses, a voz saudosa e plangente do rapaz que aboia o gado para o recolher aos currais no tempo da ferra. Quando te tomarei a ver, sertão da minha terra, que atravessei há muitos anos na aurora serena e feliz da minha infância? Quando tornarei a respirar tuas auras impregnadas de perfumes agrestes, nas quais o homem comunga a seiva dessa natureza possante? De dia em dia aquelas remotas regiões vão perdendo a primitiva rudeza, que tamanho encanto lhes infundia. A civilização que penetra pelo interior corta os campos de estradas, e semeia pelo vastíssimo deserto as casas e mais tarde as povoações." (p.1)




Nos primeiros capítulos do livro o narrador apresenta primeiro a paisagem do sertão, para depois aparecer com o personagem principal e enredo.





A história de O sertanejo se passa no nordeste e tem como personagem-narrador Severino, uma pessoa que tenta se definir ao longo da obra mas não consegue, então passa a ser uma figura genérica que representa o povo daquela região. Ele é representante de um povo sofrido, que luta contra a fome, sede e miséria.

O personagem principal do romance é Arnaldo Loureiro, um vaqueiro típico do sertão cearense, trabalha para o capitão mor, Arnaldo Campelo, e nutre uma paixão pela meia irmã do capitão, D. Flor, que está prometida para Leandro Barbilho, e é cortejada também por Marcos Fragoso.


"—' O capitão Marcos Fragoso, de jornada para sua fazenda do' Bar'gado com êrstes amigos que lhe fizeram o obséquio de sua com'pan'hia', 'não podia, passando a primeira vez pela Oiticica, faltar à'cortesia de saudar o sr. capitão-mor Gonçalo Pires Campelo, como vizinho, e ainda mais como filho de um velho amigo seu, o coronel Fragoso. — O capitão Marcos Fragoso e seus amigos serão sempre bem vindos à nossa casa, e nos darão prazer se quiserem receber o agasalho que lhe oferecemos de boa vontade." (p.50)

....


"— E Flor? O capitão-mor refletiu antes de responder: — Já temos pensado no seu futuro, D. Genoveva, disse o capitão-mór. — Ela está com dezenove anos. — Até os vinte não é tarde. — Mas o noivo? — Eis a dificuldade. Lembrámo-nos primeiro, de nosso sobrinho, Leandro Barbalho, de Pajeú de Flores. Agora com a vinda do Marcos Fragoso ao Bargado, estamos em dúvida, qual nos convenha melhor. — O Marcos Fragoso, sr. Campelo, o filho do coronel? Acha que Flor pode casar com êle? — Se formos a esperar que apareça um mancebo com dotes para merecer a nossa filha, D. Genoveva, ela não casará nunca, pois onde está êsse? Nem que vamos a Lisboa procurá-lo na melhor fidalguia do reino, acharemos um marido como nós o queríamos para Flor. Assim que temos de escolher entre o que há; e o Marcos Fragoso é dos poucos; as maldades do pai, êle não as herdou, com o grosso cabedal de sua casa. — Diziam tanta coisa dêsse moço no Recife! observou D. Genoveva abaixando os olhos com o recato calmo de uma senhora. — Rapaziadas que passam; quando for marido de Flor, ele não se atreverá a faltar-nos ao respeito; pois sabe que não lhe perdoaríamos o menor descomedimento. — O Leandro sempre é parente. — Mas não é tão abastado como o Marcos Fragoso; e não tem o seu porte fidalgo, respondeu o capitão-mor que era homem das formas. Lá no campanário da capela, acabava de soar a primeira badalada do toque de ave-maria. O som argentino da sineta vibrando nos ares foi repercutir ao longe no burburinho da floresta, de envolta com o mugir do gado e os rumores da herdade." (p.66)


O casamento com Leandro Barbalho, sobrinho do capitão-mor e primo de D.Flor.  Rejeitado pelo pai da donzela Fragoso engendrou um plano para atacar a fazenda e raptar a moça.

"— É uma emboscada, disse o velho. 
— A quem? perguntou Arnaldo. 
— Ao Campelo. O capitão-mor é soberbo; ofendeu ao moço, este vinga-se. 
— Mas ele pretende a filha por esposa? 
— Então é que o pai a recusou. 
— Ainda não, afirmou Arnaldo"

....

"O Fragoso não podia achar melhor instrumento para seu projeto; e até, segundo rezava a crônica de Inhamuns, não seria esse dos primeiros furtos ou raptos de moça que o Onofre fizesse por conta do patrão, o qual tinha fama de grande corredor de aventuras." (p.99)

Chegou, então  o dia esperado do casamento. A fazenda estava enfeitada, a luz do sol resplandecia a alegria dos moradores e serviçais.

"Apareceu então D. Flor. A donzela vinha radiante de formosura e graça. Debuxava-lhe o talhe airoso um vestido de lhama de ouro, justo e de estreita roda como usam-se agora à moda daquele tempo. Uma petrina de setim azul recamada de rubís como uma faixa de céu estrelado, cerrava-lhe a mimosa cintura, e recortando-se em coração, debuxava um colo do mais perfeito cinzel. Eram dessa mesma teia celeste os chapins em que se engastavam as jóias de dois pés de sílfide. A túnica de veludo carmesim, atufando-se em dois elegantes falbalás, formava a cauda que a gentil donzela arrastava com o altivo garbo de uma rainha. O toucado alto, composto de crespos que borbulhavam uns sôbre outros como as ondas de uma cascata, era coroado por um diadema de brilhantes, que cintilavam aos raios do sol nascente, sôbre aquela fronte senhoril, como se a aurora brilhasse da terra para o céu. Preso por um airão de ouro, o longo véu de alva e finíssima renda de escócia, todo semeado de raminhos de alecrim e flor de laranja, com lizes de ouro, descia-lhe até os pés, e arfando às auras matutinas, formava-lhe uma nuvem diáfana. Pousava a mão calçada com luva de sêda branca no braço de Leandro Barbalho, também trajado com apuro e riqueza e pelo mesmo teor do capitão-mór com a diferença de trazer a casaca de setim verde de Macau. A esse tempo, padre Teles vestido com os paramentos sacerdotais, saía da capela acompanhado pelo sacristão, e ia ao encontro do capitão-mor recebê-lo e à sua família de hissope e turíbulo, como era então de rigor fazer aos príncipes e governadores. D. Flor conduzida pelo cavalheiro, desceu os degraus da escada, e dirigiu-se ao altar, precedida pelo capelão e acompanhada pelo capitão-mor e D. Genoveva. Alina, Justa, e outras mulheres do serviço da casa tiveram licença para assistir à cerimônia. Faziam parte do séquito e seguiam logo após do capitão-mor, três pajens negros como azeviche, vestidos à moda antiga de pelotões de cetim amarelo os quais levavam ao ombro os bacamartes do dono da Oiticica. Os agregados da fazenda estavam surpreendidos com aquele espetáculo, cuja significação muitos ainda não atinavam. Nesse enleio, olhando a formosa donzela que passava radiante e, parecia-lhes ver a imagem de Nossa Senhora da Conceição no resplendor de sua festa." (p. 146)

Nesse momento irrompe na fazenda Marcos Fragoso, com toda a seus jagunços na intenção de raptar D.Flor. Surpreendido pelo casamento ela manda seus capangas abrirem fogo!

"— Inferno! bradou em fúria. Vão casar-se.
 — O jeito é disso, observou Daniel Ferro. 
— Fogo! ordenou o moço capitão aos seus bandeiristas. 
— E a missa? perguntou o Onofre por desencargo de consciência. 
— Leve tudo o diabo! gritou Fragoso, armando o bacamarte. — Então, minha gente, começa o fandango. Quero ver esta pontaria! Na cabeça do padre, que é a causa de tudo. Sem padre não se faz casamento. A bandeira do Onofre com o Marcos Fragoso à frente deu a primeira descarga, e carregou para avançar. João Correia e Daniel Ferro correram ao sítio onde tinham acampado a sua gente, para atacar de seu lado. Quanto ao Ourém, não tendo conseguido com a sua diplomacia resolver o casus belli, reservou-se para mais tarde ajustar a paz; e dando trégua à retórica, passou a mostrar que, sendo preciso, também exercitava-se nas lides de Marte, embora preferisse as de Calliope e Mercúrio. Ao estrondo da fuzilaria, houve no terreiro da Oiticica uma percussão geral, como era de prever; mas o capitão-mor, erguendo-se de um ímpeto e perfilando a corpulenta estatura, bradou com uma voz formidável: — Ao fogo, os da escolta. Ninguém mais se mova. Padre, acabe a cerimônia. Padre Teles compreendeu que sendo ele, não o agente, mas o instrumento da provocação imaginada pelo capitão-mor, devia tornar-se o alvo principal dos tiros do Fragoso empenhado sobretudo em impedir o casamento." (p 148)

O tiroteio foi intenso, e bem na hora da consagração do matrimônio, quando o sacerdote iria juntar as mãos dos noivos, Leandro Barbalho foi atingido e caiu morto. Nisso Arnaldo correu para o altar na intenção de proteger D. Flor e seus pais.

Arnaldo, sempre foi um fiel empregado do capitão-mor, e sempre teve um amor platônico pela filha dele, que nesse dia teve o triste infortúnio de ver-se viúva no dia do matrimônio.

O capitão-mor agradeceu toda a dedicação de Arnaldo e diante de sua família deu-lhe o nome de sua família.

 "— Tu és um homem, e de hoje em diante quero que te chames Arnaldo Louredo Campelo. Proferindo estas palavras em uma expansão de entusiasmo, o capitão-mor abraçou o sertanejo. Depois tomando a mão de Alina, deu-a ao Agrela." (p.151)

Alina sempre foi apaixonada por Arnaldo, e atitude dele pedindo a mão dela para o amigo Agrela, muito a decepcionou. Agrela, vendo a desilusão de Alina, disse-lhe que só aceitaria casar-se com ela quando esse fosse seu desejo.

Arnaldo foi consolar  D. Flor, sentada num banco próximo da casa grande.

"— Está triste, Flor? disse Arnaldo. A donzela sobressaltou-se: — Estou com pena de Leandro. 
— Queria-lhe muito? perguntou Arnaldo trêmulo. 
— Era meu primo; e morreu por minha causa.
 — Só?… 

O sertanejo interrogou o semblante de Flor, que pousando nele seus olhos aveludados, respondeu: — Deus não quer que eu me case, Arnaldo! No transporte do júbilo que inundou-lhe a alma, o sertanejo alçou as mãos cruzadas para render graças ao Deus que lhe conservava pura e imaculada a mulher de sua adoração. Flor corou; e afastou-se lentamente. Quando seu vulto gracioso passou o limiar da porta, Arnaldo ajoelhando, beijou o ar ainda impregnado da suave fragrância que a donzela derramava em sua passagem. "
(p.152)



Fontes:

dominiopublico.gov.br/o sertanejo
soestudantes.com
postliberal.com.br
]wikipedia.org
google.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vamos falar hoje de objeto direto e objeto indireto. O objeto direto e o indireto são termos integrantes da oração que completam o se...