sábado, 15 de julho de 2017

Olá, pessoal !




"Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa. Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito. A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: "Alice, 8 olha que são horas; o Major Quaresma já passou."

O trecho acima é do livro "O triste fim de Policarpo Quaresma" publicado em 1911 por Lima Barreto.





O livro narrado em terceira pessoa, discorre sobre a vida e os hábitos de Policarpo Quaresma, um brasileiro ufanista ao extremo, que ama a sua pátria e a considera o Brasil, o melhor entre todos os outros países.

Seu jeito metódico, e suas crenças, o levam a aprender a língua tupi, e chega mandar um requerimento à Câmara para que o tupi fosse adotado como língua oficial do Brasil.

A ação do livro se passa nos primeiros tempos da República, que tem como presidente Deodoro da Fonseca.

Chega a ser cômico, a maneira e os trejeitos do major Policarpo na suas defesas das virtudes de sua pátria.


"Defendia com azedume e paixão a proeminência do Amazonas sobre todos os demais rios do mundo. Para isso ia até ao crime de amputar alguns quilômetros ao Nilo e era com este rival do "seu" rio que ele mais implicava. Ai de quem o citasse na sua frente! Em geral, calmo e delicado, o major ficava agitado e malcriado, quando se discutia a extensão do Amazonas em face da do Nilo. Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as manhãs, antes que a "Aurora, com seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo", ele se atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y diccionario de la lengua guaraní ó más bien tupí, e estudava o 17 jargão caboclo com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos empregados, amanuenses e escreventes, tendo notícia desse estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe por que em chamá-lo – Ubirajara. Certa vez, o escrevente Azevedo, ao assinar o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em tom chocarreiro: "Você já viu que hoje o Ubirajara está tardando?" Quaresma era considerado no Arsenal: a sua idade, a sua ilustração, a modéstia e honestidade de seu viver impunham-no ao respeito de todos."

Aprendeu a tocar violão, na época um instrumento considerado "marginal" e que representava os boêmios e os desocupados.

Policarpo, no entanto, defendia o instrumento, dizendo ser ele uma representação típica da cultura brasileira.

Policarpo é tido como louco e internado num hospício. Saiu depois de seis meses, e comprou um sítio, batizado por ele de "Sossego".
Lá começa a praticar a agricultura, de hortaliças e frutas e a botânica nacional, dizendo ser a mais variada e rica do mundo.



"Os colegas ouviam-no respeitosos e ninguém, a não ser esse tal Azevedo, se animava na sua frente a lhe fazer a menor objeção, a avançar uma pilhéria, um dito. Ao voltar as costas, porém, vingavam-se da cacetada, cobrindo-o de troças: "Este Quaresma! Que cacete! Pensa que somos meninos de tico-tico... Arre! Não tem outra conversa." E desse modo ele ia levando a vida, metade na repartição, sem ser compreendido, e a outra metade em casa, também sem ser compreendido. No dia em que o chamaram de Ubirajara, Quaresma  ficou reservado, taciturno, mudo, e só veio falar porque, quando lavavam as mãos num aposento próximo à secretária e se preparavam para sair, alguém suspirando, disse: "Ah! Meu Deus! Quando poderei ir à Europa!" O major não se conteve: levantou o olhar, concertou o pince-nez e falou fraternal e persuasivo: "Ingrato! Tens uma terra tão bela, tão rica, e queres visitar a dos outros! Eu, se algum dia puder, hei de percorrer a minha de princípio ao fim!"





O livro é dividido em três partes: a primeira vai até a internação de Policarpo num hospício, a segunda começa com a compra do sítio Sossego, e a terceira começa quando Policarpo volta para a cidade e participa de uma revolta, que altera totalmente a rotina da cidade do Rio de Janeiro. Imagine como uma pessoa metódica como Policarpo se encontra num ambiente de caos instaurado pela guerra.
Por fim ele é preso, sem um motivo justificável, e termina seus dias de glória, ufanismo e patriotismo numa cela.

A história de Policarpo Quaresma, um visionário, que segundo seus críticos vivia fora da realidade cotidiana, pode ser comparada a história de D.Quixote, outro personagem que criou uma realidade própria para situar sua existência.
O próprio Quaresma do nome, lembra o resguardo dos quarenta dias após a crucificação de Cristo, a austeridade que era dado a esse período no passado pelas famílias e pela Igreja Católica. Era algo muito formal, e tradicional. Nesse período as próprias rádios só tocavam músicas sacras.


                               Paulo José e Giulia Gam

O autor Lima Barreto (1881-1922). Nasceu e morreu na cidade do Rio de Janeiro, órfão de mãe, tem uma carreira brilhante como estudante, tendo se tornado jornalista, trabalha no Ministério da Guerra (como Policarpo Quaresma) e é internado num hospício, devido seu vício de alcoolismo.
Foi um crítico feroz da primeira República, pelos privilégios das classes militares e das classes mais abastadas, e pelo ufanismo exacerbado existente na época.




Um livro que vale a pena ser lido e relido, que em muitas partes é muito atual, como nos privilégios de algumas classes sociais, na valoração de certos conceitos como de condição social, cultural e intelectual, que por vezes são deixadas de lado pela predominância da condição financeira.





 trecho do filme Policarpo Quaresma com Paulo José.


Fontes:
coladaweb.com
wikipedia.orgeduc
educação.globo.com

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