Olá, pessoal !
"Como de hábito, Policarpo Quaresma,
mais conhecido por Major Quaresma,
bateu em casa às quatro e quinze da
tarde. Havia mais de vinte anos que isso
acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra,
onde era subsecretário, bongava pelas
confeitarias algumas frutas, comprava um
queijo, às vezes, e sempre o pão da
padaria francesa.
Não gastava nesses passos nem
mesmo uma hora, de forma que, às três e
quarenta, por aí assim, tomava o bonde,
sem erro de um minuto, ia pisar a soleira
da porta de sua casa, numa rua afastada
de São Januário, bem exatamente às
quatro e quinze, como se fosse a aparição
de um astro, um eclipse, enfim um
fenômeno matematicamente determinado,
previsto e predito.
A vizinhança já lhe conhecia os
hábitos e tanto que, na casa do Capitão
Cláudio, onde era costume jantar-se aí
pelas quatro e meia, logo que o viam
passar, a dona gritava à criada: "Alice,
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olha que são horas; o Major Quaresma já
passou."
O trecho acima é do livro "O triste fim de Policarpo Quaresma" publicado em 1911 por Lima Barreto.
O livro narrado em terceira pessoa, discorre sobre a vida e os hábitos de Policarpo Quaresma, um brasileiro ufanista ao extremo, que ama a sua pátria e a considera o Brasil, o melhor entre todos os outros países.
Seu jeito metódico, e suas crenças, o levam a aprender a língua tupi, e chega mandar um requerimento à Câmara para que o tupi fosse adotado como língua oficial do Brasil.
A ação do livro se passa nos primeiros tempos da República, que tem como presidente Deodoro da Fonseca.
Chega a ser cômico, a maneira e os trejeitos do major Policarpo na suas defesas das virtudes de sua pátria.
"Defendia com azedume e paixão a
proeminência do Amazonas sobre todos os
demais rios do mundo. Para isso ia até ao
crime de amputar alguns quilômetros ao
Nilo e era com este rival do "seu" rio que
ele mais implicava. Ai de quem o citasse
na sua frente! Em geral, calmo e delicado,
o major ficava agitado e malcriado, quando
se discutia a extensão do Amazonas em
face da do Nilo.
Havia um ano a esta parte que se
dedicava ao tupi-guarani. Todas as
manhãs, antes que a "Aurora, com seus
dedos rosados abrisse caminho ao louro
Febo", ele se atracava até ao almoço com
o Montoya, Arte y diccionario de la lengua
guaraní ó más bien tupí, e estudava o
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jargão caboclo com afinco e paixão. Na
repartição, os pequenos empregados,
amanuenses e escreventes, tendo notícia
desse estudo do idioma tupiniquim, deram
não se sabe por que em chamá-lo –
Ubirajara. Certa vez, o escrevente
Azevedo, ao assinar o ponto, distraído,
sem reparar quem lhe estava às costas,
disse em tom chocarreiro: "Você já viu que
hoje o Ubirajara está tardando?"
Quaresma era considerado no
Arsenal: a sua idade, a sua ilustração, a
modéstia e honestidade de seu viver
impunham-no ao respeito de todos."
Aprendeu a tocar violão, na época um instrumento considerado "marginal" e que representava os boêmios e os desocupados.
Policarpo, no entanto, defendia o instrumento, dizendo ser ele uma representação típica da cultura brasileira.
Policarpo é tido como louco e internado num hospício. Saiu depois de seis meses, e comprou um sítio, batizado por ele de "Sossego".
Lá começa a praticar a agricultura, de hortaliças e frutas e a botânica nacional, dizendo ser a mais variada e rica do mundo.
"Os colegas ouviam-no respeitosos e
ninguém, a não ser esse tal Azevedo, se
animava na sua frente a lhe fazer a menor
objeção, a avançar uma pilhéria, um dito.
Ao voltar as costas, porém, vingavam-se
da cacetada, cobrindo-o de troças: "Este
Quaresma! Que cacete! Pensa que somos
meninos de tico-tico... Arre! Não tem outra
conversa."
E desse modo ele ia levando a vida,
metade na repartição, sem ser
compreendido, e a outra metade em casa,
também sem ser compreendido. No dia em
que o chamaram de Ubirajara, Quaresma ficou reservado, taciturno, mudo, e só veio
falar porque, quando lavavam as mãos
num aposento próximo à secretária e se
preparavam para sair, alguém suspirando,
disse: "Ah! Meu Deus! Quando poderei ir à
Europa!" O major não se conteve: levantou
o olhar, concertou o pince-nez e falou
fraternal e persuasivo: "Ingrato! Tens uma
terra tão bela, tão rica, e queres visitar a
dos outros! Eu, se algum dia puder, hei de
percorrer a minha de princípio ao fim!"
O livro é dividido em três partes: a primeira vai até a internação de Policarpo num hospício, a segunda começa com a compra do sítio Sossego, e a terceira começa quando Policarpo volta para a cidade e participa de uma revolta, que altera totalmente a rotina da cidade do Rio de Janeiro. Imagine como uma pessoa metódica como Policarpo se encontra num ambiente de caos instaurado pela guerra.
Por fim ele é preso, sem um motivo justificável, e termina seus dias de glória, ufanismo e patriotismo numa cela.
A história de Policarpo Quaresma, um visionário, que segundo seus críticos vivia fora da realidade cotidiana, pode ser comparada a história de D.Quixote, outro personagem que criou uma realidade própria para situar sua existência.
O próprio Quaresma do nome, lembra o resguardo dos quarenta dias após a crucificação de Cristo, a austeridade que era dado a esse período no passado pelas famílias e pela Igreja Católica. Era algo muito formal, e tradicional. Nesse período as próprias rádios só tocavam músicas sacras.
Paulo José e Giulia Gam
O autor Lima Barreto (1881-1922). Nasceu e morreu na cidade do Rio de Janeiro, órfão de mãe, tem uma carreira brilhante como estudante, tendo se tornado jornalista, trabalha no Ministério da Guerra (como Policarpo Quaresma) e é internado num hospício, devido seu vício de alcoolismo.
Foi um crítico feroz da primeira República, pelos privilégios das classes militares e das classes mais abastadas, e pelo ufanismo exacerbado existente na época.
Um livro que vale a pena ser lido e relido, que em muitas partes é muito atual, como nos privilégios de algumas classes sociais, na valoração de certos conceitos como de condição social, cultural e intelectual, que por vezes são deixadas de lado pela predominância da condição financeira.
trecho do filme Policarpo Quaresma com Paulo José.
Fontes:
coladaweb.com
wikipedia.orgeduc
educação.globo.com
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