terça-feira, 13 de junho de 2023

Vamos falar de outra obra do escritor Bernardo Guimarães, o Seminarista.




Sobre o autor: Bernardo Guimarães nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais em 15 agosto de 1825 e morreu na mesma cidade em 1884.  Foi patrono da Academia Brasileira de Letras e ocupou a cadeira número 5.

Bernardo Guimarães




Foi juiz municipal e professor, além de romancista. Sua obra mais conhecida foi Escrava Isaura, mas  sua melhor obra é o romance O Seminarista.

O Seminarista - Capítulo Um


A uma légua, pouco mais ou menos, da antiga vila de Tamanduá, na província de Minas Gerais, e a pouca distância da estrada que vai para a vizinha vila da Formiga, via-se, há de haver quarenta anos, uma pequena e pobre casa, mas alva, risonha e nova. Uma porta e duas janelinhas formavam toda a sua frente. Um estreito caminho, partindo da porta da casa, cortava o vargedo e ia atravessar o capão e o córrego, por uma pontezinha de madeira, fechada do outro lado por uma tronqueira de varas. Junto à ponte, de um lado e outro do caminho, viam-se duas corpulentas paineiras, cujos galhos, entrelaçando-se no ar, formavam uma arcada de verdura, à entrada do campo onde pastava o gado. Era uma bela tarde de janeiro. Dois meninos brincavam à sombra das paineiras: um rapazinho de doze a treze anos e uma menina, que parecia ser pouco mais nova do que ele. A menina era morena; de olhos grandes, negros e cheios de vivacidade, de corpo esbelto e flexível como o pendão da embaúba. O rapaz era alvo, de cabelos castanhos, de olhar meigo e plácido e em sua fisionomia como em todo o seu ser transluziam indícios de uma índole pacata, doce e branda. A menina, sentada sobre a relva, despencava um molho de flores silvestres de que estava fabricando um ramalhete, enquanto seu companheiro, atracando-se como um macaco aos galhos das paineiras, balouçava-se no ar, fazia mil passes e piruetas para diverti-la. Perto deles, espalhados no vargedo, umas três ou quatro vacas e mais algumas reses estavam tosando tranquilamente o fresco e viçoso capim. O sol, que já não se via no céu, tocava com uma luz de ouro os topes abaulados dos altos espigões; uma aragem quase imperceptível mal rumorejava pelas abas do capão e esvoaçava por aquelas baixadas cheias de sombra.  





Os pais de Eugênio, capitão Antunes e sua mulher, fazendeiros em Minas, obrigam o filho a ser padre. Eugênio passou a infância ao lado de Margarida, filha de uma agregada da fazenda. Dessa convivência nasceu o amor, e os pais do menino, para impedir o avanço dessa paixão, colocaram o filho num seminário, obrigando-o a seguir a carreira eclesiástica.



Eugênio era filho do capitão Francisco Antunes, fazendeiro de medianas posses. Trabalhador, bom e extremoso pai de família, liso e sincero em seus negócios, partidista firme, e cidadão sempre pronto para os ônus públicos, nada lhe faltava para gozar da maior consideração e respeito entre os seus conterrâneos. Antunes tinha terras de sobejo para a pouca escravatura que possuía, e portanto dava morada em sua fazenda a diversos agregados, sem lhes exigir contribuição alguma, nem em serviço nem em dinheiro. Entre esses agregados contava-se d. Umbelina, que, com sua filha Margarida e uma velha escrava, ocupava a casinha que descrevemos no capítulo antecedente. Umbelina vivia de sua pequena bitácula¹ à beira da estrada, vendendo aguardente e quitandas aos viandantes, cultivando seu quintal, pensando suas vaquinhas, e da venda de frutas, hortaliças e leite sabia com sua diligência e economia tirar um sofrível rendimento. 
(p.4)





Mesmo no seminário, Eugênio não esquece Margarida. Seus pais, então, juntamente com os sacerdotes do Seminário de Congonhas do Campo, inventam a notícia do casamento da moça, o que desilude o rapaz e o faz aceitar a carreira que lhe fora imposta.


No seminário o menino Eugênio era um exemplo de boa conduta e aplicação. Cordato, dócil e obediente, depressa granjeou a benevolência e estima dos padres, e a simpatia de seus companheiros. No estudo, porém, não deu a princípio muito boas contas de si, nem apresentou os progressos que eram de esperar de sua boa memória e inteligência. A imagem de Margarida e a saudade do lar paterno enchiam-lhe de sombra o espírito e o coração para deixarem lugar às fastidiosas lições de gramática latina. O compêndio de Antônio Pereira foi para ele um pesadelo, diante do qual teve de gemer e suar por alguns meses. Lia e relia as páginas da lição a ponto de as esfarelar para conseguir gravar na memória algumas palavras. É que eram seus olhos somente que passeavam por sobre aquelas letras mortas, que nada diziam ao seu espírito. (p.13)





Quando retorna à vila natal, já como padre, é chamado para assistir uma doente, que era a própria Margarida. A moça lhe conta toda a verdade: fora expulsa da fazenda com a mãe, passara necessidade e jamais casara, porque ainda o amava. Eugênio sente renascer o amor por Margarida e, no dia seguinte, ambos se entregam à paixão. O padre sabe que cometeu grave pecado, pois traiu os votos de castidade, o que lhe causa grande remorso.


— Sofro muito, muito!... Parece que a cada momento se me rebenta o coração — mas agora... Como o senhor veio, sinto-me feliz; já não morro tão sozinha... Tão desamparada. — Desamparada!... pois onde está seu marido? — Meu marido!... Exclamou a moça atônita. — Tenho eu algum marido?... — Pois a senhora não casou-se!? — Eu? Quem lhe disse isso?... — Disseram-me; então não é verdade?... — Não; nunca!... Quiseram casar-me, isso sim; mas eu nunca quis... Meu Deus! por que haviam de enganá-lo assim?... — Ah! Meu pai! Meu pai! — murmurou consigo o padre agora compreendo tudo... Para que semelhante mentira?... Pobre Margarida! — continuou dirigindo-se à moça — como zombaram cruelmente de ti, e de mim!... (p.67)



No dia em que se preparava para rezar sua primeira missa, é chamado para encomendar um cadáver que acabara de chegar à igreja. O corpo era o de Margarida. Eugênio não suporta o impacto da morte da amada e, na hora de sua primeira missa, acaba endoidecendo.

A missa do padre novo, que gozava de uma grande nomeada de sabedoria e santidade, tinha atraído à igreja um numeroso e brilhante concurso. O pai e a mãe de Eugênio estavam no auge do contentamento. Chegando à escada que sobe para o altar-mor o padre parou, e quando já todos de joelhos esperavam que rezasse o "introito", viram-no com assombro arrancar do corpo um por um todos os paramentos sacerdotais, arrojá-los com fúria aos pés do altar, e com os olhos desvairados, os cabelos hirtos, os passos cambaleantes, atravessar a multidão pasmada, e sair correndo pela porta principal. Estava louco... Louco furioso. (p.74)


O livro veio a público um ano depois de uma forte campanha através dos jornais contra o episcopado no Rio de Janeiro, num episódio conhecido na história do Brasil como a "Questão religiosa"². A obra teve grande repercussão. Nela, o autor fez algumas críticas sociais, sendo as mais importantes as dirigidas ao patriarcalismo da época, ao celibato clerical e o autoritarismo das famílias do século XIX, que impediam o jovem de seguir um caminho escolhido.


¹ - pequena venda, vendinha

² Durante o segundo reinado, o papa Pio IX fez uma bula determinando a excomunhão de todos os católicos que abraçassem a maçonaria, o que foi totalmente desconsiderado pelo imperador Pedro II.

A obra foi adaptada para o cinema no filme O Seminarista de Geraldo Santos Pereira, lançado em 1977.


O Seminarista - 1977 (trailer)


Fontes:

wikipedia.org
portugues.seed.pr.gov.br
ebiografia.com
coladaweb.com
mundoeducacao.uol.com.br
youtube.com
languages.oup.com/google-dictionary-pt
Guimaraes, Bernardo - O seminarista - Ed. Ática - 1991

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