Segundo romance do renomado escritor brasileiro Machado de Assis, "A mão e a luva" foi publicada originalmente em folhetins no jornal O Globo entre 26 de setembro e 3 de novembro de 1874.
CAPÍTULO PRIMEIRO / O FIM DA CARTA —
Mas o que pretendes fazer agora?
— Morrer.
— Morrer? Que ideia!
Deixa-te disso, Estevão. Não se morre por tão pouco...
— Morre-se. Quem não padece estas dores não as pode avaliar. O golpe foi profundo, e o meu coração é pusilânime; por mais aborrecível que pareça a ideia da morte, pior, muito pior do que ela, é a de viver. Ah! tu não sabes o que isto é?
— Sei: um namoro gorado... — Luís!
— ...E se em cada caso de namoro gorado morresse um homem, tinha já diminuído muito o gênero humano, e Maltus perderia o latim. Anda, sobe. Estevão meteu a mão nos cabelos com um gesto de angústia; Luís Alves sacudiu a cabeça e sorriu. Achavam-se os dois no corredor da casa de Luís Alves, à Rua da Constituição, — que então se chamava dos Ciganos; — então, isto é, em 1853, uma bagatela de vinte anos que lá vão, levando talvez consigo as ilusões do leitor, e deixando-lhe em troca (usurários!) uma triste, crua e desconsolada experiência.
Eram nove horas da noite; Luís Alves recolhia-se para casa, justamente na ocasião em que Estevão o ia procurar; encontraram-se à porta. Ali mesmo lhe confiou Estevão tudo o que havia, e que o leitor saberá daqui a pouco, caso não aborreça estas histórias de amor, velhas como Adão, e eternas como o Céu. Os dois amigos demoraram-se ainda algum tempo no corredor, um a insistir com o outro para que subisse, o outro a teimar que queria ir morrer, tão tenazes ambos, que não haveria meio de os vencer, se a Luís não ocorresse uma transação.
— Pois sim, disse ele, convenho em que deves morrer, mas há de ser amanhã. Cede da tua parte, e vem passar a noite comigo. Nestas últimas horas que tens de viver na terra dar-me-ás uma lição de amor, que eu te pagarei com outra de filosofia. (A mão e luva cap. I)
Desde o início da obra, em que vemos um exagerado Estevão pensando em se matar por causa da rejeição de Guiomar, sendo consolado por um não tão consolador e frio Luis Alves, Machado situa seu enredo em torno de diferentes retratos do amor. Como disse, Estevão é um típico romântico exagerado, construído narrativamente como uma espécie de personificação do ultrarromântico, isto é, o desenvolvimento do lado egocêntrico e melancólico da idealização romântica. Por outro lado, o amigo de faculdade de Estevão, Luis Alves, prega o cinismo em relação à paixão, prezando pela ambição da carreira e os interesses pessoais acima de encontrar sua cara metade.
No romance podemos acompanhar a vida de Guiomar, que no início da história conta com apenas 17 anos. A moça é afilhada de uma baronesa e possui um enorme desejo de ascender socialmente.
Durante o enredo, Guiomar é disputada e cortejada por três homens distintos: Jorge, Estevão e Luís Alves. Cada um possui uma personalidade diferente e busca conquistar Guiomar de formas diferentes.Estevão é o típico homem romântico, que ama Guiomar de uma forma pura e inocente, mas extremamente passional, já que ele é bem sentimental.
Jorge é um homem muito calculista, que decide conquistar a moça se aproximando daquelas que moram junto com ela: a baronesa e a empregada inglesa, Mrs. Oswald, uma confidente leal de Guiomar.
Luís Alves é o último a cortejar Guiomar, pois só passa a admirá-la com o passar do tempo, mas é um homem resolvido, esperto e muito ambicioso.
Em meio a essa batalha, Guiomar acaba por dispensar Estevão, mas fica em desespero com Jorge, que convence a baronesa e Mrs. Oswald de que ele era o melhor partido para a moça e pede a mão dela em casamento.
Com isso, Mrs. Oswald conversa muito com Guiomar e diz para ela o quanto Jorge seria um bom marido. Porém, logo no dia seguinte do pedido feito por Jorge, Luís Alves decide pedir a mão da moça em casamento a partir de um bilhete que Guiomar havia mandado para ele, o que gera uma confusão na casa.
A baronesa pede que Guiomar escolha entre os dois, e ela acaba por escolher Jorge, pois não queria que a madrinha ficasse desapontada e zangada. Porém, a senhora vê que Guiomar prefere Luís e está apaixonada pelo moço, e decide consentir o casamento entre os dois.
"Guiomar tivera humilde nascimento; era filha de um empregado subalterno não sei de que repartição do Estado, homem probo, que morreu quando ela contava apenas sete anos, legando à viúva o cuidado de a educar e manter. A viúva era mulher enérgica e resoluta, enxugou as lágrimas com a manga do modesto vestido, olhou de frente para a situação e determinou-se à luta e à vitória. A madrinha de Guiomar não lhe faltou naquele duro transe, e olhou por elas, como entendia que era seu dever. A solicitude, porém, não foi tão constante a princípio como veio a ser depois; outros cuidados de família lhe chamavam a atenção. Guiomar anunciava desde pequena as graças que o tempo lhe desabrochou e perfez. Era uma criaturinha galante e delicada, assaz inteligente e viva, um pouco f travessa, decerto, mas muito menos do que e usual na infância. Sua mãe, depois que lhe morrera o marido, não tinha outro cuidado na Terra, nem outra ambição mais, que a de vê-la prendada e feliz. Ela mesma lhe ensinou a ler mal, como ela sabia, _ e a coser é bordar, é o pouco mais que possuía de seu ofício de mulher." (p.45)
Assim termina a história de “A Mão e a Luva”, com o casamento de Guiomar e Luís, enquanto Jorge fica conformado com sua falta de sorte e Estevão sonha com seu suicídio durante o casamento.
O título do livro é explicado durante o final da história, com o seguinte trecho:
“— Mas que me dá você em paga? Um lugar na Câmara? Uma pasta de ministro?
— O lustre do meu nome, respondeu ele.
Guiomar, que estava de pé defronte dele, com as mãos presas nas suas, deixou-se cair lentamente sobre os joelhos do marido, e as duas ambições trocaram o ósculo fraternal. Ajustavam-se ambas, como se aquela luva tivesse sido feita para aquela mão...”
Assim, podemos ver como Guiomar e Luís Alves combinam e são feitos um para o outro, como uma luva é feita sob medida para uma mão, já que ambos são jovens ambiciosos e resolutos, por isso o título do livro: “A Mão e a Luva”.
Machado de Assis busca a desconstrução do Romantismo ao colocar o amor como um sentimento baseado em perspectivas, classes sociais e interesses, e não como emoção idealizada. Vemos essa abordagem no próprio personagem de Estevão, no qual o autor utiliza o ultrarromantismo e o pragmático para continuamente destruir a visão de mundo fantasiosa do personagem.
Fontes:
wikipedia.org
planocritico.com
querobolsa.com.br
books.googleusercontent.com
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