terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Angustia de Graciliano Ramos.




Graciliano Ramos nasceu no estado de Alagoas em 27 de outubro de 1892, e faleceu no Rio de Janeiro em 20 de março de 1953. Sua obra mais conhecida foi Memória do Cárcere.

Foi prefeito no município de Palmeiras dos Índios em Alagoas, entrou no PCB em 1945, sua obra faz parte do estilo Naturalista. O livro Angustia é considerado pelos críticos como sua melhor obra.

Livro - Angustia


"Julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me

perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que

se misturam à realidade e me produzem calafrios.

Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que

eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão

gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa.

Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de

uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali

pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. E uma espécie de

prostituição. Um sujeito chega, atento, encolhendo os ombros ou estirando o beiço,

naqueles desconhecidos que se amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma

opinião à-toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, mostram as

letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama."


Angústia é um romance publicado por Graciliano Ramos em 1936. Nesta época Graciliano estava preso pelo governo de Vargas e contou com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, para a publicação. 

A obra apresenta um narrador em primeira pessoa, Luís da Silva, funcionário público de 35 anos, solitário, desgostoso da vida e que acaba se envolvendo com sua vizinha, Marina. Com traços existencialistas, Luís mistura fatos do passado e do presente, narra num ritmo frenético como um grande monólogo interior. 



"Se pudesse, abandonaria tudo e recomeçaria as minhas viagens. Esta vida
monótona, agarrada à banca das nove horas ao meio-dia e das duas às cinco, é
estúpida. Vida de sururu. Estúpida. Quando a repartição se fecha, arrasto-me até o
relógio oficial, meto-me no primeiro bonde de Ponta-da Terra.


Que estará fazendo Marina? Procuro afastar de mim essa criatura. Uma
viagem, embriaguez, suicídio. . . Penso no meu cadáver, magríssimo, com os
dentes arreganhados, os olhos como duas jabuticabas sem casca, os dedos pretos
do cigarro cruzados no peito fundo. Os conhecidos dirão que eu era um bom tipo e
conduzirão para o cemitério, num caixão barato, a minha Carcaça meio bichada.
Enquanto pegarem e soltarem as alças, revezando-se no mister piedoso e cacete
de carregar defunto pobre, procurarão saber quem será o meu substituto na
Diretoria da Fazenda."

(P.5,6)


O leitor de Angústia certamente lembrará de Crime e Castigo, de Dostoiévski, pois em ambos há as angústias de um crime, o medo de ser pego, a febre; em Angústia o crime é o clímax, enquanto em Crime e Castigo é o ponto de partida para a história, e a personagem consegue a redenção.


Outra influência marcante é a dos naturalistas brasileiros, especialmente à Aluízio Azevedo, o determinismo e a animalização do homem. O narrador não quer ser um rato, luta contra isso; compara-se o tempo todo os homens aos bichos, porcos, formigas, ratos, e usa-se verbos de animais para as reações humanas.

"Um galo no galinheiro pôs-se a arrastar a asa a uma franga.
Eu estava fazendo ali a mesma coisa, apenas com mais habilidade e mais
demora. A franga não aparecia. Quem lá se ligasse a ela faria negócio mau, seu
Ramalho tinha razão. Se ele, que era pai, sustentava opinião assim, imaginem.
Sovaco raspado, unhas cor de sangue e sobrancelhas que eram dois traços.
Mulher pelada. Para que diabo uma pessoa arrancar as sobrancelhas.
De repente a franguinha surgiu dentro do meu reduzido campo de
observação. Como disse, eu apenas enxergava uns dez ou quinze metros do
jardim. Primeiramente distingui as biqueiras vermelhas de uns sapatos, aqueles
sapatos que, segundo a declaração de seu Ramalho, custavam cinqüenta mil-réis
e duravam um mês. Para ir ao quintal, sapato de sair e meia de seda esticada no
pernão bem feito. Ótimas pernas. As coxas e as nádegas, apertadas na saia
estreita, estavam com vontade de rebentar as costuras."

(p.58)

"Luís tentou êxito profissional no Rio de Janeiro, mas, diante do fracasso, fixa-se em Maceió, espaço da narrativa. Vive uma vida comezinha e pouco significante até apaixonar-se por sua vizinha, Marina, o que lhe traz lampejos de satisfação. Marcam casamento, e Luís gasta os poucos vinténs de suas economias para comprar o enxoval."

"Contudo, seus planos são frustrados ao descobrir que Marina estava traindo-o com Julião Tavares, sujeito rico, eufórico, eloquente, com aspirações literárias e constante ar de superioridade. O ciúme passa, então, a tomar posse de Luís, que, enganado e humilhado, mergulha em si mesmo e no transtorno da derrota.

Imerso em uma condição financeira miserável, sem condições de pagar as próprias contas, rodeado por ratos e pelos próprios fantasmas do passado, Luís vê-se incapaz de afastar Marina e Julião Tavares do pensamento. Ora seguia a moça, ora seguia o rival. Certa feita, descobriu que Julião estava envolvido também com uma outra mulher.

A obsessão com as lembranças e a fragmentação subjetiva angustiante de Luís levam-no a maquinar o assassinato de Julião Tavares. Até que, em uma de suas perseguições, Luís encontra a oportunidade perfeita e estrangula Julião. Tomado de euforia e de súbita felicidade, sentiu-se repentinamente forte, não mais insignificante — naquele momento, seus sofrimentos evanesceram-se."

"No entanto, esse lapso de alegria e reconciliação consigo dura muito pouco: rapidamente a angústia volta a instalar-se em Luís, tomado pelo desespero de ser descoberto. Ele volta para casa, completamente perturbado, toma uma garrafa de cachaça e adormece. Não comparece ao trabalho no dia seguinte. Livra-se dos vestígios que o ligariam à cena do crime e deita-se, adoentado e transtornado mais uma vez pelas lembranças, sufocado pela angústia."

"Olhei os quatro cantos numa ansiedade, certo de que a testemunha ia de
repente dobrar a esquina e avançar na rua. Viria com passo firme, de cabeça
baixa. Quando passasse por mim, levantaria os olhos – e estaria tudo perdido.
Para que então aquele desespero, aquela agonia?
- Será o que Deus quiser. O que tem de ser tem muita força.
Era melhor voltar. Tive a ideia absurda de voltar, sentar-me outra vez no
bueiro, conversar com o vagabundo, pedir-lhe outro cigarro. E depois seguir em
frente, sempre em frente, parar debaixo da árvore que sustentava Julião Tavares.
Quando a polícia chegasse, eu contaria tudo:
- Não me matem de fome nem me deem água de bacalhau. Eu me explico.
Foi assim.
Ninguém teria interesse em descobrir incongruências nas minhas palavras.
Voltar, esperar tranquilamente as grades úmidas e pegajosas. Embrutecer-me-ia
por detrás delas, tornar-me-ia criança, ouviria as histórias ingênuas de algum José
Bafa, que me diria as virtudes da oração da cabra preta. Teriam encontrado Julião
Tavares esticado no caminho escuro? Estariam metendo uma colher na boca de
Julião Tavares? No sertão introduzem uma colher de prata na boca do homem
assassinado - e o criminoso que não sabe orações fica preso: desorienta-se e
acaba voltando para junto da vitima. Outros homens e outras mulheres tinham
passado por baixo do galho, cortado a corda, levado Juhão Tavares para uma
casa da travessa mais próxima. Estava lá o cadáver emborcado, com uma colher
de prata na boca. E eu regressaria, com medo da testemunha, que ia aparecer na
esquina. Tudo se sumiu de chofre."


"O relato de Luís da Silva corresponde em tempo e espaço ao momento em que Graciliano escreve o romance: Maceió, após o Golpe de 1930. O autor havia finalizado a revisão da última versão manuscrita no dia 3 de março de 1936. Na tarde desse mesmo dia, Graciliano Ramos foi preso pelo exército de Getúlio Vargas, acusado de subversão e associação ao comunismo, permanecendo encarcerado por quase um ano."


Fontes:

wikipedia.org
brasilescola.uol.com.br
beduka.com
dosc.google.com
Ramos, Graciliano - Angustia - 1936


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