Maria Moura
Maria Lacerda de Moura nasceu em 1887, na fazenda Monte Alverne, em Manhuaçu, na então província de Minas Gerais. Em 1891, aos 4 anos de idade, mudou-se com seus pais e irmãos para a cidade de Barbacena, onde o seu pai conquistou um cargo como oficial no Cartório de Órfãos, enquanto a mãe dedicava-se à produção de doces. Começou seus estudos no externato administrado por freiras no Asilo de Órfãos da cidade e, aos 12 anos, matriculou-se na Escola Normal Municipal de Barbacena.
Sua família professava o espiritismo e adotava posições anticlericais, motivo pelo qual "recebeu o tratamento de minoria perigosa que os bispos mineiros reservavam para os protestantes e os espiritualistas de várias tendências". Segundo Miriam Lichfitz Moreira Leite, apesar do discurso cientificista e positivista adotado pelo Estado brasileiro durante a Primeira República, a Igreja Católica em Minas Gerais manteve "o seu domínio sobre o comportamento da família" e suas "articulações com a educação e a política", conservando "um lugar predominante" na educação pública até 1906.
Educadora em Barbacena e primeiros escritos
Formou-se professora pela Escola Normal Municipal de Barbacena em 1904 e em 1908, foi diretora do Pedagogium. Como educadora, Maria Lacerda engajou-se nos esforços oficiais para enfrentar o analfabetismo através das campanhas nacionais de alfabetização e reformas educacionais, participando da Campanha Barbacense de Alfabetização e de trabalhos beneficentes na cidade.
Em 1912, enviou as suas primeiras crônicas para um jornal local. Logo após as suas primeiras publicações — de acordo com uma autobiografia publicada no periódico O Combate em agosto de 1929 —, Maria Lacerda iniciou uma "luta de ideias" com um familiar, que a censurava pedindo "mais moderação" e lhe afirmava que "certas verdades não se dizem" Em 1918, publicou o seu primeiro livro, Em torno da educação, constituído de crônicas e conferências que realizou em Barbacena sobre o tema, e a partir do qual estabeleceu contatos com intelectuais de Belo Horizonte, São Paulo, Santos e Rio de Janeiro. No mesmo período, iniciou correspondências com José Oiticica e Galeão Coutinho e conheceu as ideias pedagógicas da médica Maria Montessori e dos educadores Paul Robin, Sebastien Faure e Francisc Ferrer y Guardia.
Ela foi entrevistada em 1928, pela escritora Raquel de Queirós, que estava escrevendo o romance " Memorial de Maria Moura", que falava sobre uma mulher nordestina que passou de sinhazinha para cangaceira. Raquel de Queirós queria dar à personagem uma visão de mulher forte e decidida.
Ainda em Barbacena, Maria Lacerda esteve ligada a associações femininas e feministas. De acordo com a sua biógrafa Miriam Lichfitz Moreira Leite, Maria Lacerda "manifestara sua preocupação com a condição feminina e com as maneiras de transformá-la" desde 1919 e, nesse sentido, procurou "resolver o problema dos menores abandonados em Barbacena, despertando o interesse das alunas para a população desprovida de recursos" e divulgou "as iniciativas associativas de alguns movimentos feministas de que tinha notícia pelos periódicos das cidades maiores", incluindo os movimentos sufragistas do Rio de Janeiro e do exterior. Ao "entusiasmo pela defesa dos direitos da mulher à cidadania", Maria Lacerda uniu "o interesse pelo estudo da condição feminina". Seus escritos em Barbacena mantiveram a atenção voltada aos acontecimentos das grandes cidades, de onde vinham os periódicos, e enquanto "escrevia ou falava a suas alunas, estava frequentemente revelando as informações que as capitais lhe forneciam".
Em 1919, publicou Renovação e realizou as suas primeiras conferências fora de sua cidade. Em 1920, discursou na sede da Federação Operária Mineira (FOM) em Juiz de Fora e, em 1921, realizou uma conferência na cidade de Santos. Nas palavras de sua biógrafa, essas conferências "estabelecerão as pontes para a saída de Maria Lacerda de Barbacena".
Maria Lacerda de Moura se definia como intelectual, pacifista e feminista. Na imprensa, escreveu sobre os movimentos em que militou sem deixar de criticá-los: o feminismo, por não acolher mulheres negras e pobres; o comunismo, por pregar hierarquias excessivas no governo; o anarquismo, por ser tão radical a ponto de não aproveitar boas estratégias de outros sistemas políticos. A descrição poderia ser a de muitas jovens de hoje, mas pertence a uma mulher que viveu no século passado, e que foi uma das primeiras feministas do Brasil.
Nascida há 130 anos, em Manhuaçu (MG), Lacerda partia das próprias reflexões sobre a opressão da mulher para lutar contra outras formas de opressão, como a de classe. Por seu destaque como porta voz e crítica destes movimentos, chegou a ser conferencista tanto no Brasil quanto em outros países da América do Sul, tratando de temas polêmicos naquele contexto e ainda hoje, como direitos femininos, maternidade compulsória, antifascismo, amor livre e antimilitarismo.
“Seus escritos trazem questões datadas e também questões ainda muito atuais”, escreveu, em um artigo, a professora Miriam Moreira Leite, estudiosa da vida de Lacerda e diretora do documentário Maria Lacerda de Moura – Trajetória de uma Rebelde (2003).
Moreira Leite afirma que a luta da feminista centrava-se no “esclarecimento da mulher sobre sua situação de escrava da família e do marido, ou sua marginalização como solteirona ou prostituta”, e era posta em prática pela ideia de que as mulheres e as classes oprimidas em geral só conseguiriam qualquer tipo de emancipação quando alcançassem a liberdade intelectual: “Enquanto não souber pensar [a mulher] será instrumento passivo em favor das instituições do passado. E ela própria, inconsequente, trabalhará pela sua escravidão”, escreveu em 1922.
Esta emancipação intelectual era algo que ela mesma reconhecia, por experiência própria, como algo de difícil alcance. Por isso, esforçava-se para militar na esfera da educação, e falava, em seus textos, sobre tudo aquilo que julgava ser opressor: “Seus temas vão desde o Estado e o serviço militar obrigatório aos métodos de contracepção e a uma noção muito específica de amor”, explica a professora Ana Lúcia Ferraz, codiretora do documentário. “Sua posição diferia de todas as outras em sua época. Por isso, ela não foi adotada por nenhum movimento.”
Anarquista, Lacerda não deixou de questionar o próprio anarquismo ao perceber que o movimento repudiava o sistema de educação comunista da União Soviética, que ela achava um bom modelo. Sufragista, colocou em xeque o movimento pelo voto feminino porque percebeu que as militantes também exploravam outras mulheres, mais pobres, nos trabalhos domésticos. Feminista, criticou o feminismo do início do século 20, pois entendia que a palavra “feminismo” estava perdendo seu significado de luta e se tornando uma espécie de moda – razão pela qual não poderia aceitar “nem o feminismo de votos, muito menos o feminismo de caridade”, como escreveu em texto de 1928.
Dentro da imprensa operária, escreveu em publicações anarquistas importantes como o jornal A Plebe e a revista Renascença, além de outros jornais independentes e progressistas como O Combate e O Ceará. Nestes textos, Lacerda falava principalmente de pedagogia e educação, mas não deixava de denunciar a opressão sofrida por mulheres e crianças.
“Sou ‘indesejável’, estou com os individualistas livres, os que sonham mais alto, uma sociedade onde haja pão para todas as bocas, onde se aproveitem todas as energias humanas, onde se possa cantar um hino à alegria de viver na expansão de todas as forças interiores, num sentido mais alto – para uma limitação cada vez mais ampla da sociedade sobre o indivíduo”, escreveu na época.
Por suas ideias, foi amplamente criticada principalmente em publicações pró-fascismo, mas também defendida por estudantes de esquerda e até por grandes nomes, como a romancista Rachel de Queiroz. Mesmo após a sua morte, em 1945, Lacerda não entrou para a história oficial, nem tampouco é citada em estudos sobre anarquismo no Brasil, segundo Moreira. E mesmo em outras esferas, como no feminismo, pouco se fala sobre ela. Mesmo assim, para Ferraz, sua importância está marcada.
“Maria Lacerda se destaca pela escrita como forma de fazer política”, afirma. “Sua obra dialoga com seus contemporâneos e com autores clássicos, sua erudição não deixa de ser profundamente engajada nos debates de seu tempo, com uma visão radicalmente libertária que interroga sobre o lugar da mulher na formação de nossas sociedades.”
Seu trabalho foi investigado por anarcofeministas, anarquistas e feministas brasileiras e estrangeiras, com destaque à pesquisa de Miriam Moreira Leite nos anos 1980, a primeira a focar exclusivamente na vida e na obra da anarquista. Seus livros raros hoje em dia estão, aos poucos, sendo reeditados por editoras independentes, contudo, não se pode esquecer que o ato de republicar Maria Lacerda é uma ação que coletivos anarquistas já realizavam desde os anos 1990.
Fontes:
wikipedia.org
resvistacult.uol.com.br
google.com
blogs.unicamp.br
tendasdelivros.org
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