segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

"Nasço


Se serei o herói de minha própria vida, ou se essa posição será ocupada por alguma outra pessoa, é o que estas páginas devem mostrar. Para começar minha vida com o começo de minha vida, registro que nasci (conforme me informaram e acreditei) numa sexta-feira, à meia-noite. Notaram que o relógio começou a bater as horas e comecei a chorar simultaneamente. Considerando o dia e a hora de meu nascimento, a parteira e algumas mulheres sábias do bairro, que tinham um vivo interesse em mim meses antes de qualquer possibilidade de nos conhecermos pessoalmente, declararam, primeiro, que eu estava destinado a ser infeliz na vida; e, em segundo lugar, que teria o privilégio de enxergar fantasmas e espíritos; ambos os dotes inevitáveis, como elas acreditavam, a toda infeliz criança de qualquer gênero, nascida nas primeiras horas de uma noite de sexta feira."

(David Copperfield - Charles Dickens - Cap.1)

Esse longo romance do escritor britânico Charles Dickens, o meu exemplar tem 762 páginas, narra a sua própria .





Dickens usa incidentes de sua vida para criar um enredo, uma concentração de mundos morais e sociais numa tela ampla para contar sua história a partir do seu personagem-título, olhando para trás, sobre os altos e baixos da sua longa vida. O romance é uma crítica social de Dickens a uma sociedade vitoriana que tinha muito poucas salvaguardas contra os maus-tratos aos pobres e, em particular, nos seus centros industriais.

Charles Dickens


A razão para este cenário é o fato de Dickens ter nascido na cidade de Portsmouth, Inglaterra, em 1812. Quando criança, ele mudou-se para Chathan, onde viveu uma infância agradável. Muitas cenas de sua infância estão entrelaçadas ao longo desse romance em particular. As habilidades de escrita de Dickens são óbvias. Um livro que pode ser lido por todas as pessoas, um romance fácil de entender, em que a escrita se move rapidamente. Rico em metáforas. Um clássico que, segundo alguns de seus grandes leitores, pode ser considerado o seu melhor trabalho.

Vamos ao romance? Em uma pequena cidade da Inglaterra, David nasceu em uma sexta feira à meia-noite, que é considerado um sinal de má sorte. O pai de David morreu antes de conhecer seu filho. David encontra apoio em sua mãe e em sua governanta, Peggoty. A mãe de David, no entanto, sente a necessidade de ter um marido após ficar viúva. e, em seguida, se casa com Mr. Murdstone, um homem severo e insensível. Eles também acolhem em sua casa a irmã de Mr. Murdstone. Na convivência diária, os Murdstones tentam afastar o garoto. Um colégio interno seria a solução. Até que o inevitável acontece. Numa briga entre o Sr. Murdstone e David, o menino acaba mordendo a mão do seu “padrasto” após levar uma surra dele. E seu destino acaba sendo um colégio interno.


"Ele me levou para meu quarto devagar, com gravidade, tenho certeza de que tinha prazer naquele cortejo formal de execução da justiça, e quando chegamos lá, de repente torceu minha cabeça debaixo do braço. – Senhor Murdstone! – exclamei para ele. – Não! Imploro que não me bata! Eu tentei aprender, mas não consigo aprender quando o senhor e a senhorita Murdstone estão perto. Não consigo mesmo! – Não mesmo, David? – ele perguntou. – Vamos tentar isto aqui. Ele apertou minha cabeça como num torno, mas eu girei em volta dele de alguma forma e o detive por um momento, pedindo que não me batesse. Foi apenas por um momento que o detive, porque ele me dominou pesadamente um instante depois e no mesmo instante peguei entre os dentes a mão com que ele tapava minha boca e mordi. Sinto meus dentes só de pensar nisso. Ele então me bateu como se quisesse me espancar até a morte. Por cima de todo o barulho que fazíamos, ouvi quando subia uma escada, gritando, ouvi minha mãe gritando, e  Peggotty. Então ele saiu e trancou a porta por fora, eu caído, febril, acalorado e machucado, dolorido, raivoso em minha fragilidade, no chão."
                                                                    (p.54)




Finalmente, ao se mudar para o colégio interno em Salem House, que é dirigido por um homem chamado Mr. Creakl, David conhece novos amigos, entre eles: James Steerforth, um colega que vai se tornar seu maior amigo e companheiro, e Tommy Traddles. Dickens exibe um contraste entre esses dois personagens. A única coisa em comum que compartilham é a sua estreita amizade com David Copperfield. Charles Dickens mostra essas diferenças através de seus olhares, personalidades e os resultados finais de suas vidas.

A mãe de David morre juntamente com sua filha recém-nascida, e David volta para casa, onde os Murdstones o colocam para engarrafar vinhos. Trabalhando num cenário absolutamente inóspito, acaba conhecendo o Sr. Micawber, um homem com muitos problemas financeiros. Quando Micawber deixa Londres para escapar dos seus credores, David Copperfield resolve procurar a irmã de seu pai, a senhorita Betsey Trtwood. Ele caminha muitos quilômetros para chegar ao seu objetivo.

A senhorita Betsey envia David a uma escola dirigida por um homem chamado Dr. Strong. David vai morar com o Sr. Wickfield e sua filha, Agnes, enquanto ele frequenta a escola. Agnes e David tornam-se melhores amigos. Entre os pensionistas de Wickfield, encontra-se um sujeito chamado Uriah Heep, um jovem que se parece com uma cobra e que tem o costume de se envolver em assuntos que não são da sua conta. Após a graduação David procura Peggotty, que agora está casada. David reflete qual a profissão que ele deveria seguir.





Outro ponto explorado no livro é a relação entre marido e esposa, que alcançam a igualdade no relacionamento. Dickens nos dá como exemplo o casamento dos Strongs para mostrar que os casamentos podem ser felizes sem que nenhum dos cônjuges seja subjugado ao outro. Por outro lado, Dickens didaticamente nos mostra as tentativas do Sr. Mudstone de “melhorar o caráter” da mãe de David Copperfield, esmagando o seu espírito, o que a leva à morte. Para isso, a deixa mansa e sem voz por causa do seu temperamento abrasivo e imperioso e do seu caráter dominador.

"– Minha falecida e amada esposa amava seu segundo marido, minha senhora – disse o sr. Murdstone – e confiava inteiramente nele. – Sua falecida esposa, meu senhor, era uma criança totalmente alheia, infeliz e sem sorte – disse minha tia, sacudindo a cabeça para ele. – Isso é que ela era. E agora, tem mais alguma coisa a dizer? – Apenas o seguinte, senhorita Trotwood – ele retomou. – Estou aqui para levar David de volta, incondicionalmente, para dispor dele como achar conveniente e lidar com ele como achar certo. Não estou aqui para fazer nenhuma promessa, nem me comprometer com ninguém. A senhora talvez pretenda proteger o menino em sua fuga e em suas reclamações. O modo como se comporta, que devo confessar não parece nada propício, me leva a achar que isso é possível. Agora, quero alertar a senhora que, se proteger o menino desta vez, terá de proteger para sempre e em tudo; caso se coloque entre ele e mim agora, esse passo, senhorita Trotwood, será definitivo. Não estou brincando e ninguém brinca comigo. Estou aqui pela primeira e última vez para levar o menino embora. Ele está pronto para ir? Senão, e a senhora me diz que não, por algum motivo, não me importa qual, minhas portas estão fechadas para ele daqui por diante e as suas, tenho certeza, se abrem para ele." (p.179)

Ao longo do romance, Dickens critica a visão da sociedade apoiada na riqueza e nas classes sociais como medidas de valor de uma pessoa. Dickens usa Steerforth, que é rico, poderoso e nobre, para mostrar que esses traços são mais propensos a corromper do que a melhorar o caráter de uma pessoa. Nessa época havia certa tendência em ver a pobreza como um sintoma de degeneração moral, e as pessoas pobres, e deficientes físicos como merecedoras desse sofrimento. Dickens, por outro lado, simpatiza com os pobres e implica com o fato de que suas aflições resultam da injustiça da sociedade e não de suas próprias falhas.


"Isso foi dirigido ao garçom que, de longe, estivera muito atento ao nosso reencontro e avançou então, muito atencioso. – Onde você pôs meu amigo, o senhor Copperfield? – disse Steerforth. – Como disse, meu senhor? – Onde ele está dormindo? Qual é o número do quarto dele? Sabe do que estou falando – disse Steerforth. – Bom, senhor – disse o garçom em tom de desculpas. – O senhor Copperfield está atualmente no 42, sim, senhor. – E o que você acha da ideia – retorquiu Steerforth – de pôr o senhor Copperfield num quartinho em cima do estábulo? – Ora, a gente não sabia, meu senhor – replicou o garçom, ainda se desculpando –, que o senhor Copperfield era exigente. Podemos colocar o senhor Copperfield no 72, meu senhor, se for preferível. Ao lado do seu. – Claro que seria preferível – disse Steerforth –, e faça isso imediatamente.'' (p.240)

Dickens não pinta um quadro moral preto e branco, mas mostra que a riqueza e a classe social são indicadores não confiáveis ​​de caráter e moralidade. Dickens nos convida a julgar seus personagens com base em suas ações e qualidades individuais, e não na mão que o mundo cruel os trata.




A história narra a passagem de David para a vida adulta, e seu envolvimento com as pessoas que encontra, levando-o a rever sua vida. Uma dessas pessoas era Peggotty, a fiel ex-caseira de sua mãe, sua família e a sobrinha órfã Little Emily, que vive com eles e encanta o jovem David. O romântico e independente amigo de David, Steerforth, seduz e desonra Emily, desencadeando a maior tragédia do romance, e a filha de seu chefe, a angelical Agnes Wickfield, torna-se sua confidente. Dois personagens próximos de David são o eterno devedor Mr Wilkins Micawber, e o fraudulento Uriah Heep, cujos deslizes são eventualmente descobertos por Micawber. Micawber é retratado como um personagem simpático, apesar de o autor deplorar sua inabilidade financeira, e, como ocorrera na realidade com o pai de Dickens, é aprisionado por suas insolvências.

Uma das características de Dickens é fazer descrições rápidas sobre o destino de suas personagens; Dan Peggotty leva Little Emily para uma nova vida na Austrália; acompanhando-os estão Mrs. Gummidge e os Micawbers; em busca de segurança, todos encontram felicidade na sua nova vida. David inicialmente casa com a bela, mas ingênua Dora Spenlow, mas ela morre após um aborto. David, finalmente, casa com a sensível Agnes, que secretamente o amava e descobre a felicidade. Eles têm muitos filhos, incluindo uma filha chamada Betsey Trotwood.

"E aqui termina a minha história escrita. Olho para trás – uma vez mais –, pela última vez, antes de fechar estas páginas. Vejo a mim,   ao lado, percorrendo a estrada da vida. E nessa viagem, vejo nossos filhos e amigos à nossa volta; e escuto o rumor de muitas vozes, não indiferentes a mim. Que rostos são mais nítidos para mim na multidão que passa? Oh, estes todos que se voltam para mim quando faço a pergunta a meus pensamentos. Eis minha tia, com óculos fortes, uma velha com mais de oitenta anos, mas ainda ereta, caminhando com firmeza nove quilômetros de uma vez em pleno inverno. Sempre ao lado dela, ali vem Peggotty, minha boa babá, igualmente de óculos, acostumada a costurar à noite muito perto do lampião, mas nunca trabalhando sem um pedaço de cera de vela, uma fita métrica numa casinha e uma caixa de costura coma figura da Saint Paul na tampa. As faces e braços de Peggotty, tão firmes e vermelhos em meus dias de criança, quando eu me perguntava por que os pássaros não a bicavam em lugar das maçãs, estão enrugados agora. E seus olhos, que podiam sombrear todo seu rosto em torno, estão mais brandos (embora brilhe mais ainda). Mas seu áspero indicador, que um dia associei a um ralador de noz-moscada, continua o mesmo, e quando vejo meu filho menor o agarrando quando dá seus primeiros passos de minha tia até ela, penso em nossa saleta em casa, quando eu mal sabia andar. A velha decepção de minha tia está aplacada agora: ela é madrinha de uma Betsey Trotwood de verdade; e Dora (a filha seguinte) diz que minha tia a mima."  (p.720)

O romance de Charles Dickens, David Copperfield foi publicado em 19 meses, em forma de série, a exemplo de outras publicações da época, na seguinte distribuição: de Maio de 1849 a  novembro de 1850.


Charles Dickens foi o autor de inúmeros clássicos da literatura inglesa, dentre eles : Oliver Twist; As aventuras do senhor Picwick; Um conto de Natal; Tempos difíceis; um conto de duas cidades....

Dickens nasceu em 7 de fevereiro de 1812 e morreu em 9 de junho de 1870, em plena era vitoriana, período tido como de rigidez dos costumes e enriquecimento da burguesia. Contra tudo isso Dickens se indispunha.

Apesar de não se alinhar ao socialismo ele tinha uma visão critica da desigualdade social.



Fontes:

bonslivrospraler.com.br
wikipedia.org
Dickens, Charles - David Copperfield - trad. José Rubens Siqueira
google.com
infoescola.com

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