O sincretismo religioso é um processo cultural que envolve a fusão de diferentes tradições, crenças e práticas para a formação de uma nova doutrina religiosa e/ou expressões de cunho cultural e filosófico.
No entanto, o termo sincretismo também é conhecido em um sentido pejorativo, sendo criticado como uma forma de diluir ou enfraquecer as tradições originais ou de perpetuar relações de poder desiguais entre diferentes grupos culturais ou religiosos.
Etimologicamente, a palavra “sincretismo” tem origem no termo grego “synkretismós”, que significa “união”, “mistura” ou “combinação”. No idioma helênico, ele aludia à expressão “reunião das ilhas de Creta contra um adversário em comum”. Foi traduzida para o francês como “syncrètisme”, dando origem à variante usada na língua portuguesa.
A palavra foi introduzida no português durante o século XVII para descrever a fusão de diferentes elementos de culturas ou religiões ao redor do mundo. As adaptações surgem em vários aspectos culturais, devido às relações de comunicação oportunizando que um grupo “absorva” o sistema de crenças e comportamento do outro.
Para muitos estudiosos, a intersecção de culturas e crenças contribuiu para um processo criativo e dinâmico de adaptação e reinterpretação das tradições religiosas em contextos novos e complexos. Considerado um fenômeno que faz parte do desenvolvimento humano, é difícil traçar uma única linhagem de origem para qualquer religião.
Antes do início da cristianização da África, havia a crença de que após a morte o espírito das pessoas permanecia neste mundo, podendo ajudar seus descendentes, ou puni-los se fossem desagradados. Esta crença permaneceu mesmo onde foi aceita a religião cristã. Daí, a possibilidade do surgimento ilimitado de entidades foi apenas uma via que seguiu paralela ao candomblé, e, como esse, seguiu inúmeras vertentes. No caso dessa via não apenas os orixás africanos foram incorporados, mas seguindo a possibilidade trazida da África, seres diversos que perman eciam no mundo dos mortos passaram a incorporar no plano terreno para ajudar, ou prejudicar as pessoas. Veja que o mundo dos mortos dos cultos afro-brasileiros continuou a ser abastecido com espíritos afro-americanos, daí as entidades não tradicionais.
No início do século XX, o cronista João do Rio fala de
africanos e brasileiros ainda praticando esses cultos, vejam abaixo
a descrição de uma de suas visitas:
Antes de estudar os feitiços, as práticas por que
passam as iauô nas camarinhas e a maneira dos
cultos, quis ter uma impressão vaga das casas e dos
homens.
Antônio levou-me primeiro à residência de um
feiticeiro alufá. Pelas mesas, livros com escrituras
complicadas, ervas, coelhos, esteiras, um calamo de
bambu finíssimo.
Da porta o guia gritou:
- Salamaleco.
Ninguém respondeu.
- Salamaleco!
- Maneco Lassalama!
No canto da sala, sentado numa pele de carneiro,
um preto desfiava o rosário, com os olhos fixos no
alto.
- Não é possível falar agora. Ele está rezando e não
quer conversar. Saímos, e logo na rua encontramos
o Xico Mina. Este veste, como qualquer de nós,
ternos claros e usa suíças cortadas rentes. Já o
conhecia de o ver nos cafés concorridos,
conversando com alguns deputados. Quando nos
viu, passou rápido.
- Está com medo de perguntas. Chico gosta de
fingir.
Entretanto, no trajeto que fizemos do Largo da Carioca à praça da Aclamação, encontramos, a fora
um esverdeado discípulo de Alikali, Omancheo,
como eles dizem, duas mães-de-santo, um velho
babalaô e dois babaloxás.
Observem primeiramente a terminologia religiosa usada;
iauô, filha de santo; alufá, líder religioso muçulmano; salamaleco,
forma aportuguesada da saudação muçulmana que significa: “ a paz
de Alá esteja convosco” (سلام الرب معكم) . Observe também a convivência entre as religiões, o Xico Mina, os babalaôs e as babalaorixás,
componentes do culto aos orixás. Possivelmente o Xico Mina fosse
um daqueles ogãs descrito por Rodrigues, responsável pel a
negociação do terreiro com as autoridades policiais , através dos
políticos, para evitar a perseguição, daí sua intimidade com
deputados. Também é notável a visão preconceituosa do escritor.
Um caso bastante estudado é o do “feiticeiro” José Sebastião
da Rosa, o Juca Rosa, nascido no Rio de Janeiro em 1833 . Esse
filho de africana trabalhou como cocheiro e alfaiate até que se
tornou o líder espiritual de uma seita com o título de Pai
Quibombo. Em sua clientela além de escravos e populares
observou-se a frequência de políticos, comerciantes e damas da
sociedade, entre outros representantes da elite social. Dava
consultas incorporado e fazia “trabalhos” variados para resolver
problemas das mais diversas ordens que afligiam seus clientes.
Vemos nas práticas desse carioca da segunda metade do século
XIX elementos do sincretismo muito aproximados daquele
movimento que viria a constituir-se como a umbanda. Praticava
seu culto em lugar fixo com altar onde figuravam os santos
cristãos. No caso da descrição do local algumas informações são interessantes. Macumba não era o nome do ritual, mas sim o
instrumento que acompanhava as cantorias. Rosa não utiliza
vestimenta alusiva a qualquer orixá ou o abadá, mas uma
vestimenta ritual própria que é identificada como parte da tradição
da África Centro Ocidental. Veja que Rosa, sob possessão, dá
consulta e remedia a situação do consulente. Também afirma que
além do bem poder fazer o mal. Essas e outras práticas já eram
observadas no antigo Congo.
Cada um dos 16 orixás – as entidades cultuadas no candomblé e na umbanda – corresponde a um ou mais santos católicos. Dá para explicar essa ligação contando um pouco da história do período colonial no Brasil. Naquela época, chegaram ao país os primeiros africanos de origem iorubá, um povo que ocupava a região onde hoje ficam Nigéria, Benin e Togo. A religião dos iorubás era o candomblé, mas eles aportaram no Brasil como escravos e não podiam cultuar suas divindades livremente – você sabe, a religião oficial do país era (e é) o catolicismo. Por causa dessa proibição, os escravos começaram a associar suas divindades com os santos católicos para exercerem sua fé disfarçadamente. Como os santos católicos são bem numerosos, existem divindades que são identificadas com mais de um santo. Por exemplo: Oxóssi, o rei da caça, é associado a São Jorge e a São Sebastião. Iemanjá é associada à Nossa Senhora dos Navegantes.
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