"I am a Jew. Hath not a Jew eyes? Hath not a Jew hands, organs, dimensions, senses, affections, passions; fed with the same food, hurt with the same weapons, subject to the same diseases, heal'd by the same means, warm'd and cool'd by the same winter and summer, as a Christian is? If you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die? And if you wrong us, do we not revenge? If we are like you in the rest, we will resemble you in that."
--Shylock from "The Merchant Of Venice" Act 3, scene 1, 58–68
"Sou um judeu. Então, um judeu não possui olhos? Um judeu não possui mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afeições, paixões? Não é alimentado pelos mesmos alimentos, ferido com as mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, curado pelos mesmos remédios, aquecido e esfriado pelo mesmo verão e pelo mesmo inverno que um cristão? Se nos cortam, não sangramos? Se nos fazem cócegas, não rimos? Se nos envenenam, não morremos? Mas, se nos ultrajam não podemos nos vingar?! Se somos como vocês quanto ao resto, também somos semelhantes nisso."
--Shylock em "O Mercador de Veneza" Ato 3, cena 1, 58–68 - Livre tradução.
Na peça, o nobre Bassânio está falido e precisa de dinheiro para viajar e conquistar Pórcia, uma rica e bela herdeira. A fim de ajudar o amigo, o comerciante Antônio pede um empréstimo a Shylock, um agiota judeu. Shylock aceita fazer o acordo, desde que os rapazes concordem com uma proposta insólita: se o pagamento não acontecer como combinado, Antônio terá de quitar a dívida com uma libra de carne do próprio corpo! É que Shylock vê nessa negociação a chance de se vingar de Antônio, que várias vezes o ofendera por sua origem judaica. Como o mercador não consegue honrar seu compromisso, o caso vai parar no tribunal. Para defender Antônio, Pórcia se disfarça de advogado e acaba encontrando uma solução surpreendente!
Na peça "O Auto da compadecida" existem muitos trechos baseado na peça e Shakespeare, como o coronel Antonio Moraes empresta dinheiro para Chicó e pede como garantia uma lasca de sua pele, caso ele não pague.
O Auto da Compadecida, como O Mercador de Veneza, possui também os seus sovinas: o padeiro e a sua esposa.
"Eles maltratam e exploram João Grilo e Chicó, deixando-os à mercê da própria sorte, pagando-lhes um salário ínfimo:
JOÃO GRILO: Ó homem sem vergonha!
[Chicó]Inda pergunta? Está esquecido que ela deixou você? [A mulher do padeiro]
Está esquecido da exploração que eles fazem conosco naquela padaria do inferno? Pensam que são o cão só porque enriqueceram, mas um dia hão de me pagar.
E a raiva que eu tenho é porque quando estava doente, me acabando em cima de uma cama, via passar o prato de comida que ela mandava para o cachorro.
Até carne passada na manteiga tinha. Para mim nada, João Grilo que se danasse.
Um dia eu me vingo. (SUASSUNA, 2004, p. 39) João Grilo considerava uma grave ofensa o fato de um cão ser mais bem tratado do que um homem, e nessa cena é evidente a crítica de Suassuna às desigualdades sociais encontradas no Nordeste e no país, acentuando o descaso dos mais ricos em referência ao miseráveis, aqueles que tentam sobreviver em meio às lutas cotidianas, e têm como perspectiva, como meta, apenas o alimento diário, como se diz no Nordeste: remediar-se “da mão para a boca”.
A obra de Skakespeare enfoca a avareza e os maus tratos dos ricos em relação aos seus empregados, conjuntura personificada na relação do judeu e seu servo. O quarto ato de O Mercador de Veneza tem como tema central o julgamento de Antônio, o inimigo do judeu mesquinho, enquanto que Shylock, por inúmeras vezes e diferentes argumentos, intenta ser o debelador da causa que pleiteia, levando o caso a julgamento:
PÓRCIA: Uma libra de carne desse peito / É sua, pela corte e pela lei.
SHYLOCK: O juiz é mais que sábio!
[...]
Aqui, observa-se que Shakespeare explica o motivo da dívida, o amor, e por amor tudo
deve ser compreendido; pelo amor todos os atos são justificáveis, essa é a ideologia do drama.
Por amor ao amigo, Antônio aceita ser fiador de Bassânio.
Por amor a Pórcia, Bassânio utiliza
o dinheiro conseguido para cortejá-la. Por amor a Bassânio, Pórcia vem ao auxílio de Antônio
para livrá-lo da morte e da humilhação pública imposta pelo judeu. Por amor, Shakespeare
afirma que todos os atos e falha são perdoados, esquecidos, menos aqueles atos imputados
conta o próprio amor, como o cometido por Shylock.
As personagens do Auto também passam por semelhante situação na cena do
julgamento celestial, quando Manuel ouve as interpelações do Diabo contra o padre, o
bispo, Severino, o padeiro e sua esposa e João Grilo e, em seguida, as explicações dos
acusados. Apesar das graves acusações, como:
[...] Simonia, no enterro do cachorro, velhacaria, política mundana,
arrogância com os pequenos, subserviência com os grandes [...] falta de
coleguismo com o bispo [...] preguiça [...] Hipocrisia e autossuficiência [...]
roubava a igreja. [...] Piores patrões. [...] avareza do marido, adultério da
mulher. [...] Mataram mais de trinta. [...] o amarelo, que engana todo mundo.
(SUASSUNA, 2004, p.141-152)
Os incriminados têm a chance de defesa e obtêm como advogada a Compadecida, que
pelo nome traduz-se “aquela que se compadece, apieda-se”. É ela quem argui acerca dos erros
dos réus, seus “clientes”, e livra-os da sentença.6
Com isso, as personagens, rés no julgamento, embora com argumentos fortes do
acusador , são isentos pela Compadecida, com a outorga do juiz Manuel.
E mesmo
João Grilo, sobre quem foram feitas as mais graves denúncias, livrou-se e conseguiu uma
oportunidade de voltar a terra em vez da condenação, para que tivesse uma segunda chance de
redimir-se dos seus feitos mentirosos e enganadores, da sua vida de farsa, ao que ele
responde:
GRILO: Com Deus e com Nossa Senhora, que foi quem me valeu!
[Ajoelhando-se diante de Nossa Senhora e beijando-lhe a mão.] Até à vista,
grande advogada. Não me deixe de mão não, estou decidido a tomar jeito,
mas a senhora sabe que a carne é fraca. (SUASSUNA, 2004, p. 175)
Pelo tom, fica evidenciada a nuança de comédia, do “jeitinho” sempre dado pelo
caboclo, pelo nordestino, pelo brasileiro. O amarelo engana a Compadecida e também a
Manuel. Ao fazer-se de desprotegido, de infeliz, ele apela para a comiseração divina. Na
tentativa de livra-se do Inferno e da ira do Diabo, apropria-se de uma técnica bastante
engenhosa: culpa a si mesmo para, dessa forma, conseguir a absolvição. João Grilo é o
símbolo do homo brasilis, aquele que consegue sobreviver em meio a condições adversas,
logra êxito de lugares onde só havia aridez e esterilidade, utilizando-se do ambiente em que
vive, dos sentimentos que nutre e das relações sociais.
Grilo e Pórcia aproximam-se em seus argumentos durante a cena do Julgamento. Se
ela demonstra conhecimento das leis venezianas e domínio da retórica para convencer a todos
os presentes, evidenciando que detém o saber erudito, o Amarelo coloca em prática a oratória
obtida no dia-a-dia, na luta pela sobrevivência no terreno árido do sertão nordestino. Mesmo
no céu, picardia e malandragem se unem para salvá-lo de mais uma intempérie, não da vida,
mas da morte.
(SHAKESPEARE,
1999, p. 121-123)
Embora separadas por 4 séculos (O mercador de Veneza no século XVI e o Auto da Compadecida século XX) os temas abordados como a usura e os discursos contra seus senhores além da esperteza usada nos julgamentos tornam ambas as obras em bastante semelhantes.
Fontes:
Instituto Shakespeare Brasil
ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/
wikipedia.org
google.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário