segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Vamos falar hoje do romance do escritor paraibano José  Américo de Almeida, a Bagaceira.




A bagaceira foi publicado em 1928 e é considerado ao lado de Macunaíma de Mário de Andrade o inicio do romance regionalista do Modernismo brasileiro.

"Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos — esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres. Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas. Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão do s maus fados. Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciam-lhes aos joelhos, de mão s abanando. Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos — doentes da alimentação tóxica — com os fardos das barrigas alarmantes.. Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma . Eram os retirantes. Nada mais. (Cap. I pag.8)


Bagaceira é o resto de cana moída nos engenhos que ficam ao redor da moenda. 

Dagoberto, dono do Engenho Marzagão, aceita receber retirantes que fugiam da seca.


Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. N ã o tinham press a em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão do s maus fados. Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. (p 8).

 

Para Dagoberto, o ato de acolher aqueles miseráveis era misto de piedade e de usurpação de uma mão de obra barata, que deveriam se sentir agradecidos por trabalharem no engenho.

Dentre esses retirantes estavam a jovem Soledade, seu pai, Valetim Pedreira e seu afilhado Pirunga.

Lucio, estudante da capital, filho de Dagoberto, passa suas férias na fazenda, e pouco a pouco, cresce uma afeição dele por Soledade.

Seu pai, no entanto, tem outros planos e estupra Soledade fazendo-a sua amante.

"Lúcio sabia da pureza do sertão; por isso andando com Soledade, nos descampados, respeitava-a, 'com a ideia fixa da honra sertaneja'. E, um dia percebendo-lhe certas malícias inquietou-se: '- Já teria o pudor deteriorado pela contaminação da bagaceira ?" (p.76)

É uma história de sofrimento e dor dos caboclos que são obrigados a deixarem sua terra natal, romper os laços umbilicais de sua existência e viverem da caridade, vendendo seu trabalho por uma choupana e um pedaço de carne de charque e farinha.

Como dizia Valentim Pedreira: "Ninguém pergunta ao retirante de onde vem ou para onde vai. É um homem que foge do seu destino."

O romance segue sua saga com outros retirantes, outras vidas que tiveram roubadas sua dignidade e suas raízes.

No fim desolado por outra leva de retirantes sem destino e perspectivas Lúcio lamenta que seus ensinamentos não melhoraram em nada a vida daqueles pobres coitados.




"Lúcio espiou para baixo e viu a estrada coalhada de sertanejos expulsos de suas plagas pelo clima revoltado. Voltou-se para a população amotinada: — A vossa submissão era filha da ignorância e da miséria. Eu vos dei uma consciência e um braço forte para que pudésseis ser livres.  Relanceou a vista pela paisagem do trabalho organizado. Só a terra er a dócil e fiel. Só ela se afeiçoara ao seu sonho de bem-estar e de beleza. Só havia ordem nessa nova face da natureza educada por sua sensibilidade construtiva. E recolheu-se com um travo de criador desiludido: — Eu criei o meu mundo ; ma s nem Deus pôde fazer o homem à sua imagem e semelhança.. (p.141/142 - capítulo final).


Fontes:

de Almeida, José Américo -A Bagaceira - Ed. José Olympio
wikipedia.org
esquerdadiario.com.br
nossomundoliterario.com.br
blogletras.com




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