sexta-feira, 6 de maio de 2022

 A insustentável leveza do ser de Milan Kundera.




O livro conta a história de dois jovens casais, durante o período conhecido como "Primavera de Praga"¹  em 1968.

Primeira Parte 

O PESO E A LEVEZA 

"O eterno retorno é uma ideia misteriosa de Nietzsche que, com ela, conseguiu dificultar a vida a não poucos filósofos: pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há de repetir outra vez e que essa repetição se há de repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito! Que significado terá este mito insensato? O mito do eterno retorno diz-nos, pela negativa, que esta vida, que há de desaparecer de uma vez por todas para nunca mais voltar, é semelhante a uma sombra, é desprovida de peso, que, de hoje em diante e para todo o sempre, se encontra morta e que, por muito atroz, por muito bela, por muito esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor não têm qualquer sentido. Não vale mais do que uma guerra qualquer do século XIV entre dois reinos africanos, embora nela tenham perecido trezentos mil negros entre suplícios indescritíveis"



Milan Kundera



O romance foi escrito em 1982, e a ação se passa na antiga Tchecoslováquia, durante a chamada "Primavera de Praga".


São quatro os personagens principais do livro do livro: Tereza e Tomás, Sabina e Franz.

Tomas é um libertino, para quem amor e sexo não estão interligados, mas eventualmente se casa com Tereza, que é uma mulher dependente. Sabina é uma das amigas “eróticas” de Tomas, e é tudo que Tereza não é: livre, dona de si, independente e sem amarras em questões de sentimentalismo. Em um outro momento de sua vida, na Suíça, já longe de Tomas, ela vem a se relacionar com outro homem, que é Franz, que também é o completo oposto de Tomas.

"A meio da noite, Tereza começou a gemer. Tomas acordou-a, mas, ao ver a sua cara, ela disse com ódio:
''Vai-te embora! Vai-te embora!'' Depois, contou-lhe o sonho que tivera: Estavam ambos algures com Sabina. Num
quarto enorme. Havia uma cama no meio, só parecia o palco de um teatro. Tomas mandou-a ficar num canto e
pôs-se a fazer amor com Sabina à frente dela. Ela olhava e o espetáculo causava-lhe um sofrimento insuportável.
Para abafar a dor da alma com a dor física, pôs-se a enfiar agulhas por baixo das unhas. ''Doía-me horrivelmente!'',
disse, com os punhos fechados como se realmente tivesse as mãos magoadas.
Abraçou-a e assim, muito devagar (porque Tereza não parava de tremer), ela voltou a adormecer.
No dia seguinte, ao pensar no sonho, lembrou-se de uma coisa. Abriu a secretária e tirou um maço de
cartas de Sabina. Pouco depois, deparou com a seguinte passagem: "Queria fazer amor contigo no meu atelier
como se fosse o palco de um teatro. Estaria gente em toda a volta e ninguém teria o direito de se aproximar. Mas
não conseguiriam despregar os olhos de nós...''
O pior era que a carta tinha data. Era uma carta recente, escrita numa altura em que Tereza vivia com
Tomas já há bastante tempo.
Ralhou-lhe: ''Andaste a vasculhar nas minhas cartas!''
Sem procurar desmenti-lo, ela disse: ''Pois andei! Então porque é que não me pões na rua?''
Mas Tomas não a pôs na rua. Via-a era a enfiar as agulhas debaixo das unhas, encostada à parede do
atelier de Sabina. Pegou-lhe nos dedos, fez-lhes festas, levou-os aos lábios e beijou-os como se tivessem marcas
de sangue.
A partir desse momento, tudo parecia conspirar contra ele. Não se passava praticamente um dia sem que
lhe chegasse mais uma novidade sobre os seus amores clandestinos." (p.7)



Há uma dicotomia entre levar uma vida de forma leve e levar a vida de uma forma mais séria. A discussão filosófica nos leva a tentar escolher um lado.

Kundera nos mostra que ambas as formas de pensar podem coexistir. Por vezes a leveza da vida é atropelada por nuances sombrias, que a tornam insustentável.

Milan Kudera


Há vários anos que ando a pensar em Tomas, mas só à luz destas reflexões é que o vi pela primeira vez
com toda a nitidez. Vejo-o de pé, a uma janela da sua casa, a olhar fixamente para o prédio em frente do outro lado
do pátio. Sem saber o que fazer.
Conhecera Tereza mais ou menos há três semanas numa cidadezinha da Boêmia. Só tinham passado
pouco mais de uma hora juntos. Ela acompanhara-o à estação e tinha esperado até ele entrar no comboio. Dez dias
mais tarde, veio vê-lo a Praga. Fizeram amor logo no próprio dia da sua chegada. Durante a noite, Tereza ficou
cheia de febre e passou uma semana inteira com gripe em casa dele.
Sentiu então um amor inexplicável por essa rapariga que mal conhecia. Parecia-lhe uma criança que
alguém pusera numa cesta untada com pez e abandonara às águas de um rio para ele recolher na margem da sua
cama.
Ficou uma semana em casa dele e, depois, uma vez curada, voltou para a cidade onde morava, a duzentos
quilômetros de Praga. E é aqui que se situa o momento de que falei há pouco e onde vejo a chave da vida de
Tomas: está de pé à janela a olhar fixamente para o prédio em frente do outro lado do pátio, e reflete: “Deve-lhe
propor que venha instalar-se em Praga? É uma responsabilidade que o apavora. Se a convida agora a vir passar
uns dias a sua casa, ela virá imediatamente oferecer-lhe a vida inteira”.
Ou deve renunciar? Nesse caso, Tereza continuará a ser criada numa cervejaria daquele buraco de
província e nunca mais a verá. (p.3)


No livro, percebe-se a dualidade como um elemento essencial da narrativa, e isso também reforça os pensamentos do narrador, sobretudo quanto à questão do “peso”. A leveza e peso são qualidades opostas entre si. A discussão, porém, se dá quanto à proposta de indicar qual deles é negativo e qual deles é positivo.

Tereza a Sabina representam a leveza e o peso na vida de Tomás. Tereza é a vida real com suas alegrias e responsabilidades; Sabina, ao contrário, representa a leveza da vida, uma vida sem responsabilidades.



A insustentável leveza do ser - trailer




A história foi levada ao cinema em 1987, com direção de  Philip Kaufman.




Roteiro: Milan Kundera, Jean-Claude Carrière 

Elenco: Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche, Lena Olin

Título original The Unbearable Lightness of Being





                                                ¹ - Primavera de Praga foi um movimento  libertário na antiga Tchecoslováquia em 1968, abafado violentamente pela antiga U.R.S.S.



Fontes:
docdroid.net
wikipedia.org
companhiadasletras.com.br
google.com
percursosliterariosblog.com
aescotilha.com.br
adorocinema.com
youtube.com

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