quarta-feira, 5 de abril de 2023



Triste fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto



 "Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa. Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito. A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: "Alice, 8 olha que são horas; o Major Quaresma já passou."


O trecho acima é do livro "O triste fim de Policarpo Quaresma" publicado em 1911 por Lima Barreto.







O livro narrado em terceira pessoa, discorre sobre a vida e os hábitos de Policarpo Quaresma, um brasileiro ufanista ao extremo, que ama a sua pátria e a considera o Brasil, o melhor entre todos os outros países.

Seu jeito metódico, e suas crenças, o levam a aprender a língua tupi, e chega mandar um requerimento à Câmara para que o tupi fosse adotado como língua oficial do Brasil.

A ação do livro se passa nos primeiros tempos da República, que tem como presidente Deodoro da Fonseca.

Chega a ser cômico, a maneira e os trejeitos do major Policarpo na suas defesas das virtudes de sua pátria.


"Defendia com azedume e paixão a proeminência do Amazonas sobre todos os demais rios do mundo. Para isso ia até ao crime de amputar alguns quilômetros ao Nilo e era com este rival do "seu" rio que ele mais implicava. Ai de quem o citasse na sua frente! Em geral, calmo e delicado, o major ficava agitado e malcriado, quando se discutia a extensão do Amazonas em face da do Nilo. Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as manhãs, antes que a "Aurora, com seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo", ele se atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y diccionario de la lengua guaraní ó más bien tupí, e estudava o 17 jargão caboclo com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos empregados, amanuenses e escreventes, tendo notícia desse estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe por que em chamá-lo – Ubirajara. Certa vez, o escrevente Azevedo, ao assinar o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em tom chocarreiro: "Você já viu que hoje o Ubirajara está tardando?" Quaresma era considerado no Arsenal: a sua idade, a sua ilustração, a modéstia e honestidade de seu viver impunham-no ao respeito de todos."

Aprendeu a tocar violão, na época um instrumento considerado "marginal" e que representava os boêmios e os desocupados.

Policarpo, no entanto, defendia o instrumento, dizendo ser ele uma representação típica da cultura brasileira.

Policarpo é tido como louco e internado num hospício. Saiu depois de seis meses, e comprou um sítio, batizado por ele de "Sossego".

Lá começa a praticar a agricultura, de hortaliças e frutas e a botânica nacional, dizendo ser a mais variada e rica do mundo.



Sítio Sossego


"Os colegas ouviam-no respeitosos e ninguém, a não ser esse tal Azevedo, se animava na sua frente a lhe fazer a menor objeção, a avançar uma pilhéria, um dito. Ao voltar as costas, porém, vingavam-se da cacetada, cobrindo-o de troças: "Este Quaresma! Que cacete! Pensa que somos meninos de tico-tico... Arre! Não tem outra conversa." E desse modo ele ia levando a vida, metade na repartição, sem ser compreendido, e a outra metade em casa, também sem ser compreendido. No dia em que o chamaram de Ubirajara, Quaresma  ficou reservado, taciturno, mudo, e só veio falar porque, quando lavavam as mãos num aposento próximo à secretária e se preparavam para sair, alguém suspirando, disse: "Ah! Meu Deus! Quando poderei ir à Europa!" O major não se conteve: levantou o olhar, concertou o pince-nez e falou fraternal e persuasivo: "Ingrato! Tens uma terra tão bela, tão rica, e queres visitar a dos outros! Eu, se algum dia puder, hei de percorrer a minha de princípio ao fim!"












O livro é dividido em três partes: a primeira vai até a internação de Policarpo num hospício, a segunda começa com a compra do sítio Sossego, e a terceira começa quando Policarpo volta para a cidade e participa de uma revolta, que altera totalmente a rotina da cidade do Rio de Janeiro. Imagine como uma pessoa metódica como Policarpo se encontra num ambiente de caos instaurado pela guerra.
Por fim ele é preso, sem um motivo justificável, e termina seus dias de glória, ufanismo e patriotismo numa cela.

A história de Policarpo Quaresma, um visionário, que segundo seus críticos vivia fora da realidade cotidiana, pode ser comparada a história de D.Quixote, outro personagem que criou uma realidade própria para situar sua existência.
O próprio Quaresma do nome, lembra o resguardo dos quarenta dias após a crucificação de Cristo, a austeridade que era dado a esse período no passado pelas famílias e pela Igreja Católica. Era algo muito formal, e tradicional. Nesse período as próprias rádios só tocavam músicas sacras.



                            

O autor Lima Barreto (1881-1922). Nasceu e morreu na cidade do Rio de Janeiro, órfão de mãe, tem uma carreira brilhante como estudante, tendo se tornado jornalista, trabalha no Ministério da Guerra (como Policarpo Quaresma) e é internado num hospício, devido seu vício de alcoolismo.
Foi um crítico feroz da primeira República, pelos privilégios das classes militares e das classes mais abastadas, e pelo ufanismo exacerbado existente na época.






Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em 13 de maio de 1881, no Rio de Janeiro, exatamente sete anos antes da promulgação da Lei Áurea (13 de maio de 1888).


Ele era descendente de escravos: a avó paterna, Carlota Joaquina dos Anjos, e a avó materna, Geraldina Leocádia da Conceição. A bisavó materna de Lima Barreto, Maria da Conceição, foi trazida ao Brasil a bordo de um navio negreiro.


O livro foi levado ao cinema em 1998, com direção de Paulo Thiago, estrelado por Paulo José e Giulia Gam.


Giulia Gam e Paulo José




Um livro que vale a pena ser lido e relido, que em muitas partes é muito atual, como nos privilégios de algumas classes sociais, na valoração de certos conceitos como de condição social, cultural e intelectual, que por vezes são deixadas de lado pela predominância da condição financeira.





 trecho do filme Policarpo Quaresma com Paulo José.


Fontes:

coladaweb.com
wikipedia.org
educação.globo.com
google.com
cinemaemcena.com.br

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