O Estrangeiro de Albert Camus.
Escrito em 1942, O estrangeiro é o mais popular dos livros do francês nascido na Argélia Albert Camus. Tão popular que rendeu até música do grupo de rock inglês The Cure (“Killing an Arab”). Tão popular porque, à parte ser a seca narrativa das desventuras de Mersault, é também a narrativa das desventuras do homem do século XX. Uma espécie de autobiografia de todo mundo. Seu drama pode ser lido como o drama de qualquer homem do século, o homem que se depara com o absurdo, ponto central do pensamento camusiano.
The Cure - killing an arab
Albert Camus (Mondovi, 7 de novembro de 1913 — Villeblevin, 4 de janeiro de 1960) foi um escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês nascido na Argélia. Foi também jornalista militante engajado na Resistência Francesa e nas discussões morais do pós-guerra. Na sua terra natal viveu sob o signo da guerra, fome e miséria, elementos que, aliados ao sol, formam alguns dos pilares que orientaram o desenvolvimento do pensamento do escritor.
Camus foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1957 "por sua importante produção literária, que, com seriedade lúcida ilumina os problemas da consciência humana em nossos tempos"
Capítulo I
"Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do
asilo:
“Sua mãe falecida: Enterro amanhã. Sentidos pêsames”.
Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.
O asilo de velhos fica em Marengo, a oitenta quilômetros de Argel. Tomo o
autocarro das duas horas e chego lá à tarde.
Assim, posso passar a noite a velar e estou de volta amanhã à noite. Pedi dois
dias de folga ao meu chefe e, com um pretexto destes, ele não nos podia recusar.
Mas não estava com um ar lá muito satisfeito.
Cheguei mesmo a dizer-lhe “A culpa não é minha”. Não respondeu. Pensei
então que não devia ter dito estas palavras.
A verdade: é que eu não tinha que me desculpar: Ele é que tinha de me dar
pêsames. Mas com certeza o fará, depois de amanhã, quando me vir de luto. Por
agora é um pouco como se a mãe não tivesse morrido. Depois do enterro, pelo
contrário, será um caso arrumado e tudo passará a revestir-se de um ar mais
oficial.
Tomei o autocarro às duas horas. Estava calor. Como de costume, almocei no
restaurante do Celeste. Estavam todos com muita pena de mim, e o Celeste disse-me “Mãe, há só uma.”
Quando saí, acompanharam-me à porta. Estava um pouco atordoado e tive
que ir a casa do Manuel para lhe pedir emprestados um fumo e uma gravata
preta. O Manuel perdeu o tio, há meia dúzia de meses.
Tive que correr para não perder o autocarro. Esta pressa, esta correria, e
talvez também os solavancos, o cheiro da gasolina, a luminosidade da estrada e
do céu, tudo isto contribuiu para que eu adormecesse no caminho. Dormi quase
todo o tempo. E quando acordei, estava apertado de encontro a um soldado, que
me sorriu e me perguntou se eu vinha de longe."
Já no primeiro capítulo logo na primeira frase o autor já nos dá mostra da personalidade de Meursault. Parece não estar triste com a morte da mão, tanto que nem lembra o dia de sua morte; e ao dar a notícia ao seu chefe e solicitar dois dias para ir ao enterro diz que "a culpa não era dele"
A história se passa na Argélia, quando o território ainda era colônia francesa. O narrador e personagem principal é Mersault, um homem de poucas palavras e cuja objetividade se confunde com seu comportamento frio.
Há diversas interpretações para o título do livro. O personagem principal pode ser visto como um "estrangeiro" por sua consciência esvaziada, uma aparente indiferença a tudo que acontece.
Outra ideia é que Meursault é estranho à sua própria vida - nem ele entende suas ações. Por fim, o protagonista não deixa de ser um estrangeiro para o leitor, que o acompanha e até se solidariza com ele, mesmo sem nem sempre compreendê-lo. E isso em grande parte se dá pela sinceridade total do narrador, que expõe seus sentimentos sem nenhum tipo de pudor ou filtro.
"Nos primeiros dias do asilo, chorava muitas vezes: Mas
era por causa do hábito. Ao fim de alguns meses, choraria se a tirassem do asilo,
ainda devido ao hábito. Foi um pouco por isto que, nu último ano quase não a fui
visitar, E também porque a visita me tomava o domingo todo sem contar o
esforço para ir para o autocarro comprar os bilhetes e fazer duas horas de
viagem. " p.7
No dia seguinte ao enterro da mãe, ainda de folga no trabalho resolveu ir para praia e lá encontrou uma amiga.
"Ficamos muito tempo na boia, meio
adormecidos. Quando o sol se tornou forte de mais, ela mergulhou e eu também.
Agarrei-a, passei-lhe um braço em volta da cintura e nadamos os dois juntos. Ela
ria muito.
No cais, enquanto nos secávamos, disse-me: “Estou mais queimada do que
você”. Perguntei-lhe se queria vir comigo à noite ao cinema. Voltou a rir e disse
que tinha vontade de ver um filme com o Fernandel. Depois de vestidos, ficou
admirada de me ver com uma gravata preta e perguntou-me se eu estava de
luto. Disse-lhe que a minha mãe tinha morrido. Como queria saber a quanto
tempo, respondi-lhe: “Morreu ontem”. Esboçou um movimento de recuo, mas
não fez nenhuma observação. Tive vontade de lhe dizer que a culpa não fora
minha, mas detive-me porque me pareceu já ter dito isso mesmo ao meu chefe.
Isto nada queria dizer. De qualquer modo, fica-se sempre com um ar um pouco
culpado." p.15
Camus nos mostra a cada capítulo a insensibilidade de Meursault e sua total alienação sobre o mundo e as situações que vivenciava. Era um verdade estrangeiro naquela sociedade e naquele mundo.
"Masson perguntou-me então se queria ir dar com
ele um passeio pela praia. “A minha mulher dorme sempre a sesta depois de
almoço. Eu, não gosto disso. Preciso de andar. Digo-lhe sempre que é melhor
para a saúde. Mas no fim de contas, está no seu direito”. Maria declarou que
ficava, para ajudar a dona da casa a lavar a loiça. Esta disse que, para isso, era
preciso pôr os homens na rua.
Descemos os três.
O sol caía quase a pique sobre a praia e o seu brilho no mar era insustentável.
Já não estava ninguém na praia. Nas casas ao longo do planalto e que olhavam
para o mar, ouvia-se o barulho de pratos e de talheres. Mal se respirava, neste
calor de pedra que subia do chão. Para principiar, Raimundo e Masson falaram
de coisas e pessoas que eu ignorava. Percebi que se conheciam há muito tempo e
que, a certa altura, tinham mesmo vivido juntos. Dirigimo-nos para a água e
andamos à beira do mar. Às vezes, uma onda mais comprida do que as outras,
vinha molhar-nos os sapatos de borracha. Não pensava em nada, porque estava
meio adormecido com todo este sol na minha cabeça descoberta. A certa altura,
Raimundo disse a Masson qualquer coisa que não consegui ouvir muito bem. Mas
distingui ao mesmo tempo, no fim da praia e muito longe de nós, dois Árabes
vestidos de azul, que vinham na nossa direção. Olhei par a Raimundo, que me
disse: “É ele”. Continuamos a andar. Masson perguntou como é que eles nos
podiam ter seguido até aqui.
Pensei que nos tinham visto tomar o autocarro com um saco de praia, mas
não disse nada.
Os Árabes avançavam lentamente e estavam já muito mais perto. Não
modificamos o nosso andamento, mas Raimundo disse:
“Se houver pancada, tu, Masson, ficas com o segundo. Eu, encarrego-me do
meu tipo. Tu, Meursault, se vier outro Árabe, é para ti”. Respondi: “Está bem”, e
Masson meteu as mãos nas algibeiras. A areia a ferver parecia-me agora
vermelha.
Avançamos no mesmo passo para os Árabes. A distância entre nós foi
diminuindo pouco a pouco: Quando não estávamos senão a alguns passos uns dos
outros, os Árabes detiveram-se. Masson e eu começamos a andar mais devagar.
Raimundo foi direito ao “seu tipo”. Não percebi muito bem o que lhe disse, mas o
outro fez menção de lhe dar uma cabeçada. Raimundo deu então o primeiro soco
e logo a seguir chamou Masson. Masson dirigiu-se ao que lhe fora destinado e
deu-lhe dois socos com toda a força. O outro caiu no mar, de barriga para baixo,
a cara dentro de água e ficou assim alguns segundos, perto da cabeça dele,
rebentavam à superfície bolhas de ar. Durante este tempo, Raimundo continuou a
lutar e o outro tinha a cara cheia de sangue. Raimundo voltou-se para mim e
disse: “Vais ver o que ele vai apanhar!” Gritei-lhe: “Atenção, o tipo tem uma
navalha!” mas Raimundo tinha já o braço aberto e um golpe na boca. " p.32
Nessa narrativa muito bem encadeada, Camus ainda encontra espaço para orquestrar uma crítica à postura francesa em relação à colônia argelina. Um dos personagens centrais da história é o “árabe”. Apesar de ser o estopim para o futuro sombrio de Mersault, ele não é decisivo. Não tem sequer um nome. Ao que parece, sua existência vale muito pouco. Mersault comete uma falta muito grave contra o árabe, mas, no final das contas, é julgado, pela sociedade e pelas leis francesas, por não ter chorado no enterro da mãe e, portanto, ter algum tipo de desvio emocional que pode significar um perigo no futuro.
Num fim de semana, Raimundo convida Meursault e Marie para a cabana de praia de um amigo. Lá eles veem o irmão da namorada rejeitada de Raimundo junto com outro árabe, que Raimundo mencionou que o tem seguido recentemente. Os árabes confrontam Raimundo e seu amigo, e o irmão fere Raimundo com uma faca antes de fugir. Mais tarde, Mersault volta sozinho pela praia, armado com um revólver que tirou de Raimundo para impedi-lo de agir precipitadamente, e encontra o irmão da namorada de Raimundo. Desorientado e à beira de uma insolação, Mersault atira quando o árabe aponta sua faca para ele. É um tiro fatal, mas Mersault atira no homem mais quatro vezes após uma pausa. Ele não divulga ao leitor nenhuma razão específica para este ato ou o que ele sente.
Meursault é preso pelo assassinado do árabe.
Conseguiu um advogado público para a sua defesa.
"No dia seguinte, um advogado veio falar comigo à prisão.
Era baixo e gordo, bastante novo ainda, os cabelos cuidadosamente penteados
com fixador. Apesar do calor (eu estava em mangas de camisa), envergava um
fato escuro, um colarinho duro e uma gravata esquisita, com grandes riscas
pretas e brancas. Pôs em cima da cama a pasta que trazia debaixo do braço,
apresentou-se e disse que estudara o meu processo. O meu caso era delicado,
mas se eu tivesse confiança nele, não duvidava do êxito final. Agradeci-lhe e ele
disse-me: “Entremos no fundo da questão”.
Sentou-se na cama e explicou-me que tinham andado a investigar a minha
vida privada. Tinham descoberto que a minha mãe morrera recentemente no
asilo. Procedera-se então a um inquérito em Marengo. Os investigadores tinham
sabido que eu “dera provas de insensibilidade” no dia do enterro. “Veja se
compreende, disse o advogado, custa-me um bocado perguntar-lhe isto. Mas é
muito importante. E será um grande argumento para a acusação, se eu não
conseguir dar resposta”. Queria que eu o ajudasse. Perguntou-me se eu, nesse
dia, tinha tido pena da minha mãe. Esta pergunta muito me espantou e parecia-me que não era capaz de a fazer a alguém. " p.37
Colocado em uma nova cela, Mersault fica obcecado com sua condenação e apelo iminente e tenta imaginar uma maneira de escapar de seu destino. Ele se recusa repetidamente a ver o capelão da prisão, mas um dia o capelão o visita mesmo assim. Mersault diz que não acredita em Deus e nem se interessa pelo assunto, mas o capelão insiste em tentar afastar Mersault do ateísmo (ou, talvez mais precisamente, do apateísmo) O capelão acredita que o apelo de Mersault terá sucesso em libertá-lo da prisão, mas diz que tal resultado não o livrará de seus sentimentos de culpa nem consertará seu relacionamento com Deus. Eventualmente, Mersault aborda o capelão com raiva. Ele ataca a visão de mundo e a atitude paternalista do capelão e afirma que, ao confrontar a certeza da proximidade de sua morte, ele teve insights sobre a vida e a morte que ele sente com uma confiança além da que o capelão possui. Ele diz que, embora o que dizemos, fazemos ou sentimos possa fazer com que nossas mortes aconteçam em momentos diferentes ou em circunstâncias diferentes, nenhuma dessas coisas pode mudar o fato de que estamos todos condenados a morrer um dia, então nada importa em última instância.
Depois que o capelão vai embora, Mersault encontra algum conforto em pensar sobre os paralelos entre sua situação e como ele acha que sua mãe deve ter se sentido quando estava cercada pela morte e morrendo lentamente no asilo. Gritar com o capelão o esvaziou de toda esperança ou pensamentos de fuga ou um apelo bem-sucedido, então ele é capaz de abrir seu coração "para a indiferença benigna do universo", após o que ele decide que ele foi, e ainda é, feliz. Sua afirmação final é que uma multidão grande e odiosa em sua execução acabará com sua solidão e levará tudo a um fim consumado.
"RECUSEI-ME, pela terceira vez, a receber o capelão. Não tenho nada a
dizer-lhe, não me apetece falar, tenho muito tempo para o ver. O que neste
momento me interessa, é fugir à engrenagem, saber se o inevitável pode ter uma
saída.
Mudaram-me de cela. Desta, quando me estendo na cama, vejo o céu,
apenas o céu. Os meus dias inteiros, passo-os a olhar na sua face, o declínio das
cores que conduz o dia à noite.
Deitado, ponho as mãos debaixo da cabeça e espero. Já não sei quantas vezes
perguntei a mim próprio se havia exemplos de condenados à morte que tivessem
escapado ao mecanismo implacável, desaparecido antes da execução e fugido
ao cordão de polícias.
Censurava-me por não ter prestado atenção suficiente às histórias de
execuções. Devíamos interessar-nos sempre por estas questões. Nunca se sabe o
que pode acontecer. Lera, como toda a gente, reportagens sobre o assunto. Mas
havia com certeza livros especializados, que nunca tivera a curiosidade de
consultar. Talvez aí eu pudesse ter achado narrativas de evasões. Poderia ter
sabido que, pelo menos num caso, a ronda se tinha detido e que, nesta irresistível
precipitação, o acaso e a sorte, uma única vez, haviam desempenhado um papel." p.59
Fontes:
amazon.com.br
letras-lyricis.com.br
revistabula.com
google.com
exame com
achadoselidos.com.br
weikipedia.org
youtube.com
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