domingo, 11 de setembro de 2022









‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
 Brinca o luar – dourada borboleta; 
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta. 

‘Stamos em pleno mar... Do firmamento
 Os astros saltam como espumas de ouro...
 O mar em troca acende as ardentias 
– Constelações do líquido tesouro...

 ‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos 
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
 Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...

 ‘Stamos em pleno mar... Abrindo as velas 
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares, 
Como roçam na vaga as andorinhas...


Os versos acima fazem parte do belo poema "O navio Negreiro", do poeta baiano Castro Alves.

Escrita em 1870 na cidade de São Paulo, a poesia relata a situação sofrida pelos africanos vítimas do trafico de escravos nas viagens de navio da África para o Brasil. Ela é dividida em seis partes com metrificação variada.

Esse poema épico relata a vida dos escravos, tirados à força de sua terra e de sua família e entulhados num ambiente fétido e insalubre que eram os navios negreiros que os traziam para o novo mundo.

Essa gente era amontoada junto de outras pessoas com idiomas e costumes diferentes, que tinham em comum terem vindas do continente africano e os maus tratos e violência que todos eram submetidos.

Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Um sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite... 
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...


  Negras mulheres, suspendendo às tetas
 Magras crianças, cujas bocas pretas
 Rega o sangue das mães: 
Outras moças, mas nuas e espantadas,
 No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs! 


E ri-se a orquestra irônica, estridente...
 E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais... 
Se o velho arqueja, se no chão resvala, 
Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... 


Presa nos elos de uma só cadeia,
 A multidão faminta cambaleia, 
E chora e dança ali! 
Um de raiva delira, outro enlouquece,
 Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri! 








Na quarta parte do poema, o poeta descreve a horrível cena que se passa no convés do navio: uma multidão de negros, mulheres, velhos e crianças, todos presos uns aos outros, dançam enquanto são chicoteados pelos marinheiros.
A descrição é longa, feita em seis estrofes.

As principais imagens são as dos ferros que rangem formando uma espécie de música e da orquestra de marinheiros que chicoteiam os escravos. A relação entre a música e a dança com a tortura e o sofrimento dão uma grande carga poética à descrição da cena. No final quem ri da dança insólita é o próprio Satanás, como se aquele fosse um show de horrores feito para o diabo.


Existe um povo que a bandeira empresta 
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!... 
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, 
Que impudente na gávea tripudia? 
Silêncio, Musa... Chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!... 
Auriverde pendão de minha terra, 
Que a brisa do Brasil beija e balança, 
Estandarte que a luz do sol encerra 
E as promessas divinas da esperança... 
Tu que, da liberdade após a guerra, 
Foste hasteado dos heróis na lança, 
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...





O poeta questiona qual a bandeira que hasteada nesse navio é a responsável por tal barbaridade. É uma retomada da segunda parte do poema. Se antes a bandeira não importava, pois o que se ouvia era a poesia e o canto, agora ela é essencial diante do sofrimento que o navio carrega.

O que se vê hasteada é a bandeira do Brasil, pátria do poeta. O sentimento de desapontamento é grande, ele realça as qualidades do seu país, a luta pela liberdade e toda a esperança que reside na nação e que agora é manchada pelo tráfico de escravos.



Sentimento de liberdade, nacionalismo ufanista, denúncia social e busca de uma identidade nacional, são algumas das principais caraterísticas da poesia abolicionista de Castro Alves.

Além de descrever aspectos do navio de escravos, Castro Alves apresenta também a natureza circundante (o mar, o céu, o luar).

Numa narrativa vibrante e com uma linguagem expressiva, o autor vai aos poucos denunciado as precárias condições dos escravos. Dessa forma, ele vai tecendo diversas críticas a esse sistema tão desumano.



Fontes:
culturagenial.com
todamateria.com.br
coletivoleitor.com.br
google.com

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